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A humana paixão

Foto do escritor: Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv. Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.

Próximos da conclusão do tempo quaresmal, entramos numa semana plena de movimentos, sensibilidades, emoções e declarações. A dinâmica litúrgica entrelaça dois sentimentos: a alegria ao ver o Senhor entrar em Jerusalém e a piedade ao ver o Senhor morrer por amor. Tudo está em torno das celebrações centrais da vida cristã: Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus Cristo.

A Semana é Santa porque é cheia de autenticidade. Maria Madalena declara a sua paixão. Os discípulos sentem tristeza e ficam desorientados. Judas decide pela traição. Jesus se oferta por amor. É nessa semana que todos os que viviam em torno de Jesus revelam suas humanidades.

Segundo os relatos evangélicos, Jesus desconcerta todos quando sobe em direção a Jerusalém. Os mais religiosos, os observantes da religião, os fariseus, os escribas, os sacerdotes, os anciãos e o povo, todos de algum modo foram tocados pela compaixão e pela paixão de Cristo. Ele construiu um movimento ousado de resgate do humano e da integração da vida, por isso foi capaz de questionar os abusadores da religião e os que desprezavam a vida. Vê-se claramente em toda a narração evangélica que, para alguns, a alegria suscitada por Jesus é motivo de fastídio e irritação. A alegria é incômoda, absurda e escandalosa para aqueles que se consideram justos e “fiéis” à lei e aos preceitos rituais.

Dessa forma, ao entrar em Jerusalém, Jesus evocou um novo tempo e revelou um Templo novo. Na grande cidade, Ele entrou montado num jumentinho, sinal da humildade e da simplicidade, para manifestar os verdadeiros sinais de sua messianidade. Deus humilha-Se para caminhar com o seu povo suportando suas infidelidades.

Os relatos da Paixão e da Morte de Jesus constituem o ápice dos Evangelhos. Todos os evangelistas narram a Paixão e a Morte de Jesus sob diferentes óticas e perspectivas. Alguns, bem mais detalhados. Outros, mais sucintos. Os detalhes de cada narrativa estão relacionados ao contexto vivido por cada comunidade e alicerçados naquilo que acreditavam ser necessário para transmitir a mensagem desejada. Lendo a perspectiva de Marcos, encontramos um Jesus simples, não combatente, entregue de modo livre e consciente. Esta narrativa é a mais antiga e dramática. Na hora derradeira, o Cristo foi humilhado, traído, abandonado, sofreu injustiças e experimentou a solidão.


Em Marcos, o fato principal é a solidão de Jesus. Em torno da Paixão, os outros evangelistas construíram uma série de manifestações e de personagens. Jesus foi traído pela multidão que desapareceu e preferiu Barrabás. O Cristo foi negado por Pedro; ridicularizado, espancado e humilhado pelos soldados; insultado pelos líderes do povo e pelos sacerdotes e pelos que passavam por Ele. Acompanhado por Sua mãe, pelo Discípulo Amado, por algumas discípulas e pelo Bom Ladrão. Diferente dos demais evangelistas, em Marcos, não encontramos ninguém. Tudo era escuridão, trevas e solidão.

A dureza e o escândalo da cruz foi um mistério assustador e um gesto excessivo que parecia ser sem sentido. No início do Evangelho, os discípulos abandonaram tudo e seguiram Jesus. Agora, na hora de Sua Paixão, todos abandonaram e fugiram Dele.

O Evangelho deste domingo apresenta de várias maneiras a condição humana de Jesus e sua humana paixão. Marcos quer mostrar um Jesus homem e não “super-homem”. De tal maneira, insiste na solidão e nas reações humanas do Cristo diante da morte. Os outros evangelistas não apresentaram um Jesus medroso e silencioso na Paixão. No entanto, no Horto das Oliveiras, o evangelista escreve que Jesus sentia grande medo e angústia (Mc 14,33). Além disso, sendo frágil e não conseguindo carregar a cruz sozinho, é ajudado por um certo Cireneu. Diante do Sinédrio, apenas confirma a pergunta: “Eu sou!” Diante de Pilatos, faz o mesmo: “és tu o rei dos Judeus? Tu o dizes!” Nada mais disse, justificou ou defendeu. Apenas silenciou e assumiu com liberdade o Projeto do Pai.


Jesus Cristo assumindo a condição humana, tornou-se igual aos homens e revelou toda a beleza de Deus. Ao assumir essa condição com Sua Morte na cruz, Ele eliminou, de forma definitiva, todo impedimento da relação entre Deus e os homens. Ele harmonizou e reconciliou com seu corpo oferecido e com seu sangue derramado o humano e o divino.

A cortina rasgada revelava o fim de uma religião que oferecia algo a Deus a fim de alcançar perdão e o início de um novo tempo em que é Deus quem se oferece aos homens. O véu do Templo se tornou sinal de que a cruz aboliu toda a distância entre Deus e os homens.

O lado transpassado de Jesus é a “porta” pela qual devemos entrar para a vida nova e para a partilha de um futuro diferente. O coração de Cristo vibra amor e paixão pela humanidade redimida e integrada. “Realmente este homem era o Filho de Deus!” (Mc 15,39). Portanto, nosso melhor antídoto é olhar a cruz de Cristo deixando-nos interpelar por seu último grito. Cristo morreu, gritando seu amor por cada um de nós. No momento da morte, Ele revelou que sua fragilidade é amar e que sua força é realizar o projeto do Pai. Na cruz de Cristo fomos salvos para que ninguém apague a “humanidade” do Evangelho. Na cruz de Cristo fomos salvos para que ninguém permaneça longe do olhar misericordioso e apaixonado do Pai.

 

 

Senhor, em meus medos e em minhas angústias, ensina-me a silenciar e a assumir, com liberdade, o projeto de Deus. Quando a solidão, as trevas e a escuridão se aproximarem de mim, dá-me a graça da Tua Presença a fim de iluminar minha caminhada. Reconcilia em minha história o humano e o divino que habitam em mim fazendo-me sentir Teu amor e Tua paixão capazes de me redimir e me reintegrar.


LFCM.

1 comentário

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1 Comment


Marcia Severo
Marcia Severo
Mar 24, 2024

Bom Dia Frei muito lindo esse testo. Gratidão por me enviar. Reze por mim, por favor. Quero viver uma semana Santa Santa mesmo. Paz e Bem.

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