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A mudança do olhar

  • Foto do escritor: Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
    Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
  • 2 de dez. de 2022
  • 5 min de leitura

O Evangelho nos apresenta a figura de João Batista, precursor da missão de Cristo. João entra na história para escrevê-la como história de salvação e movimentá-la com as promessas que Deus tem para o seu povo. Para visibilizar essa movimentação, João é levado ao deserto e às proximidades do Jordão. Deus faz dele um pregador incansável, uma voz que ecoa o apelo à conversão e à promessa do perdão. No deserto, a ação divina dá ao pregador audácia, ousadia e coragem.


Com um tom solene, o evangelista Mateus situa a vocação de João num contexto histórico. O profeta Isaías falava dele quando dizia: “Esta é a voz daquele que grita no deserto: preparai o caminho do Senhor, endireitai suas veredas!” Na vivência de João, o último dos profetas e primeiro “apóstolo” de Jesus, encontramos a boa-notícia para a vida espiritual: a certeza da chegada do Messias e a libertação dos excessos. Ele prega a conversão, a mudança de mentalidade, a adesão a um novo comportamento e a um estilo de vida diferente.

As palavras que o precursor profere aos fariseus e saduceus serve para questionar a vivência religiosa. Eles não eram capazes de olhar para o “alto” porque viviam observando a vida alheia. Toda religião tem suas observâncias. No entanto, toda observância pode constituir uma verdadeira e forte tentação quando não se destina à salvação das opressões humanas, mas condena e julga por razões medíocres, visões deturpadas e idolatrias. Mediante a categoria de “fariseus” e “saduceus”, o evangelista Mateus deseja corrigir essa visão. De fato, os fariseus eram aqueles que faziam da Torah um ídolo com suas prescrições, enquanto os saduceus faziam do Templo e do Culto um espaço de idolatria.

João não escolheu as vestimentas hipócritas dos fariseus e nem o Templo dos saduceus para pregar a sua Palavra. Ele se afastou dos lugares de poderes e foi ao deserto. A sua vida falava por si mesma. Indo ao deserto ele recorda a história de Israel e o lugar do caminho durante o qual o povo experimentou a proximidade e o amor de Deus. Indo ao deserto ele convida a retornar ao primeiro amor, pois o homem não se converte com ameaças e a partir das culpas. Além do mais, estando nesse lugar, não frequentando os banquetes e vestindo-se de modo diverso, tinha autoridade para falar e denunciar uma “raça” de gente farisaica. A intenção dessa “raça” ao procurarem João não era a conversão, mas queriam ver algo extraordinário a fim de justificarem-se através dos ritos comuns de purificação da época. Eles procuravam o batismo para livrarem-se da “ira” de Deus, porém não queriam a exigência e os compromissos que o batismo de João exigia. Eles queriam a “salvação da alma”, mas não uma existência purificada, um olhar diferente e uma prática coerente e comunitária.


O Batista convida-os a mudar o olhar. Dirigindo-os para o essencial, ele os convida a olhar para o Senhor. João convida à conversão e a mudança de orientação, não simplesmente em mudar os pensamentos com pensamentos melhores, mas mudar os próprios pensamentos e ideias com os pensamentos e as ideias de Deus. De fato, o convite à conversão é um convite à mudança. Claro que a conversão indica uma mudança de rumo, mas o convite à mudança contido na expressão de João Batista (mais tarde retomada por Jesus) é mais profundo porque soa literalmente como um convite a mudar a maneira de pensar, inclusive, a maneira de pensar sobre Deus. A conversão permanece aparente e superficial quando não se abandona os esquemas habituais do modo de pensar velho. Às vezes, quando não se traduzem em ação, a mudança e a conversão permanecem na intenção.


Através do protagonismo de João, somos convidados a mudar de vida para acolher Deus que vem ao nosso encontro. A proximidade do “Reino dos Céus” indicada por João nos mostra que Deus está próximo de nós. É preciso mudar para dar espaço a Ele. Purificar as razões, limpar o coração e abrir as mãos é um bom caminho para a mudança. As nossas razões estão sempre cheias de coisas e os nossos corações estão sempre cheios de sentimentos supérfluos. Dessa maneira, tornamos nosso caminho pesado e quase impossível. É preciso darmos espaço para Deus a fim de perceber o essencial e escapar da tentação de absolutizar todos os meios.


Mudar significa despojar-se do velho. João evoca o aspecto de mudança ao despir-se. Sendo filho de Zacarias, ele pertencia à linhagem sacerdotal. Deveria permanecer no Templo e vestir o hábito sacerdotal. No entanto, afasta-se desse espaço sacro e despoja-se das vestes que evocam privilégios. Por vezes, toda mudança, passa pelo despojamento dos papéis e dos rótulos, dos hábitos e dos contextos. Não é por acaso que, desde os primeiros séculos, o catecúmeno ao celebrar o batismo se despiam de seu velho hábito e vestia uma túnica branca para revestir-se do hábito de Cristo.

A conversão, mais do que um imperativo moral, é uma oportunidade de libertação e de um encontro com a leveza de Cristo: “Eu vos batizo com água para a conversão, mas aquele que vem depois de mim é mais forte do que eu”. O que vem depois é mais forte porque a proposta de conversão é maior e não simplesmente porque é um gesto de purificação exterior. Converte-se somente aquele que caminha com disposição interior de estar com Cristo. A conversão proposta por Jesus é um caminho feito entre quedas e desejo de levantar-se, entre subidas e descidas, sendo possibilidade de idas e vindas. A conversão é uma estrada e não um ponto de chegada. Os fariseus e os saduceus não se convertiam, por isso, João falava com dureza.

A conversão é manifestada não por aquele que nunca erra ou por quem nunca caiu no caminho. A conversão é manifestada por aquele que sabe voltar ao caminho e refazer seus passos. Converte-se não para livrar-se futuramente dos “espaços tenebrosos”, mas para tornar a vida simples, plena e bela. O desejo de converter-se nos ajuda a não alimentar ilusões interiores e visões medíocres da realidade. A conversão é um caminho ordinário do encontro com as trevas que envolve nosso coração. É um caminho do encontro com os desejos sombrios que cansam o corpo. É um caminho do encontro com os pensamentos escuros que envolve nossa mente e nos coloca à luz de Cristo, à delicadeza de Deus e à ternura do Espírito Santo. O anúncio da chegada de Cristo não pode ser uma simples mensagem espiritualista e devocional, mas deve ser um forte impacto na história e na existência daqueles que acreditam em sua segunda vinda.


Senhor, muda a direção do meu olhar. Recorda-me os passos da história da salvação que me ajudam a voltar ao teu primeiro amor para continuar buscando uma existência purificada, um olhar diferente e uma prática de vida coerente e fraterna. Ajuda-me a mudar meus pensamentos, sobretudo, a minha maneira de pensar a tua presença. Dá-me forças de seguir a estrada da conversão para encontrar-me com tua leveza e conseguir ter uma vida mais plena, simples e bela.


LFCM.

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1 Comment


Marcia Severo
Marcia Severo
Dec 04, 2022

Bom Dia Frei !!!! Obrigada por essas palavras q me trazem reflexões para um crescimento espiritual. Reze por minha conversão diária, por favor. Paz e Bem.

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