A humanidade dos Ressuscitados
- Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
- 21 de mai. de 2022
- 4 min de leitura
Os “discursos de despedida” de Jesus, narrados em alguns domingos do Tempo Pascal, devem ser lidos à luz da Ressurreição. Em suas últimas palavras, Ele dirige-se à sua comunidade, orientando-a como continuar o projeto do amor de Deus. Na hora derradeira, pouco antes de seu êxodo deste mundo ao Pai, Jesus expressa suas últimas vontades, revelando seu Testamento e resumindo toda Lei com o Mandamento do Amor. Enquanto se aproxima o momento da Cruz, Jesus garante aos Apóstolos que não permanecerão sozinhos: com eles estará o Espírito Santo, o Paráclito, que os apoiará na missão de levar o Evangelho ao mundo inteiro.
O interesse litúrgico ao trazer os discursos de despedida é ensinar-nos como vivenciar o mistério da Ascensão do Senhor. Fisicamente, os discípulos não mais poderão estar com o Senhor. Será necessário que eles aprendam através da ausência física, encontrar possibilidades de novamente ver o Senhor. Não mais no cenáculo externo, Ele poderá ser encontrado, mas no cenáculo interior do coração. No entanto, para continuar sentindo-O será necessário assumir a desafiante responsabilidade: “se alguém me ama, guardará a minha palavra”.
Jesus explicita que quem O ama, permanecerá fiel à sua Palavra, sobretudo, na fidelidade ao Mandamento Novo: “amai-vos uns aos outros como eu vos amei”. O amor é a dinâmica que Deus usa para revelar sua habitação no interior do homem. Se faltar o amor, não haverá reconhecimento dessa presença na “ausência”. De fato, antes de subir para junto do Pai, Jesus revela que será pelo Amor que seus discípulos serão conhecidos: “nisto todos conhecerão que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns aos outros”. Sua manifestação, juntamente com o Pai, não se dá através de prodígios, mas habitando e expandindo o interior de seus discípulos.
No Antigo Testamento, a ação de Deus no meio do seu povo era obra de libertação. Libertar o homem da escravidão, do pecado, da doença, da superstição e dos pensamentos medíocres era o grande “trabalho” que Deus fazia em favor do seu povo. Na sua despedida, Jesus declara que seu trabalho e o trabalho do Pai é o mesmo: “a palavra que escutais não é minha, mas do Pai que me enviou”. Se Jesus realiza as mesmas ações do Pai, significa que Deus está Nele e Ele está em Deus. Dessa forma, os discípulos são chamados a serem continuadores da mesma missão de libertação. Vivenciando a plenitude do amor são convidados a libertar o homem através da habitação e expansão do amor.
Durante sua vida terrena, Jesus transmitiu tudo o que desejou confiar aos discípulos, levando o cumprimento da Revelação Divina tudo o que o Pai disse à humanidade com a Encarnação do seu Filho. Os discípulos não haviam entendido a Revelação, a plenitude do amor e os ensinamentos vividos por Ele. Consciente da incompletude dos discípulos, Jesus deixa sua comunidade e promete continuar seu projeto por meio da ação Daquele que ensina e recorda. Jesus sobe ao Pai. O Espírito Santo, seu “companheiro inseparável”, desce como um Paráclito para defender, consolar, ensinar e recordar os discípulos. A missão do Espírito Santo de Deus é recordar, isto é, fazer praticar plenamente os ensinamentos de Jesus.
O Espírito fará recordar os ensinamentos de Jesus nas diversas circunstâncias da vida a fim de colocá-los em prática. Conforme seu ensinamento, Jesus assegura aos seus discípulos que sempre encontrarão respostas às suas perguntas se souberem ouvir a sua Palavra sintonizados aos impulsos interiores do Espírito. Entretanto, terão de ter coragem para seguir suas orientações porque, muitas vezes, o Espírito solicitará inesperadas e radicais mudanças. Todo ensinamento não estará além do Evangelho. Apenas sua instrução será dinâmica, impulsionada pelo interior, induzindo de forma irresistível para a direção certa, estimulando o bem, levando fazer escolhas de acordo com o Evangelho: “não se perturbe nem se intimide o vosso coração”.
Todo ensinamento e impulso do Espírito terá a paz interior como consequência: “deixo-vos a paz, a minha paz vos dou; mas não a dou como o mundo”. Uma profunda paz, inabalável por sentir-se amado por Deus. O Ressuscitado deixa a paz do coração. A paz que acontece quando, entre os homens, se estabelecem relações novas, e a vontade de competir, dominar, de ser o primeiro, dá lugar ao serviço e ao amor. Essa paz, mesmo diante das situações dramáticas, nos permite continuar serenos, firmes e confiantes porque temos a certeza de que somos consolados pelo Santo Espírito do Senhor.
Não estamos sozinhos: Ele está no meio de nós! A sua nova presença na história encontra-se no dom do Espírito Santo, por meio do qual é possível instaurar uma relação viva com Ele, crucificado e Ressuscitado. Jesus e o Pai vivem em nós, pois depois que escutamos a palavra do Evangelho, recebemos a vida de Deus e o seu Espírito. Com isso, somos convocados a fazer as mesmas obras de Jesus e do Pai, tornando-nos, homens libertos. Por isso, todas as vezes que libertamos alguém de qualquer opressão, sabemos que o Pai e Jesus nos habitam.
Somos presença do amor de Deus neste mundo, quando nossas atitudes são às mesmas de Deus: bondade, compaixão, disponibilidade e serviço. Nisso consiste a humanidade dos homens Ressuscitados. O concreto da vida ressuscitada não se trata de uma ideia, mas de uma “forma de viver”. Neste sentido, a Ressurreição não significa apenas o fato complexo de um morto retornar à vida, mas revela um evento que acontece na vida dos vivos. Não é uma simples aceitação mental e racional, mas uma ação concreta e real.
Portanto, todo o processo de ensinamento, recordação e educação interior trata-se da acolhida da presença do Senhor a fim de se tornar Sua morada: “Se alguém me ama, guardará a minha palavra, e o meu Pai o amará, e nós viremos e faremos nele a nossa morada”. Dessa forma, sem uma autêntica relação pessoal com o Senhor e uma vida espiritual real, tudo corre o risco de ser um teatro político e mundano. Sem a ação interior do Espírito, o nosso seguimento torna-se uma simples militância com pouca comunhão e com um compromisso religioso-social de manutenção da moral pagã. Por isso, na sua despedida, Jesus reafirma a verdade que faz do homem um discípulo: amar ao Senhor, escutar a sua Palavra e viver animado pelo Espírito.
Senhor, educa-me, dia após dia, à lógica do Evangelho e à lógica do amor acolhedor, ensinando-me todas as coisas e recordando-me toda a tua profundidade. Quero viver a plenitude do amor para ensiná-lo de forma nova, expandida e compromissada. Dai-me sensibilidade interior para ouvir os impulsos do Espírito Santo com o intuito de procurar direções dinâmicas e de oferecer serviço libertador.
LFCM.
Muito bom seus textos acompanho todos e divido com meus irmãos de comunidade.. acrescentam muito na linha espiritual.. parabéns pelas reflexões que Deus te abençoe meu irmão! Juiz de Fora- MG
Gratidão por essas palavras. Muito tenho q crescer para viver o santo Evangelho …“ uma ação concreta e real. “Q o Senhor e a Boa Mãe lhe abençoem muito. 🙏🏻🙏🏿🙏🏽