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A cura das relações

  • Foto do escritor: Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
    Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
  • 26 de jun. de 2021
  • 4 min de leitura

Atualizado: 9 de jul. de 2021

Após a tempestade acalmada, os discípulos ficaram com a pergunta feita por Jesus: “não tendes ainda fé?” Então, o evangelista Marcos descreve duas novas manifestações diante da presença de Jesus. São dois encontros que mostram a força e a visão ampliada de Jesus para lidar com as situações ao seu redor.


Hoje, temos duas mulheres que trazem consigo um número em comum: a filha de Jairo tinha 12 anos e a mulher estava doente há 12 anos. Doze anos é o período da plenitude. Essas duas vidas, por distintos motivos, não eram vividas em plenitude. Parece que as histórias podem ser correlacionadas. A menina nasceu quando a mulher começou a ficar doente.

O encontro com a filha de Jairo revela a primeira vez que Jesus se depara com a morte e a dor dos familiares. Posteriormente, Ele se encontra com o filho da viúva e com o amigo Lázaro. Diante da morte, Jesus envolve-se, comove-se e diz: “não temas, tenha fé”. Ao ouvir de Jairo que sua filha está morrendo, Ele imediatamente vai ao encontro. Estando a caminho para lutar com as forças da morte é tocado por uma nova situação: uma mulher com hemorragias.

A situação dessa mulher é dramática. Há 12 anos sofre com essa doença. Ela já havia gasto tudo o que possuía com os médicos. No entanto, sempre piorava. Era uma doença que maculava a mulher na sua intimidade mais profunda, considerando-a uma impura religiosa. Pelo julgamento alheio, a mulher com hemorragia é forçada a não viver. Ela não podia ter contatos sociais e nem religiosos. É uma mulher forçada à solidão. Além do mais, todos os que tivessem contato com ela deveriam ser submetidos a uma série de cerimônias de purificação. Diante dessa situação, a mulher sente o desejo de tocar em qualquer parte de Jesus. Entretanto, encontra dois obstáculos: a multidão e o medo de violar a Lei. Sua necessidade de ser liberta e curada, leva-a a ousar. Com sua ousadia, decide fazer aquilo que não era permitido.


A mulher, sem nome, consegue tocar e é sentida por Jesus. O toque se torna uma experiência de comunicação. O toque é uma invocação e uma oração corporal. Ao tocar, ela é capaz de comunicar o seu desejo. Ela fala com o seu toque e com o seu contato. Em meio da multidão que o toca, Jesus sente um esvaziamento de força porque somente aquela mulher doente toca-o com fé. Após esta comunicação gestual acontece a comunicação oral. A mulher explica o seu desejo a Jesus. Ele se surpreende com a fé dela. Nada de extraordinário: da parte da mulher uma inteligência corporal, da parte de Jesus uma percepção interior.

Neste Evangelho há uma narrativa cristológica. Diante do sofrimento, Jesus surge como Aquele que se deixa guiar pela compaixão, mesmo à custa de quebrar normas rigorosamente codificadas. Jesus rejeita qualquer tipo de separação desejada pela lógica sacral. Ele não é um homem sacro como os sacerdotes. Sendo de linhagem não-sacerdotal e conhecendo as leis da sacralidade, percebe uma incoerência vital nas relações e uma contradição com a caridade.

Logo chega a notícia de que a filha de Jairo havia morrido. “Jesus ouviu a notícia e disse ao chefe da sinagoga: ‘Não tenhas medo. Basta ter fé!’”


Ao entrar na casa de Jairo, Jesus intui que a menina não está morta. A menina, ao tomar consciência das situações de morte em seu seio familiar, renuncia o desejo de viver. Com efeito, Jesus toma consigo o pai e a mãe da menina. Ele cria comunhão e proximidade a fim de curar as relações em torno da menina. Ele entra não apenas em um cômodo interno da casa de Jairo, mas num relacionamento que afetava e destruía a menina. A menina não queria continuar vivendo porque percebeu que o relacionamento dos pais já morrera a tempo. Por conseguinte, ao curar esse relacionamento, a menina recupera a vida. É a comunhão do pai e da mãe que devolve a vida à menina. É a saúde do amor entre os pais que gera novamente a vida da filha. É a comunhão recuperada que desperta a filha que dormia e que havia renunciado à vida.

As duas ações de Jesus se dão pelo toque: Jesus é tocado por uma mulher com hemorragias e Jesus toca o corpo de uma menina sem desejo de vida. Duas ações proibidas pela Lei, mas destacadas como ações de libertação e de caridade. Esses toques não são simples mágicas, mas ações humanas. Ao sentir o esvaziamentode si, Jesus se interessa pela mulher e quer saber o que estava acontecendo. Com a menina, a grandeza de Jesus faz com que se interesse não apenas pela menina, mas pela situação causadora daquela presumida morte. Jesus entende o porquê a menina não quer se levantar renunciando à vida.

Tanto Jairo quanto à mulher doente são confrontados com a própria impotência e fraqueza. Ambos são convidados, diante da dor e da morte, a dar passos decisivos de comunicação e de relação. A mulher necessitou sair do medo de ser exposta. Jairo precisou se comunicar melhor com a mulher e com a filha. Portanto, o Evangelho de hoje deseja penetrar em nós colocando-nos em contato com os nossos medos e curando as nossas relações. Não importa qual seja a nossa dor, externa ou interna. A qualquer momento, Jesus chegará curando-nos do poder das relações doentias e dos sintomas da morte.


Senhor, dá-me a ousadia e a coragem daquela mulher, que rompendo as normas impostas e codificadas por uma espiritualidade distante da tua Palavra, não hesitou ir ao seu encontro para que suas relações fossem curadas. Senhor, dá-me a força de recuperar o desejo pela vida e a fé para romper quaisquer relações não saudáveis próximas a mim que se revelarem com sinais de morte. Ajuda-me a bem viver as relações para não depender das forças mágicas da fé.


LFCM.


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1 Comment


Cida Nery
Cida Nery
Jun 27, 2021

Estimado, Frei! Que maravilhosa homilía deste domingo! A cada uma vamos atualizando nossa fé e nos situando como cristãos de hoje. Duas mulheres, duas doenças, um remédio - Jesus. No meio, meus renascimentos por suas palavras. Deus lhe pague!

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