A delicadeza da amizade
- Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
- 4 de mai. de 2024
- 4 min de leitura
Atualizado: 18 de mai. de 2024
O projeto do Pai somente foi possível porque Jesus permaneceu numa relação amorosa e comunicativa com Ele. Permanecer na relação com Deus é um desafio e não um status, pois somente quem ama, permanece! Desse modo, no discurso de despedida de Jesus, o verbo permanecer está carregado de emoções, sentimentos e aspirações nobres, como: o amor, a amizade e a alegria. Tais sentimentos são horizontes da Páscoa porque dão sentido e plenitude à nossa existência cotidiana.
Os sentimentos pascais sustentam a esperança, reanimam a nossa fé e são sinais dos discípulos de Jesus. Somente o amor é capaz de preencher os espaços vazios e os abismos negativos que o mal e a morte abrem no nosso coração, na mente e na história.
Quando amamos temos a certeza de que nascemos de Deus e O conhecemos. O amor que experimentamos é um sentimento que provém da iniciativa divina. Ele é a Fonte. Por isso, quando amamos nos sentimos ligados à Fonte Vital. Ele enviou Seu Filho Amado ao mundo para que todos tenhamos vida por meio do amor. De tal forma, podemos amar a Deus e os outros porque primeiro fomos amados. O amor é a resposta a um Amor Maior e Incondicional.
O amor a si mesmo e ao próximo é resposta da experiência do amor divino. O amor ao próximo torna-se sacramental do amor de Deus pelo homem e torna-se testemunho do amor humano por Deus. Nesse sentido, o amor cristão não é um sentimento fugaz, mas deve ser caminho de viver atenciosa, generosa e gratuitamente a graça divina.
O Mestre, com poucas palavras, esclareceu, simplificou e facilitou todo o entendimento da Sua vida. Ao facilitar, não a banalizou, mas deu novo sentido e apontou um novo modo de viver. Os mandamentos não são apenas ordens, mas revelação de possibilidades de vida plena, alegre e realizada. Eles são luzes para o caminho. Eles são a verdade que dá sentido à vida humana. A relação com Deus não pode ser resumida no fator externo das observâncias, mas deve ser direcionamento de mudança de vida, pois numa relação saudável com Deus, nossa vida se transforma no desejo da observância. Não é a observância que garante a mim a relação com Deus, mas a relação com Ele que transforma minha vida impulsionando-me a ser diferente.
Os discípulos são chamados a mostrar o caminho da vida dando vida, pois para examinar a totalidade do Amor, Jesus entregou Sua vida para que tenhamos Vida: “Não existe amor maior do que dar a vida pelos amigos”. Esse grão de trigo que morre e dá fruto é símbolo deslumbrante da vida pascal de todo cristão que deve escolher entre uma vida estéril ou uma vida fecunda. Todos somos convidados a entrar no mistério da fecundidade.
A Páscoa e a nossa condição de batizados recordam-nos de que somos filhos da Ressurreição e de que sempre podemos passar da morte à vida. A morte de Jesus é fonte inesgotável de vida nova porque revela a força regeneradora do amor de Deus para com toda a humanidade. A lógica da cruz é a lógica do Amor, pois o Amor nada pode fazer senão dar vida.
Jesus quer deixar impressa na memória de seus discípulos a delicadeza da amizade: “não vos chamo servos, mas amigos”. Amigos do Senhor e não servos de um patrão. O servo vive numa tentativa constante de agradar seu patrão por medo de ser punido não podendo experimentar uma relação livre e gratuita. O servo envolve-se externamente com o projeto do patrão, sendo executor de ordens práticas.
O amigo é um confidente que cultiva a comunhão, o conhecimento, os projetos e os desejos. É, por isso que, desde a antiguidade, a amizade é símbolo de um relacionamento saudável. O amigo é aquele que concede liberdade não medindo capacidade para amar.
Essa dinâmica da amizade nos remete ao significado bíblico do verbo conhecer: “Eu vos chamo amigos, porque vos dei a conhecer tudo o que ouvi de meu Pai”. Esse conhecimento recíproco e livre é o que faz a amizade com Deus não ser posse, obrigação ou anulação daquilo que sou. A reciprocidade e a liberdade fazem a amizade com Deus ser comunhão, respeito e admiração. Assim, o discipulado não é apenas um chamamento para a realização de uma ação, mas é uma amizade plena de dons, de processos, de mistérios e de revelações. A amizade é expansiva e contagiante, pois ela une diferentes histórias e corações.
O amigo é aquele que permanece numa relação por gratuidade. Ser amigo do outro é uma escolha livre: “Não fostes vós que me escolhestes, mas fui eu que vos escolhi”. A amizade não tem como fonte o julgamento ou a troca de favores. Não se trata simplesmente de apenas estar em relação com Jesus, mas de estar e viver como amigos, não como servos. Esta diferença é o próprio Jesus quem indica e é fundamental para tomarmos consciência de como vivemos a relação com Ele e com os amigos de nossa vida. O amigo não permanece por interesse e não foge diante da vulnerabilidade. O verdadeiro amigo não teme contratempos, feridas e retrocessos. Ele nos faz sentir confiança para sermos quem somos e como somos. O amigo é presença viva e atuante do mistério do amor de Deus.
Senhor, ensina-me a delicadeza da amizade cultivando a comunhão e não medindo capacidade para amar. Faz com que minha amizade Contigo seja livre, plena e entusiasmante. Ajuda-me a encontrar, em meu discipulado, amigos com quem eu possa partilhar os conhecimentos, os dons, os projetos e os desejos. Instrua-me a ser presença viva e atuante de Deus na vida de meus amigos.
LFCM.
Ilustração: Romolo Picoli
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