A aceitação do mistério
- Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
- 17 de dez. de 2021
- 4 min de leitura
Atualizado: 24 de dez. de 2021
O último domingo do Advento revela sua profundidade na pessoa de Maria que oferece seu corpo e seu sangue para o projeto, desde sempre, pensado por Deus. Ela participa da realização do sonho de Deus mantendo-se uma mulher forte, audaz e determinada. Ela é o protótipo da experiência nova com o Espírito de Amor e ícone dinâmico que nos lança a “sair apressadamente” ao encontro do outro.
Em seu primeiro capítulo, o evangelista Lucas, mostra um quadro oportuno e terrível da história do seu tempo. O poder da época vivia numa condição fragmentária e de conflito. Os políticos estavam corrompidos e os sacerdotes perdidos. A história muda de perspectiva na tentativa de revelar que os poderosos e os grandes do mundo não movimentam a história e não mudam o tempo. São duas mulheres simples que, para a cultura da época insignificantes e excluídas, movem a história da humanidade.
Após ter recebido o anúncio de que conceberia o Filho de Deus, enfrenta uma longa viagem para visitar sua idosa e estéril parente. Maria vai ao encontro de Isabel e, ao entrar em casa, a saúda.
Este encontro vital, para ambas, é um Pentecostes de alegria e de vida. Uma mulher grávida de alguns dias encontra-se com outra mulher grávida de seis meses. Elas carregam consigo tamanho mistério não compreendido, mas aceito: a estéril se tornou fértil e a virgem conceberá.
Duas mulheres penetradas pelo poder divino, visitadas pela virtude da graça e marcadas pela misericórdia de Deus. Ambas portadoras de um novo tempo e que nos ensinam a não parar diante dos obstáculos da vida. Maria não se assusta e vai pelas montanhas que serão atravessadas. Embora o Evangelho narre que ela caminha sozinha, do ponto de vista histórico, isto seria improvável. Maria move-se no desejo de compartilhar com sua parente o toque de Deus, pois Isabel teria feito experiência semelhante.
Essas duas mulheres movem a história. A esperança da humanidade inteira se resume em duas mulheres. Neste encontro, Isabel representa o Antigo Testamento que é encerrado, enquanto Maria, inicia o Novo Testamento. Maria entra na casa de Zacarias e Isabel fica cheia do Espírito Santo. Ela acolhe Maria com gratidão declarando sua alegria e, ao mesmo tempo, seu desmerecimento pela visita da mãe do Salvador. A mais velha inclina-se diante da disposição da mais jovem, abraça-a e a saúda com um beijo.
Vemos duas mulheres que não se deixaram dominar pelo medo do novo e pela desilusão da história. Maria levanta-se e começa o seu caminho. Não fica pensando naquilo que poderia acontecer, embora tivesse o motivo particular de ser “mãe solteira”. Isabel, ao contrário de Zacarias, resignado e sem esperança, continua a esperar no silêncio tendo a certeza de que o Senhor a tornaria fecunda na velhice.
Lucas não está interessado apenas no encontro das duas mulheres mas, sobretudo, no encontro dos dois filhos que nasceriam. O encontro das duas mães é uma profecia do projeto que Deus realizaria entre os dois filhos. O filho de Maria se chamará Jesus, “o Senhor salva”, e se manifestará como Messias, Filho do Deus Altíssimo, concebido pelo Espírito Santo. O filho de Isabel, será João, “o Senhor dá a graça”, aquele que prepara o caminho, endireita as veredas, profetiza e testemunha a chegada de Cristo.
A chegada de Maria, depois daquela longa viagem, alegra Isabel, envergonhada pela esterilidade, trazendo-lhe alegria messiânica, também para João, a criança gerada. Tanto Isabel quanto João reconhecem uma presença potente e diferente. Jesus, o Messias, no “ventre virgem” de Maria, encontra o profeta, no “ventre estéril” de Isabel. O menino João, no "ventre velho" de sua mãe, profetiza com gestos e não com palavras. O “pulo” de João manifesta que, no tempo certo, Deus visita seu povo.
Maria dirige uma saudação familiar a Isabel e é acolhida com solenidade e palavras inspiradas. Isabel não saúda sua parente Maria, mas a Mãe do Senhor proclamando-a “Bem-aventurada entre todas as mulheres”. Ela não acolhe apenas sua parente, mas a mulher transformada pela virtude da fé. Isabel vê Maria remodelada pelo sim e pelo mistério da vocação de ser a Mãe do Salvador. Maria é a Bem-aventurada pois acreditou na promessa do Senhor. Isabel é a imagem da humanidade que experimenta a esterilidade e a incapacidade de gerar vida, mas é visitada por Maria, imagem da Igreja chamada ao serviço e à caridade levando Jesus aonde quer que a humanidade se encontre desaminada e desvalida.
O acontecimento da casa de Zacarias e Isabel, pode acontecer em nossos lares, em nossos trabalhos, na nossa Igreja. É preciso apenas acreditar, acolher e esperar. É preciso darmos espaço ao Amor que hoje quer se fazer carne e habitar no meio de nós. O Evangelho da visitação de Maria a Isabel quer nos preparar para viver bem o Natal e nos comunicar o dinamismo do Espírito, pois é o mesmo Espírito de Amor que fecundou o seio virgem de Maria, tocou o ventre estéril de Isabel, movimentou e continua a movimentar a nossa história.
Senhor, desejo fazer parte do seu sonho e do seu projeto pensado para a humanidade. Necessito ter a experiência com o teu Espírito de Amor. Preciso aprender a delicadeza e a ternura de Maria; a confiança e a paciência de Isabel. Não permita que o medo do novo e a desilusão da história sejam capazes de bloquear meu caminho de serviço e caridade. Transforma meus medos e desilusões na certeza de que Deus, no seu tempo, me visitará e fará o milagre acontecer.
LFCM.
Frei texto MARAVILHOSO, fiquei emocionada com tamanha delicadeza q está relatado esse encontro de muito AMOR. Gratidão. Paz e Bem