top of page

A astúcia elogiada

  • Foto do escritor: Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
    Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
  • 17 de set. de 2022
  • 5 min de leitura

Atualizado: 15 de out. de 2022

A passagem do Evangelho de hoje é encontrada apenas na narrativa de Lucas, embora, o versículo 13 esteja em paralelo com um trecho do capítulo 6 de Mateus. Essa narrativa não é de simples compreensão, pois é bastante paradoxal. O desfecho mostra-se impactante e provocativo. É impressionante o elogio de Jesus ao administrador desonesto. Dirigido aos discípulos, o propósito de Jesus é fornecer-lhes informações preciosas sobre o modo como devem atuar para que o Evangelho alcance a realidade quotidiana. Como cristãos, “filhos da luz”, temos muito a aprender com esta narrativa. Hoje, nossa maior dificuldade consiste na falta de astúcia, audácia, ousadia e criatividade porque nos agarramos em compromissos desumanos de uma tradição medíocre e escandalosa. Preferimos escolher os modelos do passado e as formas que não dão vida e nem libertam para a vivência radical do Evangelho de Jesus.


A parábola tem como protagonista um administrador astuto e desonesto que, acusado de ter esbanjado os bens do patrão, está prestes a ser despedido. A questão fundamental é colocar-nos diante da reflexão sobre o cuidado com a vida, com os bens pessoais, com o tempo e com nossas posses. Tudo em nossa vida é um dom que não nos pertence. Ninguém pode dizer que possui realmente alguma coisa ou que é o dono de algo ou de alguém. Tudo pode ser tirado de nós a qualquer momento: relacionamentos, afetos, funções, saúde, posses e a própria vida. Seguimos na ilusão de sermos os donos dos dons. No entanto, devemos entender que somos apenas seus administradores.


Na difícil situação de ter sido descoberto, o administrador não procura justificativas, nem desanima, mas encontra uma saída para assegurar um futuro tranquilo. Diante daquele dramático contexto, ele não desanima e constrói um futuro para si mesmo. Ele confia na astúcia e na criatividade reagindo como pode, lançando novas perspectivas. Por isso, o centro da parábola não está na injustiça cometida, nem na desonestidade do administrador, mas na sua astúcia.

Jesus louva a esperteza, a audácia, a criatividade e o empenho do administrador. A parábola elogia a capacidade de lidar com uma situação em tempo real e enfrentá-la encontrando um remédio, uma saída rápida. Jesus quer que seus discípulos mostrem a mesma prontidão, lucidez e inteligência ao serviço do Evangelho.

Seja desonesto ou não, o administrador tem que enfrentar a situação. E, justamente na crise, ele descobre o sentido da vida. De fato, poderia ele continuar roubando, tomando para si ou deixando de lado. No entanto, entende que o sentido da vida é aquele que nos permite administrar bem os dons e nos impulsionando à doação. Não é simplesmente a justiça a primeira lei do Evangelho, mas a misericórdia, a generosidade e a superabundância. O administrador desonesto é elogiado não por sua justiça, mas porque escolheu o caminho da generosidade. Ele criou um futuro usando sua vida para perdoar as dívidas que outros tinham contraído.

A astúcia do administrador foi elogiada porque ele foi capaz de inverter a visão do dinheiro como instrumento de acumulação pessoal, egocêntrico e solitário, para uma oportunidade de criar e construir novas relações baseadas no tesouro da gratidão com aqueles com quem tinha apenas relações comerciais. A salvação, o sentido da vida e o verdadeiro elogio partem da transformação daquilo que ele foi capaz de fazer. Seus movimentos vão do fechamento à abertura, do ganho ao dom, da solidão à comunhão.

Esta parábola do Evangelho de Lucas foi colocada logo após as parábolas da misericórdia a fim de compreendermos o real discurso de Jesus. Há duas formas de viver: uma para quem opta por servir a riqueza vivendo na ilusão do ganhar, tornar-se escravo, apegado e sem disposição para o amanhã. Por outro lado, quem escolhe viver para servir a Deus é aquele que reconhece a Fonte dos dons. Este entende que é um administrador e, portanto, uma pessoa livre, pronta para retribuir o que recebeu a qualquer momento que lhe seja exigido. O administrador foi astuto porque soube em quem apostar. Ele apostou nos amigos e não nos bens e nos produtos que lhe “pertenciam” e que podiam apodrecer ou serem roubados. Ele foi capaz de desistir do primeiro para ganhar o último. Essa é a questão: “usai o dinheiro injusto para fazer amigos, pois, quando acabar, eles vos receberão nas moradas eternas”. Esse é o versículo mais importante da parábola!


