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A alegria dos encontros

  • Foto do escritor: Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
    Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
  • 10 de set. de 2022
  • 6 min de leitura

Atualizado: 15 de out. de 2022

O evangelista Lucas coloca no centro de seu Evangelho: a misericórdia de Deus. Essa misericórdia é praticada e vivida por Jesus através de sua proximidade com os pecadores e publicanos o que é motivo de escândalo aos olhos dos Mestres da Lei e dos Fariseus. A introdução do capítulo quinze revela Jesus sendo criticado por seus conhecidos. A fim de esclarecer estas críticas, o evangelista escreve uma parábola desdobrada em três: duas curtas e semelhantes, e uma mais longa. Com esta parábola, Jesus propõe a quebra de paradigmas culturais e religiosos que professam ser “contagiosa” a proximidade com pessoas “perdidas” e excluídas da sociedade. Provavelmente, até os discípulos tinham pensamentos equivocados e não compreendiam a presença de Jesus em espaços "inapropriados" com pessoas “perdidas”.


Jesus ensina que a misericórdia não pode ser uma afirmação teológica sobre o amor de Deus, mas deve ser uma prática existencial, um real encontro e uma troca de relações, palavras e afetos com pessoas. No entanto, esse ensinamento é escândalo intolerável para aqueles que acreditavam conhecer a Deus. Jesus descontrói a imagem de Deus construída pelos Mestres da Lei. Nas parábolas há sempre “alguém” que procura “alguma coisa": um pastor procura uma ovelha, uma mulher procura uma moeda e um pai procura dois filhos.

Quando Jesus fala da mulher que procura a moeda, do pastor que procura a ovelha e do pai que sai ao encontro dos filhos, Ele revela o real sentido de sua missão. As três narrativas fazem compreender que Deus tem sempre a iniciativa no gesto de acolher e “misericordiar”. Entretanto, a insistência “moralista” que coloca no centro o pecado, interpreta as três parábolas unilateralmente, romantizando-as e tornando-as banais e repetitivas, alimentando o conflito entre o pastor e a ovelha, a mulher e a moeda, o pai e os filhos. Essa escolha equivocada não desperta nossa atenção para um pastor fora da lógica, para uma mulher perseverante e para um pai diferente.

A primeira parábola mostra um pastor que percebe a perda de uma ovelha em seu redil. Então, deixa todas as outras e se coloca à procura da única perdida. Se tivesse o mínimo de bom senso, não faria este movimento, mas esqueceria a perdida para não deixar as sozinhas em risco. Esse pastor se move a partir de uma lógica diferente. Mesmo tendo todas as outras ovelhas não é indiferente àquele perdida que fica no meio do caminho. Não pensa no perigo de voltar sozinho ao deserto, mas na responsabilidade pela vida da ovelha. Sem a atitude do pastor, a ovelha perdida não teria sido encontrada e nem forças para encontrar o caminho do redil. Quando o pastor a encontra, ele a coloca sobre seus ombros com grande alegria. Ao chegar em casa, convoca amigos e vizinhos para se alegrarem com ele, por ter encontrado a ovelha perdida.


A segunda parábola tem a mesma estrutura da primeira, apenas com atores e cenários diferentes. Não um pastor, mas uma mulher; não um deserto, mas o interior de uma casa; não a esfera rural, mas econômica. Com isso, a “parábola da moeda perdida” narra uma perda interior: há uma parte do tesouro que se perde dentro da própria casa. Não se perde tudo, nem mesmo a metade da quantia total, mas apenas uma pequena parte. Das dez moedas, a mulher perde uma. Uma perda que poderia passar despercebida. No entanto, a mulher percebe que sem a moeda perdida não continuaria a totalidade e a inteireza de sua vida. Decide procurar a "pequena grande" parte. Não culpa ninguém por ter perdido, não fica mal-humorada, nem deprimida, nem de braços cruzados, mas começa a procurar: acende a luz, varre e busca cuidadosamente. Iluminar o espaço foi o primeiro movimento. Sem a “luz” da verdade, nada se pode encontrar. É preciso lucidez para entender que o objeto deve ser procurado. O segundo movimento foi varrer. Este é momento de tirar as poeiras e as desordens que estejam escondendo a parte perdida de seu tesouro. Por fim, o movimento de buscar cuidadosamente a moeda perdida revela que a procura não deve ser apenas exterior, mas interior. É preciso identificar os obstáculos e os fechamentos interiores. Com os três movimentos, a mulher encontra a moeda e restitui sua alegria interior chamando suas vizinhas para comemorar. A iluminação, a purificação e o cuidado interior foram os caminhos encontrados para encontrar a moeda perdida. A reconciliação desemboca num reencontro alegre com os outros. Em relação com a parábola da ovelha perdida, o elemento novo é a vívida preocupação da mulher, seu esforço, paciência e perseverança.


