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A admirável troca

  • Foto do escritor: Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
    Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
  • 31 de dez. de 2022
  • 5 min de leitura

O Evangelho de hoje, concluindo os oito dias dedicados ao Natal do Senhor, mostra alguns momentos básicos dessa história: o encontro dos pastores, a admiração dos pais, a circuncisão do menino e o nome dado ao Filho de Maria. O valor desses acontecimentos está na continuidade da promessa salvífica de Deus e na “iniciação” da vida de Jesus. A circuncisão marca que Ele pertence ao povo de Israel. O nome aceito manifesta o chamado e o plano de Deus. Dar nome significa dar identidade. O nome Jesus significa “Deus salva”. Jesus é o nome Daquele que é gerado pelo Espírito Santo, anunciado pelo Anjo, que vem de Deus e não dos homens, de cima, não de baixo. Por isso, é o único nome em que se encontra a salvação (cf. At 4,12) e o nome que podemos invocar para encontrar a benção de Deus.

A narração do Natal do Senhor não é marcada pela crônica de um fato histórico, mas por testemunhas que se admiram da grandeza do Mistério. Essas testemunham não se comportam como espectadores de um conto espiritual ou imaginado, mas entram na história permitindo com que a ação de Deus se torne um fato da vida quotidiana. Maria, José, os pastores e os magos se envolvem e se comprometem em fazer da vida deles uma revelação do mesmo Mistério. E todos os que ouviam os pastores se admiravam com aquilo que contavam.

O nosso modo de viver no mundo depende da forma como vivenciamos as relações da vida e de como aceitamos que várias coisas nos foram dadas, sobretudo, a vida e o nome. Tudo depende dessa passagem de ruptura e de comunhão, de angústia e de alegria, de dor e de dom. Nossa vida depende do movimento externo de alguém e do movimento interno, também, de alguém. Somos marcados por esses dois movimentos, mesmo sendo realizados de forma aceitável ou de forma obrigatória. Rompendo ou ligando, uma vida é sempre gerada por outra vida. A relação entre mãe e filho é uma das dimensões mais misteriosas e fundamentais da vida humana. Dimensão que não pode ser cancelada da memória afetiva, marcando a existência e a personalidade de qualquer indivíduo.


Essa dimensão não poderia ser diferente na vida de Jesus. Ele nasce de uma ação externa do Espírito e de uma ação interna Daquela que foi Escolhida para ser sua Mãe. Dessa maneira, quando celebramos a Solenidade de Maria, Mãe de Deus, refletimos a relação de todas as mães para com seus filhos. Não é possível pensar em Maria sem sua relação de Mãe para com seu filho Jesus. De igual maneira, impossível pensar em Jesus sem sua relação de Filho para com sua mãe Maria. Portanto, não é possível pensar nossa vida sem a relação materna, seja ela positiva e aceitável ou negativa e não desejada.


De fato, é impressionante que uma mulher torna-se mãe quando consegue separar-se de seu filho e deixá-lo sair do seu ventre. Assim, acontece, também, com a Mãe de Deus. Ela não quis “conservar” dentro de si o “seu” Filho, mesmo sabendo que Ele seria a realização de um “milagre”. Ela permitiu a Ele, a liberdade de assumir o plano de Deus. Ela não desejou ser apenas um “sacrário” que O conservaria para e dentro de si mesma, mas se abriu a fim de que Ele assumisse o projeto salvífico de Deus. Com o seu silêncio, Ela permitiu que a obra de Deus fosse realizada Nele. Maria não guarda o Filho para si, mas apresenta-O a nós; Ela não O segura apenas em seu colo, mas depõe-No convidando-nos a olhar para Ele, acolhendo-O e adorando-O. Nossa Senhora nunca reteve Jesus como unicamente seu, mas O oferece, indicando-Lhe a todos. Desde o início, os fatos que envolvem a vida de Jesus, em particular, a visita dos pastores e o encontro do Simeão no Templo, mostram para a sua Mãe que Ela não teria controle sobre a vida do Menino. Por isso, Ela não disse nenhuma palavra que pudesse causar “marca” em Jesus como fruto de si mesma, mas Ela silencia, observa e guarda todas as suas emoções no coração.


O mistério da salvação está na situação de que não apenas a mãe transmite a sua personalidade ao filho, mas de que o filho dá de si à sua mãe. Sendo Jesus, o Filho de Deus, Ele confere a graça de que sua Mãe seja a Mãe de Deus. Maria dá ao seu Filho o lado humano da criação, enquanto o seu Filho dá para Ela a força divina da salvação: eis a admirável troca. Ele recebe o lado humano de Maria e oferece à Ela seu lado divino. Deus, pediu à Maria seu o corpo humano e deu à Ela a oportunidade de ser sua Mãe. Esse movimento divino nos ensina a necessidade de permanecermos abertos para recebermos os dons de Deus que trazem muito mais do que imaginamos ou acreditamos.

O Verbo Eterno de Deus nasceu de uma mulher e, segundo a Lei, mesmo podendo manifestar-se através da sua força Onipotente, quis depender do seio materno. O significado principal é de que Ele quis viver a nossa experiência de homens e desejou ser obediente ao Pai no caminho de um povo que se constituiu em vista dele. “Nascido de uma mulher” é a certeza da humanidade divina, pois Jesus assume uma carne como a nossa. A maternidade de Maria é a ocasião que consente a presença e a benção de Deus.

No trecho evangélico é sublinhada a atividade interior de Maria. Ela reflete “no seu coração” para elaborar o sentido, acolher a realidade e amadurecer a decisão. Maria reflete e medita sobre os acontecimentos e conserva as palavras que suscitam admiração. Com seu silêncio interior, Ela aprende a aceitar a maternidade divina e a cultivar o mistério salvífico de Deus feito carne em seu seio materno. Progressivamente, Ela aguarda a realização de todas as promessas do Senhor. Guardando em seu coração todas as coisas, Ela aprende e o abre inteiramente para a imensidão do mistério, transformando encontros e desencontros, compreensões e incompreensões.


O coração é nossa parte mais profunda, o espaço da razão e da emoção, da oração e do encontro com Deus. Maria une todos os fatos em seu coração, recolhe o que surge da razão, o que nasce da emoção e o que cresce na oração. Ela escuta a realidade e aprende a ouvir a voz de Deus. Na união dos fatos, Maria percebe que o Senhor dá muito mais do que se pede ou se é prometido. Essa percepção de Nossa Senhora, nos ensina que não temos necessidade de unir todos os fatos e nem seja possível guardá-los todos, em nosso interior, mas que ao juntar os fragmentos que a vida nos oferece, podemos compreender aquilo que o Senhor nos diz e para onde Ele deseja nos conduzir. Dessa maneira, compreendemos que para seguir o caminho é necessário apenas nos abrirmos e meditarmos a autoria da ação de Deus em nossa história.

Maria, mãe de Deus e minha mãe, ajuda-me a entender que o Senhor nos dá muito mais do que se pede ou deseja. Ajuda-me a silenciar sabendo conservar no coração todas as coisas, na certeza de que Deus transforma a história de dentro para fora. Retira-me o medo de não me abrir-me ao Mistério, pois o Senhor conta comigo. Faz-me presença discreta e doação generosa na vida de meus irmãos. Ensina-me a escutar a realidade para que eu aprenda a ouvir, por meio dela, a voz de Deus.


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