A "fantasia do Espírito"
- Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
- 2 de jul. de 2022
- 4 min de leitura
No mesmo dia, a Igreja celebra duas figuras diferentes: Pedro e Paulo. Pedro era um pescador que passava os seus dias dentro de barcos, entre redes. Paulo era um fariseu culto que vivia ensinando nas sinagogas. A missão de Pedro aconteceu entre os judeus. A missão de Paulo se deu entre os pagãos. A familiaridade entre eles não foi com laços sanguíneos, mas “no Senhor”. Homens diferentes com objetivos comuns: viver o Evangelho guiados pelo Espírito Santo. A simplicidade e a espontaneidade de Pedro, bem como a lucidez intelectual de Paulo, construíram a única Igreja de Cristo.
Depois da ressurreição e da ascensão, Pedro torna-se o ponto de unidade de toda a comunidade nascente. Seus discursos e suas cartas manifestam que lhe havia sido aberta a inteligência das Escrituras. Paulo, homem religioso, vê sua vida transformar-se a partir do encontro com Jesus Ressuscitado, na estrada de Damasco. Seus escritos iluminam a fé da comunidade primitiva e revelam as dificuldades dos cristãos recém-convertidos.
Pedro é chamado por Cristo a tornar-se guardião da fé, ponto de referência para os outros discípulos, garantia da integridade do anúncio que o Senhor havia feito aos apóstolos e ao mundo. Por certo, uma função não muito e nem pouco adequada para um humilde e analfabeto pescador da Galileia. O Senhor não olha aparências e habilidades! Com autenticidade e capacidade de arrepender-se de seus pecados, admitindo seus erros, Pedro torna-se capaz de acolher todos, sem julgar ninguém. Paulo, por outro lado, é digno representante de um mundo culturalmente aberto e dinâmico, capaz de interiorizar o Evangelho e entender toda a missão de Jesus. O Senhor o chama para tornar-se instrumento de evangelização entre os pagãos e construir comunidades fora dos territórios de Israel. A grandeza desses dois apóstolos está na abertura, na acolhida e na sensibilidade para com as diferenças.
Dois discípulos, com diversas sensibilidades, capazes de ouvir a voz do Senhor que fala com sinais da história: no tempo, no espaço e no interior dos corações. Tudo o que edificaram, formaram e construíram foi uma verdadeira "fantasia do Espírito". Somente essa "fantasia" poderia transformar Simão em Pedro e Saulo em Paulo. De fato, o Espírito muda tudo: nome, profissão, linguagem, cultura e estilo de vida. Toda mudança é necessária para que o Evangelho seja ouvido como Boa-Notícia e para que Jesus seja anunciado como o Filho de Deus que transforma vidas, oferece fardos leves e tem coração generoso. A ação do Espírito na vida de Pedro e Paulo revela o poder que o mesmo tem de fazer nova, todas as coisas.
A partir do Evangelho da festa de hoje, vemos que a profissão de fé de Pedro lhe garante o direito do recebimento de dois símbolos: a pedra e a chave. A pedra é sinal da edificação de um novo tempo, fundamentado na autoridade de Jesus. A chave é sinal da abertura ao dom do Espírito e à libertação de doentios vínculos. A chave entregue a Pedro é chave que abre e não fecha. Com isso, a partir de sua autoridade, toda ligação feita na terra acontecerá nos céus. Tudo aquilo que na terra for desatado, também será nos céus. Toda união e os laços tecidos na dimensão terrena e humana serão unidos e tecidos na dimensão celeste e espiritual. Da mesma forma, todo bloqueio e fechamento que for desatado e aberto na terra, também será nos céus. A autoridade e a missão de Pedro é continuamente unir as duas dimensões e evitar toda a tentativa de separação daquilo que Deus uniu com sua vinda ao mundo. O ligar e o desligar não estão em duas esferas dimensionais, mas numa única. Agora, há unidade entre céu e terra. Efetivamente, tudo aquilo que é realizado na terra, também acontece nos céus.
É difícil sintetizar a contribuição de Paulo à sua época, pois ele contribui para forjar quase todos os aspectos do cristianismo, centrando a fé cristã no evento da Cruz e da Ressurreição. Uma morte que deve dar vida e, dada esta revelação, o sentido de um acontecimento universal, levado a todas as nações. O ministério do apóstolo das gentes como obra de reconciliação, realiza-se no anúncio do Evangelho, no testemunho de Cristo e na caridade vivida e testemunhada. Dessa maneira, é impossível pensar a fundação do cristianismo sem Paulo. Os principais aspectos doutrinais, cristológicos e eclesiológicos nasceram a partir do mistério revelado a ele e da sua inspiração. Sua pregação diz que a vida é boa porque ela tem um futuro, não se acaba com a morte, mas finaliza na alegria eterna em Deus. Paulo nos ensina considerar tudo como perda, a fim de vivermos por Cristo, em Cristo e com Cristo.
Ambos foram chamados para construir comunidades. Não apenas para admirar e contemplar, mas para serem imitadores de Cristo e protagonistas do Evangelho. Cada um seguiu Jesus à sua maneira. Simão e Saulo viveram suas vidas confrontando-se asperamente, porém sempre no comum respeito ao Evangelho. Ao primeiro, o fundamento e a edificação das estruturas, ao segundo, o equilíbrio, a razão de ser e o princípio carismático.
Dois homens que, ao fecundaram a Igreja com o próprio sangue, foram capazes de sustentar a fé. Homens enamorados pelo mistério grandioso do amor de Deus. Disponíveis a darem tudo, inclusive, suas vidas. Pedro, antes de ser colocado na cruz, não pensou em si mesmo, mas no seu Senhor e, considerando-se indigno de morrer como Ele, pediu para ser crucificado de cabeça para baixo. Paulo, antes de ser decapitado, pensou em dar a vida e escreveu que queria ser “dado em oferta viva” (2 Tm 4,6).
Na festa litúrgica deste domingo e na vida da Igreja, os dois apóstolos não podem estar separados. Com muitas diferenças, um completa o outro. Pedro: chamado a ser pedra de sustento e não de tropeço, chave que abre e não que fecha. Paulo: chamado a ser missionário que alarga o anúncio de Cristo morto e Ressuscitado, revelando que a doutrina cristã é positiva porque tem um futuro salvífico em Deus. Portanto, esta liturgia nos faz voltar nossos olhos à vocação de Pedro e à missão de Paulo a fim de entender a missão da Igreja no mundo de hoje. Caso contrário, propagaremos uma Igreja com doutrina desumana, excludente, sem autêntica fé em Jesus Cristo Ressuscitado, não tendo fundamento e nem razão para existir.
LFCM.
Obrigada Frei admiro muito esses exemplos de fé deixadas por São Pedro e São Paulo. Paz e Bem.