A integração humana
- Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
- 31 de ago. de 2024
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A religião judaica julgava a sociedade a partir de dois conceitos: puro e impuro. Tudo aquilo proveniente dos pagãos e tinha contato com os ídolos era considerado impuro e exigia rigorosas purificações. A principal função dos rabinos era emitir disposições meticulosas. A obrigação dos mestres da Lei era observar qualquer mínimo ato de negligência. Eles analisavam o grau de impureza e indicavam a purificação adequada.
Numa existência marcada pelo rigorismo religioso e num ambiente cheio de legalismo, tanto os rabinos quanto os mestres da Lei exerciam pressões sociais sobre o povo. Ignorar essas normas era imperdoável, pois toda e qualquer impureza se traduzia em fonte de maldição porque tocavam a Deus e às tradições sagradas.
O Evangelista Marcos, de forma clara e direta, apresentou o conflito de Jesus com essa sociedade piedosa do seu tempo. A narrativa de hoje inicia com a acusação de que os discípulos de Jesus não seguiam as tradições judaicas. A pretensão dos fariseus e dos mestres da Lei era prejudicar a credibilidade e a autoridade de Jesus diante do povo e dos seus discípulos. No entanto, Jesus denunciou o sistema hipócrita que, na prática, não tinha a centralidade em Deus, mas nos interesses pessoais e perversos da religião: “Vós abandonais o mandamento de Deus para seguir a tradição dos homens”. O sistema era totalmente estruturado, trazia morte e exercia a injustiça em nome de Deus. Os conhecedores religiosos cobriam o rosto de piedade e de docilidade, mas eram perversos. Eles viviam somente da aparência, da hipocrisia e da manipulação.
Diante desse contexto, Jesus estabeleceu critérios para discernir as ações puras e impuras. A contaminação do homem não provinha das coisas externas, mas do coração. As maldades que saíam de dentro eram as que tornavam o homem impuro diante de Deus.
Jesus revolucionou a doentia concepção religiosa: não são as coisas externas que contaminam, mas o coração fechado ao próximo e a Deus. Uma consideração sobre as más ações não poderia surgir da desconformidade com uma norma, mas da tentativa de desqualificar o outro. De fato, os fariseus e os mestres da Lei possuíam no coração a intenção de desautorizar a presença de Jesus diante da multidão.
Jesus enfatizou que a fonte das impurezas não são os alimentos que entram no homem, mas os pensamentos e ações que fluem do coração. Ele não pôs a origem da maldade humana em nenhum espírito externo e nem em demônio divisor. Dessa forma, Ele relacionou que as ações externas resultam do caos interior. A violência exterior e as ações ignorantes saem de dentro do ser humano.
A impureza está nas intenções e na ausência da liberdade interior. Aquele que possuiu o coração purificado torna-se incapaz de pensar e de realizar más ações. Assim, o puro de coração vive à procura do bem, da compreensão do outro e do entendimento da verdade.
O Mestre Jesus vivenciou vários conflitos com os religiosos por ensinar que devemos ter o cuidado com o que pensamos, pois é de dentro que surgem todas as ações impuras tornadas ações más. Tendo o Seu coração unificado com a razão, o Cristo viveu o que ensinava e integrou o interior com o exterior. Ele deixou de lado toda forma de condenação e de violência.
Com efeito, toda a maldade humana pode ser explicada a partir da falta da integração do coração com a razão, ou seja, da desintegração do interior com o exterior. Por isso, é necessário integrar o que sentimos com o que fazemos. Ao controlarmos nossos sentimentos e nossos pensamentos somos capazes de vivermos as ações e os comportamentos integrados e ensinados por Jesus.
Cuidar da nossa interioridade é um caminho árduo, exigente, mas necessário. O rigorismo continua sendo uma tentação poderosa de controle religioso e de aliciamento virtual. Impondo fardos pesados e desumanas penitências, impedimos a leveza e a liberdade na relação com Deus. É como se proibíssemos a experiência com Seu amor incondicional. Quando vivenciamos ritos estéreis e normas inúteis apenas alimentamos o medo patológico e a culpa doentia e nos tornamos como os mestres da Lei nos afastando do Evangelho. Também, encontramos mais razões levíticas para praticar do que ações evangélicas para viver. O ensinamento consiste: passar da hipocrisia à liberdade! É preciso sentirmos compaixão, vivermos o amor, despertarmos à plenitude e doarmos nossa vida, pois todo aquele que prejudica o irmão vive fora dos átrios do Senhor. A autenticidade da fé e a coerência da vida estão no amor praticado e na vida doada.
Senhor, cura os meus sentimentos e liberta as minhas emoções. Educa-me a oferecer a tua leveza e a revelar a incondicionalidade do teu amor. Livra-me do rigorismo que adoece. Ilumina-me para que eu seja menos farisaico e mais do Evangelho. Integra-me para que eu sinta compaixão, viva o amor e doe minha vida fazendo do meu interior a Tua casa.
LFCM.
Bom Dia Frei só hoje pude ler esse texto maravilhoso, q me mostrou o qto devo estar mais perto do Senhor, através de estudos cristãos. Gratidão. Paz e Bem.