top of page

A livre decisão

  • Foto do escritor: Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
    Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
  • 15 de abr. de 2023
  • 6 min de leitura

O Evangelho da liturgia de hoje apresenta-nos duas dinâmicas. A primeira delas é a comunicação do Espírito feito por Jesus aos seus discípulos, após dar-lhes a Paz, e concedendo-lhes o poder de vencer as forças do mal. A segunda, é a dúvida de Tomé que se tornou para nós um provérbio popular: “sou igual a Tomé, só acredito vendo”. Entretanto, observando os Evangelhos e os outros discípulos percebemos que não era apenas Tomé o “incrédulo”, mas todos carregavam dentro de si a dúvida.


A fé dos primeiros discípulos não foi um evento automático e imediato. Houve a necessidade de um itinerário longo e exigente. Em diversos versículos do Evangelho encontramos a dificuldade que os discípulos tinham em acreditar (Mc 16,14; Lc 24,38; Mt 28,17). As histórias das aparições do Ressuscitado descrevem essas dificuldades, pois viviam tomados pelo medo e pela dúvida. As aparições do Cristo ressurgido querem nos ensinar o nosso reencontro. Também, não é diferente na realidade ou no mundo pós-moderno, pois poucas coisas são automáticas, ou melhor, as coisas precisam de um tempo para acontecerem. Amor à primeira vista parece coisa da vida irreal. A desconfiança existe em quase tudo porque tudo pode ser questionado. Todas as coisas passam por dúvidas, perguntas e incertezas. Confiar tendo fé é um caminho cheio de riscos.


A perspectiva do itinerário de fé é singularidade do evangelista João. A fé é um itinerário de experiência e de conhecimento. Não pode ser estacionada em poucas compreensões. No início do Evangelho, os dois primeiros discípulos chamaram Jesus de “Rabbi”, que quer dizer, “Mestre” (Jo 1,38). Logo em seguida, André disse ao seu irmão Simão: “Encontramos o Messias” (Jo 1,41). Natanael percebeu imediatamente com quem estava lidando e disse: “Tu és o Filho de Deus” (Jo 1,49). Os samaritanos reconhecem-no como “Salvador do mundo” (Jo 4,43). O povo como o “Profeta” (Jo 6,14). O cego de nascença proclama-o “Senhor” (Jo 9,38). Para Pilatos é o “Rei dos judeus” (Jo 19,19). Entretanto, é da boca do duvidoso Tomé que ouvimos a última profissão de fé: “Meu Senhor e meu Deus”. Tomé foi o primeiro a reconhecer a divindade de Cristo e a compreender o que Jesus queria quando afirmava: “Eu e o Pai somos um” (Jo 10,30). Com efeito, é na caminhada salvífica de nossa história que encontramos ocasiões para iluminar nossos raciocínios infantis e eliminar compreensões ingênuas do que seja a vida e de quem seja Jesus. O Senhor é maior e mais surpreendente do que nossas próprias fantasias religiosas.

A morte de Jesus provocou nos discípulos forte confusão. Junto com a dor pela morte do Mestre, havia sentimentos de fragilidade, fracasso e desilusão. Eles se esconderam por medo e não tinham forças para recomeçar. Os difíceis dias marcavam a dificuldade do recomeço e da renovação da esperança. O sepulcro de Jesus estava aberto, mas a porta do cenáculo continuava fechada. Não apenas pelo medo dos judeus, mas porque os discípulos não tinham a esperança na promessa.

A Páscoa deveria acontecer na vida dos discípulos. Havia a necessidade de substituir o medo pela coragem, o fracasso pelo aprendizado, o fechamento pela abertura, a tristeza pela alegria, o remorso pela fé, a morte interior pela vida do Espírito. Era necessário que a mesma força que expulsou Jesus do sepulcro visitasse o coração dos discípulos e os expulsassem daquela condição de paralisia. A Ressurreição não era apenas a “passagem” de Jesus da morte à vida, mas era a Páscoa que estava acontecendo na vida dos vivos. Naquele lugar, naqueles corações habitados pelo medo, Ele traz a paz. Onde está o Ressuscitado, sua Paz deve reinar. O Shalom, dom do Messias, é a confirmação da presença de Jesus. A verdadeira Paz messiânica começa com a cura interior pacificando o coração dos discípulos a fim de que eles sejam capazes de transmiti-la aos confins do Universo. A paz ofertada por Jesus é a manifestação do desejo de dar-nos vida plena.


A resistência de Tomé foi curada quando sentiu e viu que sua dor e sua perplexidade haviam sido acolhidos. Para ele não era possível que a morte do Mestre fosse algo tão dilacerante. Ele não conseguia compreender o porquê de tamanho sofrimento. E mais, não era possível que o Messias tivesse que morrer daquela forma para manifestar o projeto amoroso de Deus. Sua idealização era demasiada ao ponto de ser tão ingênuo em acreditar que tudo seria diferente. Por isso, Tomé não era um mero e isolado incrédulo. Disso nasce sua dúvida. Ele pede para ver o Cristo ressuscitado porque não quer idealizar o mistério. Ele deseja experimentá-lo, senti-lo e vivenciá-lo. Quer tocar porque a fé no Ressuscitado não pode ser meramente racional, ideal ou abstrata, mas concreta e real.


