A nova forma de presença
- Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
- 17 de abr. de 2021
- 3 min de leitura
Atualizado: 8 de mai. de 2021
III Domingo da Páscoa
As manifestações do Ressuscitado, no meio da sua comunidade, são acompanhadas pelos sentimentos de medo e admiração. Esses sentimentos são naturais, radicais e paradoxais diante do evento grandioso e inexplicável aos olhos humanos: a ressurreição do Senhor. O fulgor de uma nova forma de presença rompe o olhar medíocre e o coração mesquinho dos discípulos.
Deixar-se envolver por esta novidade não é simples, nem imediato, pois as dúvidas sempre tendem ocupar um bom espaço em nossas vidas. Os discípulos estão perplexos porque a realidade da ressurreição é muito bela do ponto de vista dos olhos humanos.
É preciso um pouco de tempo. Os relatos da páscoa nos mostram quanto os discípulos precisam de um tempo para acolherem uma nova perspectiva. É preciso digerir os sentimentos lembrando os acontecimentos para acreditar. A fé em Jesus não é um fato mágico. É fruto de um caminho marcado por dúvidas, questionamentos e incertezas.
O evangelho apresentado pela liturgia de hoje é a continuação da narrativa sobre os discípulos de Emaús. Uma das páginas mais famosas do Evangelho. Dois discípulos, desiludidos e frustrados pela morte do projeto de Jesus, estão em um caminho retornando aos seus compromissos do passado e as velhas perspectivas. Nesse caminho se fala somente de morte e de cruz. Um caminho feito de murmuração e cansaço. “Nós esperávamos que Ele fosse libertar Israel”. Uma esperança conjugada no passado, ou seja, sem perspectiva de futuro.
No entanto, encontram um novo caminhante que os revela, de maneira nova, as entrelinhas das Escrituras. Com essa revelação vão curando a pouca inteligência do coração. Todavia, a certeza do coração e o sentimento da razão são tão ardorosos que os discípulos não querem que esse caminhante se distancie: “Fica conosco, pois já é tarde”. Na partilha e na gentileza da mesa, com delicadeza e generosidade, surge a melhor das novidades: o caminhante é Jesus. Ele está no meio de nós!
A consequência desse reconhecimento é o retorno a Jerusalém e o reencontro com a comunidade dos discípulos. Ao narrarem o acontecimento do caminho, Jesus aparece novamente no meio deles e lhes dá a paz, reconciliando o medo e curando a culpa. Assustados, acreditam ver um fantasma...
Contudo, Jesus Ressuscitado não é um fantasma. Sua aparição não se trata da aparição de uma alma, mas de uma presença diferenciada, pois a ressurreição não é a reanimação de um corpo do passado. É transformação, plenificação do ser humano, irrupção do homem novo e do tempo novo.
Então, o evangelista Lucas recorre a uma linguagem corpórea para enfatizar a novidade da ressurreição. Os discípulos são convidados ver e tocar os pés e as mãos: “Tocai em mim e vede! Um fantasma não tem carne, nem ossos, como estais vendo que eu tenho”. Entretanto, isso não basta. Estão emocionados, mas não tinham fé. Assim, Jesus lhes propõe a confirmação: sentar-se à mesa e comer com Ele. Um gesto de absoluta concretude e de plena realidade.
Consciente da necessidade que os discípulos têm de serem ajudados a acreditar, Jesus recorre a duas vias significativas: tocar nas feridas e partilhar o pão.
Primeiro, Ele mostra suas feridas porque elas revelam o seu amor por nós. O Ressuscitado é o crucificado. O segundo gesto é a partilha, o comer juntos: sinal da relação e gesto da familiaridade que remete ao cenáculo, lugar onde viveram juntos à doação do corpo e do sangue. Sem esse cenáculo, o evento da cruz seria apenas um evento histórico, pois Jesus não havia sido o primeiro a morrer daquele jeito.
Portanto, as duas vias escolhidas por Jesus colocam luz no coração dos discípulos Abrindo-lhes a inteligência, convidando-lhes a reler os acontecimentos de forma salvífica e fazendo-lhes testemunhas vivas da ressurreição. Essas vias reordenam os episódios, completam os vazios e corrigem os defeitos. De fato, apenas sob a luz do Ressuscitado podemos ler os acontecimentos da história de forma diferente e observar a nossa vida na perspectiva de Deus.
LFCM.
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