A perfeita comunhão
- Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
- 5 de jul. de 2024
- 4 min de leitura
Atualizado: 20 de jul. de 2024
O evangelista Marcos fala da família, dos concidadãos, da terra e da cultura de Jesus, após ter dito sobre o chamado dos discípulos e das ações curativas e extraordinárias do Messias. O contexto é polêmico e surpreendente. Em Nazaré, cidade na qual Jesus cresceu, ninguém foi ao Seu encontro e ninguém levou a Ele nenhum doente para que o tocasse como aconteceu nos outros povoados. O Cristo foi rejeitado em sua própria terra natal. Todos os que foram a sinagoga e O encontraram não foram para ouvi-Lo, mas para cumprirem o preceito religioso. Entretanto, acabaram se surpreendendo com a presença Dele. Muitos que O escutavam estavam admirados e estupefatos, pois não entendiam de onde saía tanta sabedoria.
A presença de Jesus causou certa admiração e inveja. Todos haviam falado de Seus milagres e ao escutarem Suas Palavras percebiam Sua forte autoridade. Porém, eles conheciam a procedência da família de Jesus: Sua mãe e Seu pai, o carpinteiro. Ao recordarem a origem do Cristo, passaram da admiração e da inveja ao sentimento de escândalo e de repulsa. Para Marcos, esses detalhes são importantes e manifestam o objetivo de descrever a humanidade de Jesus. Ele tem família, emprego, cultura e religião. Foi na convivência com sua família e no cotidiano que Jesus cresceu em sabedoria, em graça e em humanidade. Assim, o estilo extraordinário do Cristo cresceu no ordinário do dia a dia.
Em Nazaré Jesus aprendeu a ter compaixão, a trabalhar com as mãos e a pensar com o coração. Em sua terra natal, trabalhando com madeiras, Ele aprendeu a moldar os duros corações. No contexto social do seu tempo e no sofrimento daqueles que estavam ao seu redor, Ele humanizou-Se e alcançou a autoridade do Espírito. Na escola de Nazaré, aprendeu a multiplicar, a conjugar o verbo amar e a ressignificar a história pessoal de cada pessoa que estava ao seu redor. Com a vida normal e comum, Jesus reconheceu a presença do Pai e assumiu sua missão de ser o Filho do Deus Altíssimo.
A autoridade de Cristo foi uma conquista e um alcance. Ele, com certeza, no dia a dia do trabalho, na observância das situações difíceis e no cansaço cotidiano aprendeu a conquistar a autoridade divina e a sabedoria do alto. Primeiro, foi necessário aceitar a graça de humano, nascido de forma humana. Assim, quanto mais humano Ele vivesse, mais divino Ele poderia expressar-se e tocar os corações.
Deus tornou-se concreto num homem, Jesus de Nazaré, tornou-se companheiro de caminho, tornou-se um de nós. Os rudes nazarenos que nada entendiam nas sinagogas, ao perceberam que Àquele que estava falando com clareza da história da salvação era igual a eles, simplesmente, se escandalizaram.
O escândalo foi gerado não por causa da sabedoria, da autoridade e da clareza do Cristo, mas porque Ele era nascido no meio do povo, da forma deles e conheciam seus pais. A dificuldade estava em aceitar Jesus como um deles. Eles conhecem Jesus, mas não O reconhecem. Seus conterrâneos estavam tão seguros de que Ele era uma “pessoa normal”, que não podiam aceitar Seu modo divino de ser. Não era possível que Aquele que conheciam, desde criança e que o viram crescer, fosse o mesmo que estava falando verdades profundas e questionadoras, que gerava vida e liberdade no coração e que tivesse a "aparência" do Messias libertador prometido por Deus. Dessa forma, Jesus não tinha espaço para nada fazer. Acostumados em ouvir sempre o mesmo, acabaram se escandalizando com as diferentes palavras, o novo jeito e os gestos de Jesus. Ele falava de uma notícia boa e dava a certeza da perfeita relação entre o humano e o divino.
Jesus percorria os povoados das redondezas, ensinando o seu modo de ser humano-divino. Ele não se intimidou diante do escândalo dos seus contemporâneos. A narrativa é surpreendente. É a primeira vez que Jesus experimenta uma rejeição coletiva, não dos dirigentes religiosos, mas da sua comunidade familiar, com quem convivera tanto tempo. Limitaram-se à exterioridade e rejeitaram a novidade de Jesus.
Mesmo sendo formado igual a eles, Jesus não permitiu ser moldado como eles e não apresentou os mesmos critérios. O surpreendente é que Ele não se deixa influenciar pelos duros corações daqueles que O conheciam há tanto tempo e preferiram permanecer com suas estruturas doentias. Ele continuou ensinando e tocando corações. Teve de ir para outros povoados e conquistar outros espaços.
Até os dias atuais, a humanidade de Cristo continua nos escandalizando. O conceito religioso de Deus que habita os nossos pequenos corações e os nossos curtos pensamentos, continuam forçando-nos a acreditar que a ação de Deus pode ser vivenciada e experimentada apenas no extraordinário das manifestações. No conforto do hábito e na ditadura dos preconceitos não nos deixamos surpreender pelas coisas de Deus. É mais cómodo um Deus abstrato e distante que não se intromete em situações e que aceita uma fé distante da vida e, por vezes, irreal. Gostamos mais de acreditar num “deus” com efeitos especiais e imagens artificiais. Porém, precisamos aprender que é no ordinário da vida, nas coisas simples, que se encontra o extraordinário de Deus. Não podemos continuar acreditando no Deus desumano dos nossos critérios imaturos. É na vivência do humano que podemos, verdadeiramente, entrar em comunhão com o Divino. Ele nos surpreende se deixarmo-nos admirar por Sua beleza e por Sua plena comunhão de humanidade.
Senhor, ajuda-me a não me escandalizar com a Tua humanidade. Ensina-me a fazer crescer e amadurecer em mim, os nobres sentimentos humanos e divinos. Dai-me olhos abertos às Tuas surpresas, à Tua humilde e oculta presença na minha vida quotidiana. Permita-me ser comunhão e beleza. Educa-me a continuar ensinando do Teu jeito e ser comunicador da Tua Boa Notícia.
Boa Noite Frei!! Gratidão por me mostrar o lado humano do Senhor com tanta simplicidade e verdade. Paz e Bem