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A acolhida das diferenças

  • Foto do escritor: Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
    Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
  • 1 de jul. de 2023
  • 5 min de leitura

Atualizado: 4 de jul. de 2023

Num mesmo dia, a Igreja celebra duas figuras: Pedro e Paulo. Pedro era um homem que passava seus dias entre as redes da pesca. Paulo era um fariseu culto que vivia ensinando nas sinagogas. A missão de Pedro aconteceu entre os judeus. A missão de Paulo se deu entre os pagãos. Homens diferentes com objetivos comuns: viver o Evangelho guiados pelo Espírito Santo. A simplicidade e a espontaneidade de Pedro, bem como a lucidez intelectual de Paulo, construíram a comunidade eclesial. Simão e Saulo viveram suas vidas confrontando-se asperamente, porém sempre no comum respeito ao Evangelho. Ao primeiro, o fundamento e a edificação das estruturas. Ao segundo, o equilíbrio, a razão de ser e o princípio carismático. A familiaridade entre eles não foi de laços sanguíneos, mas “no Senhor”.

Dois discípulos, com diversas sensibilidades, capazes de ouvir a voz do Senhor que falava com sinais da história: no tempo, no espaço e no interior dos corações. Tudo o que edificaram, formaram e construíram foi verdadeira "fantasia do Espírito". Somente essa "fantasia" poderia transformar Simão em Pedro e Saulo em Paulo. De fato, o Espírito tudo muda: nome, profissão, linguagem, cultura e estilo de vida. Toda mudança é necessária para que o Evangelho seja ouvido como Boa-Notícia e para que Jesus seja anunciado como o Filho de Deus transformando vidas e oferecendo fardos leves. A ação do Espírito na vida de Pedro e de Paulo revela o poder que ele tem de fazer nova, todas as coisas.

Pedro foi, sem dúvida, o mais atirado, impulsivo e destemido. Como líder do grupo, falava em qualquer circunstância, inclusive repreendeu Jesus no anúncio da paixão. Depois da ressurreição e da ascensão, tornou-se o ponto de unidade de toda a comunidade nascente. Seus discursos e suas cartas manifestaram a inteligência das Escrituras que lhe havia sido concedida. Ele foi chamado por Cristo para tornar-se guardião da fé, ponto de referência para os outros discípulos e garantia da integridade do anúncio que o Senhor havia feito aos apóstolos e ao mundo. Por certo, uma função não muito e nem pouco adequada para um humilde e analfabeto pescador da Galileia. O Senhor não olha aparências e habilidades! Com autenticidade e capacidade de arrepender-se de seus pecados, admitindo seus erros e fragilidades, Pedro tornou-se capaz de acolher todos não julgando ninguém.


Paulo, homem religioso, viu sua vida transformar-se a partir do encontro com Jesus Ressuscitado, na estrada de Damasco. Seus escritos iluminaram a fé da comunidade primitiva e revelaram as dificuldades dos cristãos recém-convertidos. Ele foi digno representante de um mundo culturalmente aberto e dinâmico, capaz de interiorizar o Evangelho e de entender toda a missão de Jesus. O Senhor o chamou para tornar-se instrumento de evangelização entre os pagãos e para construir comunidades fora dos territórios de Israel.


A grandeza desses dois apóstolos é a acolhida das diferenças. Ambos foram chamados para construir comunidades. Eles eram abertos e sensíveis a todos. Não apenas para admirar e contemplar, mas para serem imitadores de Cristo e protagonistas do Evangelho. Cada um seguiu Jesus à sua maneira.

Dois homens que, ao fecundarem a Igreja com o próprio sangue, foram capazes de sustentar a fé. Foram homens enamorados pelo mistério grandioso do amor de Deus. Disponíveis a darem tudo, inclusive, suas vidas. Pedro, antes de ser colocado na cruz, não pensou em si mesmo, mas no seu Senhor. Considerando-se indigno de morrer como Ele, pediu para ser crucificado de cabeça para baixo. Paulo, antes de ser decapitado, pensou em dar a vida e escreveu: quero ser “dado em oferta viva” (2 Tm 4,6).

