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A concretude da vida Ressuscitada

  • Foto do escritor: Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
    Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
  • 14 de mai. de 2022
  • 5 min de leitura

Atualizado: 16 de mai. de 2022

A caminhada da Igreja durante o tempo pascal revela elementos fundamentais da vida e missão do Ressuscitado. Após o anúncio do Bom Pastor, o amor é a síntese da nova Lei, o Espírito é o consolo e Jesus, o verdadeiro intercessor diante do Pai. Essa caminhada ajuda-nos a compreender o Mistério da Páscoa de Jesus e a fazer dela a nossa Páscoa.

O evento pascal inaugura um “tempo novo” abrindo a estrada para que todos tornem-se “homens novos”, construtores de “humanidades novas” através do “mandamento novo”: “como eu vos amei, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros”. Nunca será supérfluo esclarecer e aprofundar a consistência dessa novidade. Nela está a transmissão indispensável para os futuros discípulos: a concretude da vida ressuscitada. Não trata-se da transmissão de “alguma coisa”, mas da revelação concreta de uma “forma de vida”.

No Evangelho de hoje, tirado dos “discursos de despedida”, quando Jesus lavou os pés dos discípulos, revelando-se como Senhor e Mestre, vemos o esplendor da glória revelada. O verbo “glorificar” aparece cinco vezes: “o Filho do homem foi glorificado, e Deus foi glorificado nele. Se Deus foi glorificado nele, também Deus o glorificará em si mesmo, e o glorificará logo”. Uma redunância quase que excessiva e estranha a um contexto de despedida, da traição de Judas e de proximidade com a sentença de morte.

Jesus declara que o processo final da sua glória começa quando Judas saiu para concordar com os Sumos-sacerdotes a entrega e a prisão dele (v.31). O fato mostra-se inédito, escandaloso e incompreensível para os homens: em Jesus que se dirige à paixão e à morte, que se entrega ao seu algoz e é pregado na cruz, manifesta-se a “glória” de Deus. A traição e a entrega nas mãos daqueles que o mataram não foi uma derrota, mas um evento de glória: “chegou a hora de o Filho do homem ser glorificado... Se o grão de trigo que caiu na terra não morre, fica ele só; se, por outro lado, morre, produz muito fruto” (Jo 12, 23-24). Nesse sentido, a “glória” de Cristo foi vista quando Ele revelou ao mundo quão grande é o amor de Deus pelo homem. Naquele momento de extremo abaixamento, naquele instante de abandono, o Filho de Deus mostrou e ofereceu ao mundo a plenitude do amor.


Na glorificação do Filho do Homem está a revelação profunda do amor e do mandamento novo. A despedida de Jesus e o evento histórico da cruz estão unidos através da Última-Ceia. No cenáculo, Ele cumpre de antemão seu morrer no calvário e o transforma num ato profético de autoentrega amorosa. Neste momento “memorável”, Ele deixa seu mais profundo “Testamento”: “Filhinhos, por pouco tempo estou ainda convosco. Eu vos dou um novo mandamento”. No seu ato, coroação da Páscoa Judaica, não está somente um rito a ser cumprido, mas um estilo de vida e um novo modo de existir.


Os judeus eram bem familiarizados com os Dez Mandamentos da Lei de Deus e com outras obrigações e deveres. Todas as Leis deveriam ser observadas nos seus mínimos detalhes. Para vivenciar o amor de Deus, ter boas condições de vida e ser abençoado era preciso observar tudo e seguir todos os mandamentos. É nesse contexto que Jesus parece ter uma proposta diferente. No entanto, como Ele mesmo afirma, a sua proposta não está destinada a abolir as Leis, mas a revelar o sentido real e a correta motivação da observância. O amor e a bênção de Deus não são conquistas pessoais como se fossem prêmios e méritos, mas oferta livre e generosa.

Em qual sentido se trata de um “mandamento novo”? A proposição estava escrita no Antigo Testamento: “ame o seu próximo como a si mesmo” (Lv 19,18). Inclusive, a quantos lhe perguntavam qual fosse o maior mandamento da Lei, o próprio Jesus respondia que o primeiro é amar a Deus com todo o coração e, o segundo, amar o próximo como si mesmo (cf. Mt 22, 38-39). Dessa forma, em comparação com o que é recomendado no Antigo Testamento, trata-se de uma interpretação nova: “como eu vos amei, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros”.

A medida do amor que Jesus propõe não é aquela que usamos para conosco, mas aquela que Ele teve por nós. Foi Ele que nos tornou dignos do seu amor que não conhece limites e nunca acaba. Concedendo-nos o “novo mandamento”, Ele nos pede que amemos uns aos outros não só e não tanto com o nosso amor, mas com o seu, que o Espírito Santo infunde nos nossos corações. Então, o mandamento é novo porque não é espontâneo o homem amar quem não merece ou quem não pode retribuir, não é normal fazer o bem aos inimigos. Além do mais, o amor recomendado não é apenas um imperativo moral, mas, acima de tudo, um dom que flui da fonte da graça divina da Nova Aliança.

O “como” é o aspecto central do Evangelho de hoje. Com o “como”, Jesus nos diz que Ele é o modelo e a fonte do amor. Modelo porque põe diante dos nossos olhos o exemplo de uma vida doada. Fonte porque sempre se renova e nunca acaba. Somos capazes de amar porque fomos amados por Ele: Deus nos ama mais do que nós nos amamos a nós mesmos. Podemos amar porque somos revestidos de um amor transformador. Se não tivermos claro o “como” Jesus nos ama, não saberemos como amar um(a) amigo(a), um(a) esposo(a), um(a) filho(a), um pobre, um trabalho, um fiel e a criação.

Tudo isso é realmente fantástico, sobretudo, porque nos recorda que o amor cristão não é um esforço quase desumano, mas resposta ao amor de Deus. A vida cristã é a experiência surpreendente do amor, que não pode ser guardado em mim, mas deve ser partilhado no serviço, no dom e na acolhida.


Na “hora” derradeira, faltando pouco tempo para o seu êxodo deste mundo ao Pai, Jesus expressa as suas últimas vontades, revela o seu Testamento, dá o Mandamento que resume toda a Lei. Aos seus discípulos revela o essencial: “Amai-vos uns aos outros”. Teria sido bem mais fácil se nessa hora, Ele tivesse dito: “amai-me” pelo que vos fiz e reconhecei-me por ter dado a vida por vocês. No entanto, Ele mostra que é da qualidade do amor que os discípulos serão conhecidos: “nisto todos conhecerão que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns aos outros”.


Não são as curas e os milagres realizados, nem a grandeza das ações caritativas, nem uma inteligente pregação, mas a simples comunhão de amor que um deve nutrir pelo outro em Cristo, servirá de “sinal” distintivo dos cristãos no mundo. Viver o amor como Jesus o viveu significa participar das energias do Ressuscitado, passar da morte à vida, abandonar todas as situações de morte e exclusão, confessando a fé pascal nos encontros inclusivos do cotidiano, fazendo disso a concretude do ser ressuscitado com Cristo.


LFCM.

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