A terceira parábola reflete a perda de dois filhos: um mais novo e um mais velho. O pai sai à procura de dois filhos perdidos e pródigos. O filho mais novo tinha decidido se perder, enquanto o mais velho já estava perdido e não havia percebido. Os dois mantinham péssima relação paterna: o primogênito, vivia como empregado; o mais novo, não queria mais ser filho e, mesmo o pai não tendo morrido, decide pedir sua herança. O filho mais novo, tendo seus “direitos” nas mãos e sem perder tempo, deixa a casa e a vida paterna, e procura outros afetos, desperdiçando seus bens e perdendo sua dignidade. “Caindo-se em si”, recorda da fartura e da beleza da casa do pai. Decide voltar para ser empregado e não mais filho. Esse filho regressa duplamente: para si mesmo e para o próprio pai. A aceitação do retorno é revelada por gestos concretos: a melhor veste que restitui a dignidade, o anel no dedo que simboliza a realeza e o poder e a sandália nos pés que restabelece a condição de filho, não de empregado. Mesmo o filho querendo voltar a ser empregado, o pai não permite. O maior sinal e ápice da vida restituída é a festa: “trazei o novilho cevado e matai-o; comamos e festejemos, pois, este meu filho estava morto e tornou a viver, estava perdido e foi reencontrado”.


Com o filho maior que ficou sempre em casa, o pai tem atitudes semelhantes. Também, um caminho de reconciliação foi construído para com ele. O pai sabe que aquele filho vive longe da casa paterna, pois ele pergunta um dos empregados sobre o que estava acontecendo. Há muito tempo ele não tem relação com seu pai. Não banalizando o sentimento e o rancor desse filho, o pai vai ao seu encontro para suplicar-lhe compreensão. O encontro revela objetivos e linguagem contrapostas: um fala da festa e o outro, de patrimônio; um pensa no filho reencontrado e o outro, recorda a lei e as regras; um tem compaixão e compreensão e o outro, pensa no castigo a ser aplicado. O “perfeccionismo” experimentado pelo filho mais velho o impede de entrar na lógica do pai. Ele não sabe viver os relacionamentos e possui profunda raiva destrutiva: não o meu irmão, mas o teu filho. Segundo ele, a reação do pai para com o filho que retorna é exagerada e injusta. Por isso, rejeita, reclama e acusa. Em seu coração há rancor, dureza, fechamento e mesquinhez porque a reação dele era a única correta e perfeita. Neste sentido, o filho primogênito não vive uma relação paterna, mas obedece a um patrão: “há tantos anos que te sirvo, e jamais transgredi um só dos teus mandamentos”.

O elemento comum das parábolas é a alegria do encontro expressa através das festas. O pastor chama amigos e vizinhos e diz-lhes: “Regozijai-vos comigo, achei a minha ovelha que se havia perdido” (v. 6); a mulher chama as amigas e as vizinhas e diz-lhes: “Regozijai-vos comigo, achei a moeda que tinha perdido” (v. 9); o pai diz ao outro filho: “Convinha, porém, fazermos festa, pois este teu irmão estava morto, e reviveu; estava perdido, e foi achado” (v. 32). Nas duas primeiras parábolas, a alegria é tão grande que é partilhada com “amigos e vizinhos”. Na terceira parábola, a festa parte do coração do pai e se expande por toda sua casa.

As perdas marcam a existência humana. Às vezes, nos perdemos porque ficamos cansados, fracos e paramos no caminho. Outras vezes, nos perdemos porque os outros se esquecem de nós ou porque as pedras nos colocam de lado e nos tira do caminho. Outras vezes, porém, nos perdemos porque desejamos nos perder. A gente se perde do Pai e de sua casa. A gente se perde da fraternidade. Os tempos acelerados e os espaços vazios também nos fazem perder. Nosso coração soma muitas perdas, algumas necessárias e outras desnecessárias. O importante é aceitar, sem dramas, as perdas e os desencontros que fazem parte do caminho. Nas parábolas do Evangelho de hoje não há apenas aquilo ou quem se perde, mas há alguém que procura, espera e acredita. Não se trata apenas do “Evangelho dos perdidos”, mas do “Evangelho dos encontrados”. É preciso tomar consciência da ovelha, da moeda e do filho perdido a fim de redescobrir a presença do pastor, da mulher e do pai que sempre estão à procura. É nesse transitar por nosso interior à procura de alguém que encontramos a misericórdia de Deus.


Senhor, dai-me a sabedoria para compreender sua presença em espaços "inapropriados" com pessoas “perdidas”. Conceda-me a atitude do pastor que volta ao deserto sozinho para resgatar apenas uma “ovelha” perdida. Ensina-me como aquela mulher, a acender luzes, varrer minhas poeiras e buscar, cuidadosamente, dentro de mim, meu pequeno grande tesouro. Por fim, permita-me a acolher e a misericordiar aos que me deixam no caminho, mas que preferem voltar a mim para vivermos juntos as alegrias do reencontro.


LFCM.

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1 comentario


Adailton Borges
Adailton Borges
10 sept 2022

De fato, estas parábolas nos fazem recordar sobre a necessidade amorosa de Deus em encontrar a humanidade perdida e dispersa pelo pecado. Desde o antigo testamento, quando os nossos primeiros pais ingeriram o fruto da morte e do pecado, afastando-se de seu Criador, Deus estava a sua procura: “onde estas”? As palavras e os gestos de Jesus Cristo nos revelam de modo latente esta proximidade de Deus; e mais ainda, este encontro de Deus com a humanidade que manifesta o seu acolhimento a aqueles que foram perdidos e dispersou.

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