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A linguagem do Espírito

  • Foto do escritor: Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
    Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
  • 4 de jun. de 2022
  • 5 min de leitura

A Igreja prolonga por sete semanas, inspirada na tradição judaica, a festa da Páscoa. Os cinquenta dias transcorridos entre a Páscoa e o Pentecostes são dias do Espírito. Pentecostes significou, desde cedo, um período de cinquenta dias e não uma festa particular dedicada ao Espírito Santo. O Espírito Santo, dom do Cristo Ressuscitado, é o dom pascal por excelência e a plenitude da Páscoa.

Com isso, o tempo pascal possui um duplo aspecto: por um lado, a “experiência” do dom pascal gratuito por excelência, a graça encarnada, vivida e transfigurada; por outro, a “recepção” do dom pascal, o trabalho eclesial, a tradução do dom em tarefa, em testemunho e em forma de vida.

O Espírito que ressuscitou Jesus, curou o coração dos discípulos e iniciou a comunidade primitiva é o Instaurador do novo tempo. Dessa forma, Pentecostes não é apenas o último dia do tempo pascal, mas a totalidade dos cinquenta dias. É a superação das sete semanas porque dá início ao tempo novo, a transformação da Igreja e a recriação da humanidade: “Enviai o vosso Espírito, Senhor, e da terra toda a face renovai”.


Os quarenta dias transcorridos entre a Ressurreição e a Ascensão de Jesus aos céus fizeram com os discípulos compreendessem o início da missão deles e sintetizassem a missão de Jesus de Nazaré. Eles deviam dar continuidade ao projeto de Jesus. Tendo consciência dessa continuidade histórica, o Espírito Santo foi derramado para romper o medo e a culpa. Foi Ele quem tornou os espaços abertos e deu sentido, energia, vitalidade e futuro à missão dos discípulos: o Espírito virá, anunciará, guiará, falará. O evento do Pentecostes enviou a comunidade primitiva a ser vida, santidade, salvação e ressurreição. Quando vier o Espírito, orientar-vos-á para toda a verdade (cf. Jo 15,26-27; 16,12-15).

O mesmo Espírito que esteve em e com Jesus, durante seu percurso histórico, passou habitar nos responsáveis pela continuidade de Sua presença entre os homens. Com a descida do Espírito, prometido por Jesus, a comunidade iniciou o tempo da responsabilidade e do testemunho. No Pentecostes, a Igreja começou viver a sua fase adulta e reconhecer a grandeza do mistério. Dessa maneira, esse evento é a realização da Páscoa e não somente a festa do Espírito. É a celebração da nova vida gerada pelo Espírito do Ressuscitado na Igreja.

O Espírito Santo não trouxe um ensinamento diferente, mas tornou vivo e concreto o ensinamento de Jesus: “o Paráclito, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, ensinar-vos-á todas as coisas e recordar-vos-á tudo quanto vos tenho dito” (Jo 14,26). Jesus disse com muita clareza que o Espírito traria compreensão de muitas coisas. Entretanto, essa compreensão não se trata de um simples entendimento, uma regra ou uma norma a ser cumprida. Trata-se de viver fundamentalmente o mistério do amor de Deus aceito e reconhecimento somente pela presença do Espírito Santo. A missão do Espírito é fazer com que os discípulos de Jesus entrem em relação com Ele e por Ele com o Pai. Acolham o amor, compreendam a Palavra e respondam com responsabilidade e testemunho.


Com o gesto simbólico do sopro, o Espírito foi dado aos discípulos. Quando chegou o tempo da nova Criação, Jesus ressuscitado soprou sobre os discípulos o Espírito do Amor que procede do Pai e Dele fazendo-os criaturas de paz e enviando-os como portadores do perdão e da reconciliação. Esse sopro recorda o momento da criação, quando Deus formou o homem do pó da terra e soprou-lhe nas narinas, o fôlego da vida. O sopro de Jesus cria o novo homem. Não um homem vítima das forças que o levavam ao mal, mas animado por nova energia que o conduz ao bem. Em todo o lugar que o Espírito chega, o mal é vencido, o pecado é perdoado e nasce uma nova vida.


A linguagem do Espírito é a linguagem da liberdade. Liberdade de dar a vida para que todos tenham vida. O Espírito Santo é Deus em liberdade. Ele ajuda a nos libertarmos dos determinismos antigos e de metodologias ultrapassadas fazendo com que descubramos a verdadeira liberdade em amar e sermos amado. Ele “sopra” onde quer. Não sabemos de onde vem, nem para onde vai. É o Espírito Santo que realiza os sonhos e os projetos do Pai. Ele inventa, abre, sacode, faz novas as coisas e dá vida ao inesperado. Ele deu a Maria um filho fora-da-lei e a Isabel um filho profeta. Ele continua realizando a mesma obra: torna-nos ventres encarnados de sua Palavra no mundo. Assim, a linguagem do Espírito é a linguagem da totalidade e da inteireza do ser humano que se aproxima do mistério de Deus.

A liberdade do Espírito não nos permite anunciar uma letra que pesa, sufoca ou mata, mas nos torna anunciadores da Palavra que vivifica, liberta e transforma. Essa liberdade tem o poder de nos fazer perceber a verdade não como opressão e limitação, mas inspiração e libertação. Portanto, a linguagem do Espírito é a revelação de Deus no meio de nós e nos acontecimentos da história: em nossas vitorias e nos nossos fracassos. É a linguagem da oração, da relação com a Trindade e dos ensinamentos do Evangelho.

A íntima relação com Deus, por meio do Espírito Santo, faz com que o homem compreenda a si mesmo e sua própria humanidade de uma nova maneira, realizando plenamente sua imagem e semelhança de Deus. Aquilo que é mais humano, verdadeiramente humano, em nós, é a presença do Espírito Santo de Deus. O Espírito está presente em todos nós, chamando-nos a sermos mais do que imaginamos que podemos ser. Ele nos chama à vida a fim de que abandonemos os projetos de morte de um equivocado modo de ser distante do Evangelho. Por isso, o Espírito é a nova forma de vida, a novidade da Igreja. Ele é a dilatação do mistério divino-humano em nós.


Pensar o Espírito é experimentar movimentos, ações, processos históricos e formas novas de viver. O Espírito Santo nos permite ver o futuro. A Igreja assistida por Ele, jamais se tornará uma comunidade estática e obsoleta. O Espírito nos livra de cair no fechamento, na mediocridade e no "status quo" da movimentação histórica. Nossa responsabilidade é discernir o que Ele diz em cada realidade temporal (cf. Ap 2,7). Não devemos temer a autêntica abertura à Boa Nova. É função do Espírito de Cristo nos comunicar coisas novas! Entretanto, se nos fecharmos em esquemas rígidos, arcaicos e frios; no comodismo, na mentalidade fixa, sem o dinamismo da história, deixaremos de experimentar as ações do Paráclito do Ressuscitado em nossas vidas.

Senhor Ressuscitado, cumpridor das promessas e revelador dos dons do Pai, receber o teu Espírito Santo é aceitar e entender-me como continuador dos teus projetos. Permita-me vivenciar a tua relação de amor com o Pai. Dai-me tua liberdade para fazer nova, todas as coisas. Ensina-me a usar minha linguagem para revelar possibilidades e aberturas e não fechamentos e torturas. Torna-me defensor da verdade que cura, salva, humaniza e liberta.


LFCM.

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1 comentario


Marcia Severo
Marcia Severo
05 jun 2022

Frei que texto maravilhoso, o Espírito te inspirou em cada palavra. Gratidão por me enviar. Paz e Bem🙏🏽🙏🏿🙏🏻

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