Na sua dúvida, Tomé procurava e manifestava o desejo de fazer uma nova experiência e de compreender melhor as razões do mistério de Cristo. A sua incredulidade não era negativa, mas uma atitude de desejo e de procura. O desejo de Tomé foi sentido por Jesus. Ao mostrar-lhe Suas feridas, o crucificado-ressuscitado nada argumenta, não discute, não reprova e não exorta ao arrependimento pela descrença. Ele apenas mostra as chagas da Paixão. Sendo capaz de entender a dúvida e o sofrimento de Tomé, mostra-lhe Suas feridas, Suas mãos perfuradas pelos pregos da cruz e Seu lado direito dilacerado pela lança. São os sinais do Seu sofrimento porque as feridas, mesmo as nossas, nunca são inúteis, mas necessárias em nossos calvários. Nossa dor é nossa história. Nossas feridas revelam nossa experiência de amor. Jesus não se envergonha e não esconde a humilhação e o desprezo que sofreu em seus últimos momentos.


A resistência e a dúvida de Tomé devem nos ensinar a gratidão, pois elas nos permitem aceitar que não basta ouvir falar que Jesus está vivo. Antes, é necessário fazer a experiência pessoal e comunitária com o Ressuscitado. Tomé, como todos nós, deseja uma “prova”. Ele, chamado dídimo, gêmeo. Ele é o irmão gêmeo de cada um de nós que temos dificuldade de acreditar e preferimos o isolamento dos nossos individualismos doentios. A fé é um dom de Deus que nos é dado. Um dom que somente recebemos se abrirmos nosso coração e nossa mente à ação do Espírito Santo.

Acreditar é uma decisão livre. É uma resposta ao chamado que vem de dentro. É uma abertura do coração. Jesus não nos obriga a acreditar. Ele nos convida a confiar e nos oferece Suas feridas. Somente o corpo ferido de Jesus cura o coração ferido pelas contínuas incredulidades. Para os discípulos, o corpo ferido e ressuscitado de Jesus é a atualização de uma história de amor que não é interrompida pela morte, mas que continua para nós na história e que não tem fim. Da mesma forma que morreu, Jesus ressuscita revelando seu amor e sua doação por cada um de nós. A ressurreição, como a cruz, é ato de amor e de misericórdia.

A Páscoa é uma festa litúrgica muita próxima da realidade da nossa vida. A experiência da fé nos coloca dentro de uma constante morte e ressurreição. Com frequência conseguimos superar as ingenuidades da existência e os fracassos da história. Sempre precisamos morrer para os falsos esquemas e ressuscitar para uma vida transformada. Morte e ressurreição não foi apenas um simples fato acontecido na vida de Jesus, mas algo que acontece e deve continuar acontecendo diariamente em nossa vida. Os discípulos acreditam na ressurreição quando aprendem a ressuscitar com Cristo. Nesse sentido, nosso discipulado não deve consistir na traição ou na dúvida, mas numa constante e renovada experiência de fé. Pela Ressurreição de Jesus nossa fé ganha nova forma e se amplia para desejar tocar e ser tocado pelo Ressuscitado. Essa é uma das maneiras de olhar para o mistério da Ressurreição.


Senhor, ajuda-me nas minhas dúvidas e não me permita carrega-la eternamente dentro de mim. Dá-me a graça de confiar na fé tendo consciência dos riscos desse caminho de reencontro. Ensina-me a não somente contemplar meu sepulcro aberto, mas ser capaz de abrir as portas do meu cenáculo para acolher muitos. Concede-me a gratidão para reconhecer que a dúvida e a resistência de Tomé fazem parte da minha história de fé. Dai-me sempre a graça de morrer para os velhos esquemas e ressuscitar contigo para a vida nova. Abre meu coração e minha mente à ação do Espírito Santo para receber o dom da fé. Permita-me tocar o teu coração ferido de amor aprendendo a ressuscitar Convosco e transmitindo a verdadeira Paz a todos os meus irmãos.


LFCM.

Posts recentes

Ver tudo
O abandono de Deus

Esta semana nos permite entrar na "morte de Deus" e nos oferece duas narrativas evangélicas. A primeira nos diz sobre a livre entrada de...

 
 
 
A escrita do amor

Um evento imprevisível perturbou a pregação de Jesus no Templo. Os homens que cuidavam da casa de Deus trouxeram uma mulher surpreendida...

 
 
 

1 Comment


Marcia Severo
Marcia Severo
Apr 16, 2023

Bom Dia Frei!!’ Gratidão por me enviar esperança de fé e confiança. Paz e Bem.

Like

© 2023 por NÔMADE NA ESTRADA. Orgulhosamente criado com Wix.com

  • Facebook
  • Instagram
bottom of page