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A impressionante reação do Pai

Foto do escritor: Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv. Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.

A condenação de Jesus à morte na cruz foi consequência Dele apresentar um Deus diferente. A ideia tradicional do Criador, relacionava-O com pecado e condenação professando a fé num Ser que possuía dois interesses: vigiar e punir. Na mentalidade do tempo, supunha-se que todos os acontecimentos fossem castigos que Deus enviava aos culpados e àqueles que não observavam as suas ordens e mandamentos.


O evangelista Lucas escreveu sobre o modo como Jesus descontruiu a imagem equivocada de Deus. As histórias e os textos foram endereçados não apenas para que os pecadores se arrependessem, mas para que os fariseus e mestres da lei mudassem a ideia e a imagem que tinham de Deus. Com esse intuito, escreveu três parábolas de "alguém" que estava à procura de "alguma" coisa: uma mulher procurava uma moeda, um pastor procurava uma ovelha e um pai procurava dois filhos.

Quando Jesus fala da mulher que procura a moeda, do pastor que procura a ovelha perdida e do pai que sai ao encontro dos filhos, Ele deseja explicar o verdadeiro sentido da sua missão. No entanto, a insistência “moralista” e centralizada no pecado interpreta as três parábolas de modo unilateral, romantizando-as e tornando-as banais e repetitivas.

Partindo do sentimento dos dois filhos, Jesus construiu uma parábola que revelava a ideia de um pai diferente que procurava por dois filhos perdidos e pródigos. O filho mais novo tinha decidido se perder. O mais velho já estava perdido e não havia percebido. Os dois mantinham uma péssima relação paterna: o primogênito vivia como empregado; o mais novo não queria mais ser filho e, mesmo o pai não tendo morrido, decidiu pedir sua herança.


Diante do pedido do filho mais novo, a reação do Pai foi impressionante mostrando-se mudo e sem nenhuma iniciativa: um pai que não impunha a lei, nem reconhecimento paterno. Também, não reivindicou, repreendeu ou interrogou, mas respeitando a liberdade de seu filho, foi capaz de romper com a tradição, negando sua autoridade, dividindo a herança e permitindo a partida do seu herdeiro: “desistiu da vida para deixar seu filho viver”. O silêncio do pai não era sinal de fraqueza, mas de força para consigo mesmo e com seus dois filhos. Ele aceitou e entendeu que o melhor caminho para salvar a vida de um deles era permitindo que seu filho gastasse tudo buscando uma afetividade descontrolada e sem limites. Sua sabedoria, permitiu que o filho mais novo se perdesse, para então, encontrar-se.


O herdeiro, tendo seus “direitos” em mãos e sem perder tempo, deixou a casa, a vida paterna, procurou inúmeros afetos, desperdiçou todos os seus bens e perdeu sua dignidade. “Caindo-se em si” recordou da fartura e da casa do pai. Então, decidiu voltar para ser empregado, não mais filho. Esse retorno nos permite entender que o regresso à casa não foi movido pelo amor incondicional de seu pai, mas pelo estômago vazio e pelo reconhecimento do seu fracasso.


Se na partida do filho não havido tido nenhuma iniciativa do Pai, em seu retorno, podemos encontrar cinco atitudes fortíssimas: o filho “estava ainda longe, quando seu pai viu-o, encheu-se de compaixão, correu e lançou-se-lhe ao pescoço, cobrindo-o de beijos”. Na ação de "ver” está a esperança e a certeza de que o filho voltaria a qualquer momento. O “encher-se de compaixão” revela o transbordamento da justa medida e justifica a não condenação/punição pelo bem perdido. O “correr ao encontro” aponta a manifestação do interesse e do encorajamento do pai pela decisão do retorno do filho: não interessava ao pai a formalidade da espera e, por isso, corre a fim de encurtar a distância que o separava do seu filho. O “lançar-se ao pescoço” demonstra a grandeza do pai e não o aproveitamento da fragilidade do filho. O “cobrir-lhe de beijos” transparece a intimidade para com o filho e o desejo de dar-lhe um novo suspiro de vida. Para o evangelista Lucas, todas essas reações acenavam para a nova forma de ver e entender Deus.


