A originalidade do sonho de Deus
- Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
- 19 de dez. de 2020
- 4 min de leitura
Atualizado: 21 de fev. de 2021
Hoje assume forma o protagonismo de Maria de Nazaré. Depois de Isaías que pensa na promessa e de João que abre a estrada da promessa, vemos Maria que se abre à própria promessa. Com isso, Maria dá corpo àquela promessa sonhada por gerações. Então, Deus fecunda Maria para fazer grandes coisas através dela.
Quando? No sexto mês, relata o evangelista. É sete o número que significa totalidade, por isso a encarnação acontece no fim de um tempo incompleto. Assim, todo esse evento originário salvífico, do qual fazemos memória continuamente, nos recorda o tempo novo da realidade e da totalidade humana.
Deus não poderia continuar sendo somente Deus, e o homem não poderia continuar somente sendo homem. Deus assume a carne humana para que a carne humana possa habitar para sempre em Deus. Aqui está a verdadeira totalidade, não diferença e distância, mas perfeita semelhança, sintonia e imagem.
É um novo tempo da História da Salvação. Se, na criação, Deus fez tudo sozinho; na nova criação ele conta com uma mulher. Não mais um homem, mas uma mulher é o centro da história. Aquela que outrora tinha sido a causa do pecado, agora é a causa da salvação. Não teoria, mas realidade. Por isso, não há abstração e contemplação de que tudo era bom, mas uma nova concepção daquilo que era muito bom.
Tudo isso é natal: Deus que habita a normalidade da realidade humana. Talvez, Maria tivesse pensado que era um sonho. Mas, ao mesmo tempo, não poderia ser. Tudo era tão real e tangível. A atmosfera gravitava dentro de uma profunda e real percepção interior. Ao nosso modo de ver, era um sonho, mas não um sonho resultado do inconsciente humano. Era o sonho de Deus!
Com efeito, Maria participa da realização do sonho de Deus. Deus encontra um coração capaz de sonhar como o dele. Maria é mulher amada, forte, audaz, determinada e concreta. Ela não somente encontrou graça aos olhos de Deus, mas é cheia de graça desde o princípio. Dessa forma, Maria é o protótipo da experiência nova com o Espírito.
Por conseguinte, não mais a contemplação do céu, mas a certeza de que o céu habita para sempre na terra. Não mais o interesse de subir aos céus, mas a certeza de que o céu é presente. Não mais na riqueza do templo de Jerusalém, mas numa pobre casa de Nazaré. Efetivamente, não mais o esforço da religião de alcançar o inalcançável, mas a fé como abertura a um mistério grande, sonhado, esperado e, por isso, alcançado.
Alegra-te, Maria, disse o anjo. Alegra-te não porque você se abriu a Deus, mas porque a humildade de Deus assumiu a beleza da sua própria criação: a carne humana. Maria tu conceberás um filho. Ele será seu filho e filho de Deus. Tu serás mãe de homem e mãe de Deus. Ele assumirá a forma da terra, mas assumirá as atitudes e o rosto do céu. Aliás, o que o anjo revela era a verdadeira originalidade da história da salvação.
Dessa maneira, em Maria podemos entrar em contato profundo com a nossa vocação original. Carregamos em nós uma originalidade muito maior do que o pecado. É a originalidade da criação e, por esse motivo, da filiação.
Logo, com audácia e coragem, em meio aos nossos dramas interiores e às nossas estradas não endireitadas podemos dizer que em nós habita uma Maria, imaculada, pura, capaz de se relacionar com as realidades superiores ao seu tempo e ao seu espaço, de falar com os anjos e de aceitar um projeto de Deus muito maior do que os seus projetos pessoais. Oh mãe, dá-nos um pouco da tua ousadia.
Portanto, faltando poucos dias para o natal, olhemos para o que em nós é cheio de graça, e não para a superficialidade da sobrevivência, renunciemos à sedução original para viver essa confiança relacional com o sonho de Deus.
Esse sim original que existe em nós é muito mais forte do que os nossos nãos cotidianos e que parecem ser mais fortes. De fato, muitas vezes, parece que para construir uma espiritualidade mais saudável devemos encher a nossa história com nãos, porém devemos recordar que o melhor tempo da história da salvação começa com o sim humano, original, único e singelo de Maria.
Enfim, prestes a concluir o tempo do advento, sugiro a recapitulação dos três domingos anteriores. A proposta principal e mistagógica era essa de saber qual a nossa originalidade e de descobrir-nos cheios de graça.
O passo primeiro caracterizava-se pelo convite de uma memória curada, a memória do Jesus menino e a memória do futuro. Para isso, era preciso redobrar a atenção e purificar os desejos. Todos os passos eram marcados por desejos nobres, atenções vigilantes, silêncios falantes, ternuras misericordiosas e memórias curadas.
O segundo passo era descobrir as motivações, os princípios e as razões para o seguimento da proposta evangélica. Ousar, voar, romper esquemas, abaixar a pressão, ver diferente, redefinir prioridades e purificar a fé.
Em conclusão, o último passo era esclarecer para nós qual a nossa verdade mais profunda, para com isso conhecer e confessar o Senhor em espírito e em verdade. É a identidade desvelada que faz com que o grande mistério seja cada vez mais revelado.
Sendo assim, diante desse três passos anteriores, resgatamos o nosso sim original, não superficialmente marcado pela consequência do pecado, mas pelo sonho real de Deus de poder viver para sempre no meio de nós.
Sim, o poderoso fez em mim maravilhas, santo é o seu nome.
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