No Evangelho de hoje, Jesus interroga os seus com típica maestria: “Quem dizem os homens ser o Filho do Homem?” As diversas opiniões são incompletas. Alguns dizem ser um profeta que retornou. Mas, Jesus não é simplesmente um profeta de ontem que voltou. Ele é o novo! Numa simples pergunta, Jesus desejou conduzir seus discípulos a uma compreensão real de quem Ele era: “E vós, quem dizeis que eu sou?” O desejo era conduzir os seus discípulos à delicadeza, à transparência e à liberdade interior. Era necessário colocar para fora o que se pensava no coração. Esse foi o modo com o qual Jesus encontrou para fecundar um novo estilo de vida e para construir novas histórias. É a qualidade dessa resposta que revela a forma do seguimento, a oferta da vida e o maneira do serviço. É a qualidade dessa resposta que demonstra a autoridade no ato de testemunhar o Evangelho. Não se trata de uma resposta teológica, mas da necessidade de adesão e identificação com a pessoa de Jesus Cristo.


Uma autoridade constituída para a construção da comunidade. A questão da autoridade merece nossa reflexão. O modo como lemos a autoridade ou a reconhecemos é por demais simplificado e míope. Podemos dizer que o senso comum identifica a autoridade por aquela força, aquele poder, aquela palavra que tem característica de imposição, de manipulação, de controle. No entanto, o sentido original do termo autoridade dá novo valor a essa perspectiva, pois autoridade é, originalmente, a capacidade e o poder de fazer crescer todas as coisas.


Aquele que possui autoridade é capaz de inaugurar no outro, nova percepção que não era possível antes. Liga-o à liberdade de vida e desliga-o da escravidão da morte. É disso que a Igreja toma forma. Temos o convite a sermos pedra de sustento, não de tropeço. Temos o convite a sermos chave que abre, não que fecha impedindo encontros. A autoridade é uma questão de espiritualidade em seu princípio e em seu exercício. Por isso, nossa geração sempre está à procura de novas autoridades. É preciso considerar qual à natureza, o princípio e a forma da autoridade que se procura. Para fazer crescer o outro, a misericórdia deve ser o núcleo e a natureza da autoridade. De fato, é de que a Igreja necessita: irmãos que saibam edificar o coração, cancelar os temores e as angústias dos outros. A Igreja necessita de pessoas que saibam abrir as portas de mentes estreitas demostrando paciência e clemência. Jesus assim o fez!


Na festa litúrgica deste domingo e na vida da Igreja, os dois apóstolos, Pedro e Paulo, não podem estar separados, eles acolhem as diferenças. Um completa o outro. Pedro: a pedra de sustento e não a de tropeço, a chave que abre e não a que fecha. Paulo: o ser missionário que alarga o anúncio de Cristo morto e Ressuscitado revelando que a doutrina cristã é positiva porque tem um futuro salvífico. Não podemos propagar mais uma Igreja com doutrina desumana, excludente, sem a autêntica fé em Cristo Ressuscitado, sem fundamento e sem razão para existir. Portanto, o Evangelho volta nossos olhos à vocação de Pedro e à missão de Paulo a fim de entendermos a missão da Igreja no mundo.


Senhor, concede-me a simplicidade de Pedro e a lucidez de Paulo para que eu seja sensível aos teus sinais em minha história. Que eu seja capaz de acolher todos, sem julgar ninguém, tornando-me um verdadeiro instrumento de evangelização. Ensina-me a enamorar-me por teu mistério de amor estando disponível a dar minha própria vida pela causa do Evangelho. Tornai-me pedra de sustento, porta que abre e missionário que alarga caminhos a fim de que todas as diferenças sejam acolhidas e entendam a verdadeira missão da Igreja.


LFCM.

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1 Comment


Marcia Severo
Marcia Severo
Jul 02, 2023

Bom Dia Frei gratidão por me enviar essas palavras, q terei muito q pensar. Como estou vivendo a missão da igreja? E muitas outras perguntar q irão surgir depois de reler esse maravilhoso texto. Paz e Bem🙏🏾

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