Embora retornando à casa paterna e analisando a sua consciência, o filho reconhece não ter dispensado nenhum amor filial ao seu pai e tenta confessar-lhe os pecados. Entretanto, o pai sem interesse em apenas no retorno de seu filho, não permite a conclusão da confissão e a realização dos gestos penitenciais. O pai abraça-o profundamente e lhe concede, não apenas seu perdão, mas uma verdadeira ressurreição: a passagem da morte à vida plena. A recriação da nova vida é revelada por gestos concretos: a melhor veste para restituir a dignidade; o anel no dedo para dar-lhe realeza e poder; a sandália nos pés a fim de restabelecer a condição de filho e não de empregado, pois embora o filho desejoso de continuar empregado, o pai não permite tal condição. O ápice do reencontro com a vida restituída do filho é a realização da festa: “trazei o novilho cevado e matai-o; comamos e festejemos, pois, este meu filho estava morto e tornou a viver, estava perdido e foi reencontrado”.


Uma nova forma de reconciliação é construída para com o primogênito que havia ficado em casa. O pai sabia que também aquele filho vivia longe de seu lar. Prova disso foi o questionamento que um dos herdeiros fez a um dos empregados acerca da festa que estava acontecendo. Há muito tempo não havia relação estabelecida entre pai e filho. Não tendo nenhuma mágoa ou rancor, o pai vai ao encontro do filho suplicando-lhe que participasse da festa. Esse encontro revela objetivos e linguagem contrapostas, enquanto o pai falava de festa, de reencontro, de liberdade e de compaixão, o filho mais velho persistia em pensar em patrimônios, leis, regras, castigos e em seus direitos de empregado.


A lógica do amor incondicional do pai não podia ser experimentada pelo filho mais velho pois não sabia viver relacionamentos e possuía uma raiva destrutiva: "não o meu irmão, mas o teu filho". Para ele, a reação do pai para com o filho que retornava era exagerada e injusta. Isso o fazia rejeitar, reclamar e acusar. Em seu coração havia rancor, dureza, fechamento e mesquinharia.

O filho primogênito nunca havia vivido uma relação paterna, mas obedecia a um patrão: “há tantos anos que te sirvo, e jamais transgredi um só dos teus mandamentos”.

Um detalhe interessante e que nos inquieta é maneira como Lucas finda a narrativa. Não há uma exata conclusão. Não sabemos se o filho primogênito participou da festa e nem mesmo se o filho mais novo participava da festa. Talvez, a reação gratuita e incondicional do pai tenha feito ele desistir de permanecer. Dentre as possibilidades que a narrativa nos permite inferir, habitam dentro de cada um de nós, tanto o filho mais novo como o primogênito. O “filho mais novo” é nossa natureza egocêntrica e narcisista que nos domina enquanto não descobrimos o que realmente somos e queremos. Assim, não é difícil reconhecer-nos no filho mais novo identificando-nos com sua natureza “pródiga”. O "filho mais velho" é o mais difícil de aceitar em nós com sua natureza mesquinha, egoísma e gananciosa. Ele também nos habita não possibilitando nossa conversão sobre a verdadeira imagem de Deus. O primogênito que habita em nós tenta diariamente nos enquadrar em atitudes moralistas e legalistas dificultando-nos entender o perdão para com os “pródigos”. Dessa maneira, esse segundo tipo de filho que existe em nosso interior tenta-nos permanecer na queixa que envenena, no julgamento que mata e na não aceitação de que o projeto de amor incondicional de Deus é para todos sem distinção.


Senhor, quanta delicadeza ao narrar uma história para apresentar-me a imagem de um Deus diferente, que ama incondicionalmente. Reconheço nas ações do pai da parábola, as tuas ações na minha história. Tudo isso para que eu transforme a imagem supersticiosa de um Deus vingativo na imagem misericordiosa do Deus generoso e cheio de amor. Livra-me da dureza, do fechamento e da ganância de não querer aceitar o teu perdão para com os filhos “pródigos” da minha vida. Ajuda-me a compreender que o teu projeto de amor incondicional é para todos.

LFCM.

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1 Comment


Marcia Severo
Marcia Severo
Mar 27, 2022

Frei obrigada por me enviar esse texto cheio de reflexões esclarecedoras. Li e relê várias vezes e sei q lerei mais, muitas coisas para ficarem em minha mente e no meu coração. Paz e Bem

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