No centro do Evangelho, está a decisão radical à qual o homem é chamado e que o permite entrar no Reino de Deus. Essa decisão exige qualidades exemplificadas na conduta do administrador. Ele reage decididamente ao momento difícil em que se encontra quando suas ingerências econômicas são descobertas. Por isso, a mensagem apreendida por esta parábola diz respeito a todos nós. Inicialmente, no momento da crise, o administrador demostra capacidade de aceitar a situação e a realidade. Não se perde em queixas, em culpas estéreis. Nem mesmo tenta fazer justificativas patéticas, pouco convincentes com o intuito de defender a sua inocência, mas ele aceita a realidade. Ele olha para si mesmo, se pergunta o que pode fazer, reconhece seus próprios limites, incapacidades e impotências e, somente depois, age de modo pragmático e inteligente.


Este movimento revela lucidez, capacidade de tomar decisões pensadas e escolhas refletidas para o seu futuro. Tudo isso é acompanhado por uma importante dimensão: a da velocidade da reação. O exemplo desse homem corrupto não está em suas ações inescrupulosas, mas em sua capacidade de discernir criticamente a realidade em que se encontra e agir sobre ela. É um homem inteligente! Para Jesus, ele é um “filho deste mundo” (Lc 16, 8), ou alguém que pensa e age com base em critérios mundanos, embora a pergunta diga à respeito dos “filhos da luz”: “E o senhor elogiou o administrador desonesto, porque ele agiu com esperteza. Com efeito, os filhos deste mundo são mais espertos em seus negócios do que os filhos da luz”.


Este Evangelho faz ressoar em nós a pergunta do administrador desonesto, despedido pelo patrão: “Que farei agora?”. Diante de nossas faltas e fracassos, Jesus assegura-nos que há sempre tempo para curar o mal praticado com o bem, bem pensado. Não basta reclamar das situações e dos males do nosso tempo. É preciso verificar, pensar, inventar e imaginar passos concretos. O Evangelho nos ensina que criar o futuro, não é inventar soluções a curto prazo, mas soluções grandes e amplificadas, cheias de inteligência. Aquele homem foi capaz de parar e pensar. Ele começou a entender a diferença entre a falsa e a verdadeira riquezas. Ele usou do patrimônio econômico para criar seu patrimônio real: o dos relacionamentos amigáveis que lhe garantiu, a entrada no céu.


Senhor, que farei agora? Dá-me o dom de aceitar minha realidade, olhando para mim mesmo e reconhecendo meus limites. Ensina-me a agir com inteligência tornando-me capaz de tomar decisão pensada e escolha refletida para que o meu futuro seja de cura do mal que pratiquei. Faz-me entender que não sou dono dos meus dons, mas apenas um administrador da Fonte. Conceda-me a astúcia, a ousadia e a criatividade necessárias para assegurar meu futuro tranquilo e um dia, entrar no céu.

Posts recentes

Ver tudo
O abandono de Deus

Esta semana nos permite entrar na "morte de Deus" e nos oferece duas narrativas evangélicas. A primeira nos diz sobre a livre entrada de...

 
 
 
A escrita do amor

Um evento imprevisível perturbou a pregação de Jesus no Templo. Os homens que cuidavam da casa de Deus trouxeram uma mulher surpreendida...

 
 
 

1 commentaire


Marcia Severo
Marcia Severo
18 sept. 2022

Olá Frei. Tenho muito q refletir após ler esse texto cheio de questões q nos ajudarão a crescer espiritualmente. Gratidão. Paz e Bem.

J'aime

© 2023 por NÔMADE NA ESTRADA. Orgulhosamente criado com Wix.com

  • Facebook
  • Instagram
bottom of page