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A pequenez e a vitalidade

  • Foto do escritor: Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
    Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
  • 22 de jul. de 2023
  • 5 min de leitura

Atualizado: 30 de jul. de 2023

As parábolas de Jesus tinham o intuito de formar seus discípulos e todo o povo que se reunia para ouvi-lo. Após a narrativa do semeador, encontramos outras três parábolas que falam do crescimento: crescimento do joio e do trigo, crescimento da árvore e do crescimento da massa. São três parábolas surpreendentes que trazem critérios diferentes e dão sentido novo às coisas. A intenção de Jesus é mostrar medidas diferentes daquelas que somos habituados. Sua maestria é revelada na forma admirável de raciocinar. O mistério de uma semente e as potencialidades humanas suscitam admiração e encantamento.


As três parábolas sugerem modos de interpretação da relação com Deus, da relação consigo mesmo e da realidade da vida cotidiana. Jesus quer revelar alguma coisa do rosto de Deus e alguma coisa do mundo real. Ele é mestre da vida real e não de propostas inalcançáveis, distantes da vida cotidiana. Sua lógica e sua paciência são desconcertantes. Com sua simplicidade, Ele revela a presença de Deus que se esconde no espaço e na história humana.

As três imagens nos convidam a acolher a fragilidade com discernimento, a confirmar que mesmo na pequenez a semente se torna uma grande árvore onde muitos buscam refúgio e a provar que o mundo pode ser diferente a partir de dentro. As três parábolas carregam uma mensagem comum: o Reino de Deus é comparado a algo pequeno e cheio de vida.

A parábola do joio e do trigo apresenta-nos uma das imagens mais eloquentes para reconhecer onde está o bem. É uma parábola que pode ser lida tanto como imagem da coexistência do bem e do mal na sociedade, quanto do bem e do mal que habitam o coração humano. De fato, como diz a história, Deus sempre semeia a boa semente. Ele coloca dentro de nós um impulso para o bem, pois Ele é o Sumo Bem. Entretanto, nem sempre somos capazes de reconhecer e vivenciar o impulso divino.


No campo onde foi semeado o trigo bom, brota o joio, ervas daninhas que infestam o solo. Mesmo tendo plantado apenas trigo, o agricultor se deu conta de que o “inimigo” foi capaz de plantar joio no seu lindo campo. O joio cresceu junto com o trigo. O joio é uma erva muito semelhante ao trigo, mas que produz uma espiga escura, não comestível e que enrola e sufoca as raízes do trigo. A intenção dos servos é eliminar imediatamente o joio, mas a sabedoria do agricultor prefere esperar. Ele sabe por experiência própria que, no início, quando brotam, o trigo e o joio são muito parecidos e podem se confundir. Sua paciência ensina-nos a acalentar a indiferença sem pressa, pois ao querer limpar todo o campo podemos arrancar o bom produto. É necessário esperar e dar tempo a fim de perceber os frutos que estão surgindo. Nem sempre é tempo de colheita e de decisão!


Na parábola da semente e na parábola do fermento, vemos que nem sempre é fácil reconhecer a presença do Reino de Deus no meio de nós. As coisas de Deus são como a semente de mostarda e como o fermento na massa que, no início, parecem insignificantes. Contudo, sem a pequena semente e sem a porção do fermento não existe a possibilidade de crescimento.

É da pequena semente que cresce a árvore gerando alimento e sombra. É da porção de fermento que cresce a massa cresce alimentando muitos. Precisamos alcançar a pequenez e a vitalidade do Reino!

Sem exageros ideais e atentos à realidade, vemos que Jesus está revelando que no campo da existência convivem variáveis situações e possibilidades. Temos grandezas, criatividades, bondades e generosidades, mas também temos fechamentos, fragilidades, abandonos, desistências e traições. O bom campo de “trigo” não está tão livre dos “joios”. A realidade que vivemos não é perfeita. Essa é a linha de fronteira que passa dentro de nós. Onde tem luz, existe sombra. A certeza cresce, onde nasce a dúvida. O amor, por mais lindo que seja, constantemente é ameaçado pela necessidade furiosa de contemplar e adorar a si mesmo como ser único, individual e autossuficiente.

É interessante compreender que Jesus não diz ser necessário imediatamente arrancar essas dicotomias. A modo violento e imediato não pode ser positivo. Pode-se arrancar o bem confundido com o mal. Ao sermos violentos com nossas limitações corremos o risco de arrancarmos tudo: bem e mal. Agir com paciência e no tempo certo não significa que devemos aceitar o mal que cresce em nós atrapalhando-nos de sermos essencialmente bons.

Não é suficiente cortar o mal pela raiz. É preciso ter paciência para cultivar o trigo bom. É preciso ter discernimento para não deixar com que o joio cresça demais. Devemos ser conscientes de que o joio sempre cresce no meio do trigo. Precisamos cultivar o bem que existe em nós, sem violentar nossos limites, pois pouco a pouco, o mal morrerá e deixará de ter força em nossas escolhas. A intransigência, a busca pela pureza a qualquer custo e a rigidez para alcançar pretenciosa perfeição não são os caminhos mais eficazes porque as fronteiras entre o bem e o mal, entre justiça e injustiça não estão bem esclarecidas.


O joio que cresce no campo do nosso interior não foi plantado por um “inimigo”, mas por nós mesmos. Somos os nossos maiores inimigos. Por vezes, deixamos crescer em nós, nossas contrariedades. Contudo, arrancar todo o mal não é o caminho mais eficaz. Jesus nos ensina que arrancando o “joio” corremos o risco de arrancar o “trigo”. É melhor deixar tudo crescer para o tempo da colheita. O raciocínio e o tempo de Deus são diferentes dos nossos. Há duas formas de agir e de habitar a história: por um lado, há o olhar do dono que vê além das aparências; por outro, há o olhar dos servos que veem apenas o problema. Os servos preocupam-se com as ervas daninhas. O dono preocupa-se com o trigo bom. O Senhor nos convida a ter o seu olhar focado no bom trigo e que é capaz de conservá-lo até mesmo no meio das ervas daninhas.


Senhor, ajuda-me a entender os teus critérios e a tua forma de raciocinar. Ensina-me a admirar as pequenas coisas para que a relação contigo, comigo e com as outras pessoas e coisas sejam autênticas e saudáveis. Tira-me a ansiedade dos servos e dai-me a sabedoria e a paciência do “agricultor”. Liberta-me da intransigência, da busca desenfreada pela pureza e da rigidez pretenciosa pela perfeição. Permita-me ter o teu olhar para esperar o tempo certo e para focar nas coisas boas da vida. Ajuda-me reconhecer e alcançar a pequenez e a vitalidade do Reino de Deus na história humana.


LFCM.

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1 Comment


Marcia Severo
Marcia Severo
Jul 23, 2023

Q palavras maravilhosas!!! Gratidão Frei por me enviar. Esperar o tempo certo, peço ao Senhor paciência. Paz e Bem🙏🏽

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