A chave e a missão
- Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
- 29 de jun. de 2024
- 4 min de leitura
Na festa litúrgica deste domingo e na vida da Igreja, os dois apóstolos, Pedro e Paulo, não podem estar separados. Um completa o outro. Pedro: a pedra de sustento e não a de tropeço, a chave que abre e não a que fecha. Paulo: o ser missionário que alarga o anúncio de Cristo morto e Ressuscitado revelando que a doutrina cristã é positiva porque tem um futuro salvífico.
Somente o Espírito poderia transformar Simão em Pedro e Saulo em Paulo. Ele tudo muda: nome, profissão, linguagem, cultura e estilo de vida. Toda mudança é necessária para que o Evangelho seja ouvido como Boa-Notícia e para que Jesus seja anunciado como o Filho de Deus.
Nesse sentido, a Igreja celebra duas figuras: Pedro e Paulo. Pedro era um homem que passava seus dias entre as redes da pesca. Paulo era um fariseu culto que vivia ensinando nas sinagogas. A missão de Pedro aconteceu entre os judeus. A missão de Paulo se deu entre os pagãos. Homens diferentes com objetivos semelhantes: viver o Evangelho guiados pelo Espírito Santo.
A simplicidade e a espontaneidade de Pedro, bem como a lucidez intelectual de Paulo, construíram a comunidade eclesial. Desse modo, tudo o que edificaram, pregaram, formaram e construíram foi uma verdadeira sinfonia do Espírito.
Em Pedro, encontramos os diferentes estágios do seguimento: a paixão do encontro, a rapidez da resposta, a alegria do anúncio, o medo da cruz, a negação, o abandono da missão e a clareza do amor. Segundo o Evangelista João, na sua despedida final, Jesus interrogou a Pedro com a sua típica maestria: “Simão, filho de João, tu me amas mais do que estes?”. Jesus foi ao encontro de Pedro que O havia negado. No entanto, ao encontrar Pedro, Jesus perguntou sobre o amor e não sobre a negação. Ele sabia que Pedro negou não porque deixou de amá-Lo, mas porque sentiu-se indigno do tamanho amor que havia sentido. Jesus foi ao encontro da fragilidade do amor com que Pedro o amou. O amor incondicional e gratuito de Cristo é constrangedor. Jesus sabendo de tudo, entendeu que Pedro era uma mistura de amor e de contradição. Por isso, após a negação, ao tomar consciência do seu frágil amor, Pedro diz: “Eu não vou amar-Te com esse amor incondicional para sempre, mas amo-Te como posso amar”. Esse sincero vínculo amoroso foi a fonte para a permanência no discipulado e a força para a missão de apascentar as ovelhas.
Paulo, encontrando-se com Cristo, inaugura em sua vida um caminho radicalmente novo e uma forma de pensar diferente. Quando ele pensa na existência humana, não pode desassociá-la da revelação pascal de Cristo. Seus escritos iluminaram a fé da comunidade primitiva e revelaram as dificuldades dos cristãos recém-convertidos. Ele foi representante de um mundo culturalmente aberto e dinâmico, capaz de interiorizar o Evangelho e de entender toda a missão de Jesus. “Tudo parte de Cristo e sem Ele nada somos”. É por Cristo que somos inseridos na relação e na dinâmica com Deus. Em Cristo temos livre acesso ao amor do Pai. Esse acesso pode fazer com que a existência humana seja nova, dinâmica, plena e qualificada. Somente o amor ultrapassa todo o conhecimento e tudo pode realizar. Assim, é o próprio Espírito de Deus que unindo-se ao nosso espírito, vence nossa debilidade aproximando-nos do Pai e nos ensina a amar como Ele. Fraqueza do homem, força de Deus!
Ao recordamos a força apostólica nascente, o Evangelho nos apresenta uma pergunta fundamental de Jesus: “Quem dizem os homens ser o Filho do Homem?” As diversas opiniões são incompletas. Alguns dizem ser um profeta que retornou, mas Jesus não é simplesmente um profeta de ontem que voltou. Ele é o novo! Numa simples pergunta, Jesus deseja conduzir seus discípulos a uma compreensão real de quem era Ele: “E vós, quem dizeis que eu sou?” O desejo é conduzir os seus discípulos à delicadeza, à transparência e à liberdade interior. É necessário colocar para fora o que se pensava no coração. Esse foi o modo com o qual Jesus encontrou para fecundar um novo estilo de vida e para construir novas histórias. É a qualidade dessa resposta que revela a forma do seguimento, a oferta da vida e a maneira do serviço. Por isso, Jesus não desejou uma resposta teológica, mas uma resposta de adesão, de sincera relação e de identificação com Ele.
Na conclusão do Evangelho, temos uma frase importante e cheia de interpretações equivocadas. Tais versículos foram muitas vezes usados para justificar práticas contrárias ao Evangelho e, por isso, desumanas. Na fé de Pedro, todos os discípulos são convidados a ligar e a desligar. Somos convidados a ser chave que abre, nunca que fecha e impede encontros.
Ligar e desligar não são duas formas opostas de agir, mas são duas maneiras diferentes de fazer a mesma coisa. Às vezes, precisamos de laços que nos salvam e de relações que nos curam. Necessitamos de ser ligados a Deus, ao bem, ao perdão, à reconciliação e ao amor. Outras vezes, precisamos de algo que nos desligue daquilo que nos mantém na escravidão, na escuridão, impedindo-nos de viver plenamente. Precisamos nos desligar dos ódios, das opressões, dos medos, das mágoas, dos rancores...
A missão dos discípulos é sempre a de ligar o mundo ao amor e de desligar o mundo de qualquer situação ou sentimento em que falte o amor. Os discípulos não têm o poder de fazer o bem ou o mal. Essa opção seria contraditória ao Deus revelado por Jesus. Eles têm o poder de fazer o bem de todas as maneiras e das mais variadas formas. Tendo essa atitude, eles revelam a real e autêntica missão da Igreja no mundo de hoje. Portanto, Pedro e Paulo nos ensinam a renunciar uma doutrina desumana, excludente, sem a verdadeira fé em Cristo Ressuscitado, sem razão para existir, sem paixão, vida e amor. A sinfonia do Espírito cantada por Pedro e por Paulo nos permite a descobrir a rocha da fé, o coração apaixonado e a liberdade do Evangelho.
LFCM.
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