A força do Ressuscitado
- Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
- 15 de mai. de 2021
- 3 min de leitura
A vida da Igreja acontece entre os quarenta dias antes da Páscoa e os quarenta dias depois da Páscoa. Experimentamos passagens, vivenciamos imagens e acolhemos novas realidades. Neste itinerário quaresmal-pascal convertemos a nossa forma de ver o mistério de Deus e escolhemos o caminho para permanecer nesse mistério em que fomos desestabilizados por míopes compreensões, da mesma maneira que os discípulos foram desestabilizados no encontro com o Ressuscitado.
A liturgia nos convida celebrar a solenidade da Ascensão do Senhor próximos da conclusão deste itinerário pascal. Esta solenidade acontece quarenta dias após a Páscoa. É uma solenidade com muitos significados. Na encarnação, Deus desce para assumir a carne humana. Na ascensão, Ele sobe para fazer com que a carne humana habite em Deus eternamente.
Deste modo, a Ascensão de Cristo nos convida à memória do destino final: nossa participação definitiva na natureza de Deus. Ele subiu aos céus não para se afastar da nossa humildade, mas para dar-nos a certeza de que nos conduzirá à glória da imortalidade. A subida de Jesus aos céus marca a conexão definitiva com a terra.
A narrativa da Ascensão, depois dos inúmeros encontros dos discípulos com o Ressuscitado, parece revelar a conclusão de um itinerário. No entanto, a Ascensão não revela uma conclusão, mas o começo de uma possibilidade. A Ascensão é a dilatação da presença e da força de Cristo. Jesus precisava se livrar do tempo e do espaço para estar definitivamente presente em todos os cantos do mundo. A Ascensão possibilita todo ser humano de dizer: encontrei o Ressuscitado!
Cristo sobe ao céu depois de dizer uma palavra aos discípulos. Seu distanciamento não é silencioso. É acompanhado por palavras. São palavras dirigidas aos Onze que resumem todas as ações realizadas por Jesus em vida. Essas palavras são herança e memória deixadas aos discípulos.
Os discípulos são reprovados ao ficarem olhando para o céu. Agora, eles tinham que encontrar outra forma da presença no ir, no anunciar, no batizar e no ensinar. Há poucas semanas, essas ações não eram vistas, pois estavam trancados por medo e culpa. Sentiam-se desiludidos e desesperançosos desejando retornar à vida antiga.
As aparições e a pedagogia do Ressuscitado foram curando-os a fim de que eles pudessem recomeçar e educando-os para que tivessem a coragem de sair. Isso não foi fácil. Jesus, em quarenta dias de encontros, deu-lhes tempo necessário para que assimilassem a grandeza do mistério.
O evangelista Marcos resume os traços da missão dos discípulos nos sinais vistos que validam constantemente o anúncio do Evangelho. A partir deste momento, o Ressuscitado não se revela nas suas chagas e nem nos seus encontros pedagógicos plenos de afeto e de compreensão. Agora a força do Ressuscitado deve ser vista no anúncio do Evangelho e nas ações que acontecem através dos discípulos.
Dessa maneira, eles recebem o poder de expulsar os demônios, de falar novas línguas, de tocarem em serpentes e de curar os doentes. Esses sinais são a maneira como o Senhor confirma a ação da sua Palavra no mundo. No entanto, são sinais que devem ser lidos e interpretados à luz do simbolismo bíblico.
É preciso entender que o demônio não é apenas uma realidade espiritual, mas uma realidade revelada na busca pelo poder, pela destruição da imagem do outro, pela discriminação, pela agressividade, pelo egoísmo e por toda objeção ao serviço do amor. Os demônios são encontrados em tudo aquilo que divide o homem de Deus. Em outras palavras, os demônios representam todas as forças de morte, encontradas no homem e que o induzem a fazer escolhas opostas às do Evangelho.
Os discípulos também recebem o poder de falar novas línguas. Esse poder simboliza a possibilidade de encontrar novas formas linguísticas para falar a boa-notícia nos diversos tempos. Uma linguagem de solidariedade, de afeto, de amor, de partilha, de perdão, de misericórdia, de respeito pela diversidade e de lógica evangélica.
Enfim, os discípulos podem pegar em serpentes, ou seja, devem saber manusear todas as tentativas de sedução a que estão sujeitos e recebem o poder de exercer o ministério da consolação. Eles podem curar os doentes, libertando-os de toda limitação física e de toda opressão interior. O Ressuscitado dá aos discípulos a força de recuperar em todos à dignidade humana.
A festa da Ascensão por um lado corrige o nosso modo de olhar para os céus vendo Jesus glorificado e sentado à direita de Deus. Por outro, nos lembra o início da missão da Igreja. Portanto, a solenidade da Ascensão nos ensina que o olhar para os céus não pode ser um olhar passivo, mas um olhar pleno de compromisso para a recriação da humanidade na tentativa de expulsar todas as formas de morte e de opressão.
LFCM.
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