A chave da felicidade
- Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
- 6 de ago. de 2022
- 5 min de leitura
Atualizado: 10 de set. de 2022
O Evangelho deste domingo está direcionado para os discípulos e não para a multidão. Eles sentem medo: sabem que são poucos e fracos diante da hostilidade e da velocidade do mundo. Estão assustados porque o mal mostra-se triunfante em todos os lugares. Sentem-se frágeis diante da proposta da cruz e do caminho de Jesus que oferece sua vida em Jerusalém. No entanto, Jesus assegura-lhes que o Reino de Deus não acontece por obra da razão humana, mas pelo dom gratuito de Deus. Diante disso, o evangelista Lucas, apresenta-nos frases proverbiais e três parábolas acerca da vigilância.
O caminho de Jesus e dos discípulos rumo a Jerusalém é o contexto em que Ele pronuncia palavras comoventes: “Não tenhais medo, pequenino rebanho, pois foi do agrado do Pai dar a vós o Reino”. Ao proferir essas palavras, Jesus volta seu olhar para a pequena comunidade ao seu redor composta por alguns homens e mulheres perseverantes falando-lhes com linguagem afetiva e fraterna. Uma minoria, visivelmente frágil, que começa sucumbir, criar ansiedades e manifestar questões diante da missão.
O interesse de Jesus é único: preparação interior dos seus discípulos. Após o convite do despojamento necessário, de um fazer contínuo e duradouro, Ele fala da disposição do coração: “onde está o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração”. O termo “coração” indica, na linguagem bíblica, o centro da pessoa, compreendendo as dimensões intelectuais, afetivas, éticas e espirituais.
O coração evoca, de qualquer modo, as profundezas do ser humano e é o lugar de origem das escolhas de ordem moral e religiosa. Desta forma, a alegoria do tesouro revela a busca do essencial e não do supérfluo e desnecessário. Falar do tesouro é um convite a encontrarmos aquilo que mais aspiramos, o que realmente somos: a origem de nossa identidade.
O principal interesse de Jesus é a identificação das vontades, dos desejos e dos projetos dos seus discípulos a fim de unificá-las com a disposição do coração. Um coração disposto permanece acordado durante a escuridão do dia e manifesta maior disponibilidade no servir durante as noites. Quando o coração está dividido entre o querer e o não-querer, não sabendo qual direção colocar-se, atrai-se para a vida uma série de consequências desnecessárias. A partir desse entendimento, Jesus continua mostrando suas propostas aos discípulos. A proposta evangélica não se refere a um coração que “sente”, mas a um coração que “pensa” no desejo de fluir “moções” e dinamismos autênticos.
A primeira parábola, de ambiente noturno, ressalta a constante disponibilidade para o serviço. Mediante esta parábola, Jesus apresenta a vida como uma vigília de espera ativa. Um patrão vai à uma festa e os empregados não sabem o horário do retorno, poderiam preocupar-se com suas coisas e deitarem-se para dormir, não estando atentos ao retorno do patrão. Porém, a parábola diz que eles estavam esperando o retorno da festa, “para lhe abrirem, imediatamente, a porta, logo que ele chegar e bater”. Permanecer acordado, ficar na espera e atentar o retorno do patrão significa que o coração do empregado está em sintonia com o coração do patrão. Não há duas disposições ou vontades diferentes, ao ponto de atrair o desinteresse, o sono e a indiferença. A consequência das disposições interiores faz com que não haja diferença e distinção entre servo e patrão. Ao contrário, o próprio patrão cingiu-se, prepara e serve a mesa.
A segunda parábola compara a chegada do Senhor como a de um ladrão. Uma comparação singular. Nunca usada no judaísmo, mas apreciada pelos cristãos (cf. 1Ts 5,2; 2Pt 3,10; Ap 3,3; 16,15). É muito atípica a imagem de um Deus que espera o momento inoportuno e menos esperado para chegar. Deseja encontrar o homem surpreso e despreparado. De qualquer maneira, o ensinamento da parábola não é este. Se fosse esse, o Evangelho seria uma ameaça e não uma boa-notícia. O objetivo é mostrar a possibilidade de um Deus que faz surpresas para salvar-nos. Por isso, vigiar é a oportunidade de não perder, mas de acolher as surpresas divinas. A chegada improvisada serve-nos como convite à livre acolhida do Reino de Deus e a uma vida moldada pela Palavra do Senhor. O discípulo é aquele que espera e vigia diante do Senhor.
A terceira parábola é introduzida como resposta a Pedro para sua pergunta: "quem são os que devem manter-se vigilantes?" Todos, sobretudo, aqueles que foram colocados como administradores das comunidades. São administradores e não patrões. Quem administra tem responsabilidade que não diz respeito apenas à sua própria vida, mas também à dos outros. Ainda que de formas diferentes, cada um é chamado a dar o alimento ao outro na hora certa. O administrador fiel é aquele que reconhece a fome e o tempo do outro porque a vida do outro está em jogo. A Palavra do Senhor é muito dura para com quem se aproveita do poder doado por Deus e colocado nas mãos do administrador. A terra não é domínio disponível para o homem centrado em si mesmo e em seu poder. Aquele que não é inteiramente livre dos seus interesses mesquinhos e pessoais, não será um administrador fiel e prudente. Administrar é pensar a relação com as coisas e com os outros, não como posse, mas com respeito, dignidade e cuidado.
Jesus convida os seus discípulos a uma vigilância constante: vigilância do coração, das ações e do serviço. Além disso, Ele indica formas de como viver esta vigilância: “Estejam apertados os vossos cintos e acesas as vossas lâmpadas”.
Os cintos apertados recordam a atitude do peregrino que se prepara para colocar-se a caminho numa atitude de mudança de posição, maturidade do olhar, confronto, diálogo. A vida de fé é um percurso contínuo que leva para etapas novas, indicadas pelo próprio Senhor dia após dia, pois Ele é o Senhor das surpresas e das novidades. As lâmpadas acessas simbolizam a necessidade de vivenciar uma fé autêntica e madura, capaz de iluminar as inúmeras e incontáveis “noites” da vida. É necessário manter as lâmpadas acesas durante a escuridão das noites. A lâmpada da fé deve ser alimentada no encontro com o coração de Jesus através da oração e de sua Palavra.
A vigilância é a chave da felicidade. Por meio dela, tomamos consciência do nosso “tesouro” e aprendemos alinhar nossas vontades com a vontade de Deus. O encontro com Deus perpassa pela vigilância. Quando Jesus diz para “estar pronto” não indica um caminho de medo e de ameaça. Ao contrário, Ele indica o caminho da prontidão e da responsabilidade. A prontidão é a atitude de quem vigia e cuida; de quem resiste à distração e à indiferença a tudo que impede de tomar consciência e agir. Estar pronto é estar disponível para partir, abrindo-se às chamadas inéditas das “curvas” da vida e da escuridão das noites cotidianas.
Senhor, dá a graça de permanecer sempre na espera atenta no desejo de que meu coração esteja em sintonia com o teu coração. Concede-me o dom de atentar-me às inúmeras surpresas e novidades que realizas em minha vida e que me oferecem a salvação. Ensina-me ser administrador e não patrão de minha comunidade, levando em consideração que administro não somente a minha vida, mas a vida de muitos. Torna-me um administrador fiel e prudente capaz de reconhecer a fome e o tempo do outro encontrando a chave da felicidade.
LFCM.
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