A permanência da Presença
- Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
- 20 de mai. de 2023
- 5 min de leitura
Nos encontros do Ressuscitado, vimos o mistério da Páscoa de Cristo e o da Páscoa dos discípulos. Embora esses encontros sugerissem algo espetacular, eram simples e mostravam a fragilidade da fé de Seus seguidores. Eles sentiam-se amedrontados, frágeis, ressentidos e desesperados. Precisavam deixar a culpa da traição e o remorso da negação para encontrarem o Ressuscitado em todos os lugares e não somente nos cenáculos fechados ou naquela pequena comunidade. Assim, os quarenta dias transcorridos entre o evento da Ressurreição e o evento da Ascensão fizeram com que os discípulos compreendessem a missão de Jesus e iniciassem suas próprias missões.
No mesmo lugar em que Jesus iniciou sua missão (Mt 4,18), Ele enviou os seus discípulos. Diferente de João e de Lucas, Mateus descreveu a aparição do Ressuscitado na Galileia e não em Jerusalém. Este ambiente tem um valor teológico. A “Galileia dos gentios” é o ponto de partida, o espaço e o horizonte da missão (Mt 4,12). Essa área era habitada por uma enorme quantidade de pagãos que não podiam entrar nas sinagogas e nem participar da oração. Era uma terra impura da qual não saía nada de bom.
Foi num lugar suburbano, numa terra sem lei e de pessoas excluídas que Jesus iniciou a Boa Nova do Evangelho e deu autoridade para que seus discípulos continuassem o projeto salvífico.
Para Mateus, a Galileia não era a terra da infância de Jesus, da qual ele havia recebido o título de “galileu”, mas a Galileia era a terra desejada por Deus, lugar da evangelização, e o mesmo local em que os discípulos experimentaram a sedução do primeiro chamado. Ao terminar Sua missão terrena, Jesus voltou ao monte das Bem-Aventuranças e pediu que eles continuassem ser presença em Sua ausência. O “monte” tem uma forte carga simbólica. Todas as vezes que Jesus subia num monte, Ele trazia um novo ensinamento, com gestos importantes e com novas perspectivas. De fato, o envio dos discípulos foi um acontecimento decisivo. Neste momento definitivo, Jesus apelou à sua autoridade: enviado pelo Pai para levar a mensagem da salvação, Ele confiou esta tarefa à comunidade dos discípulos, dando-lhes Sua própria autoridade.
No Evangelho de Mateus não encontramos o relato da “subida de Jesus aos céus”. A promessa da Sua permanente presença está na autoridade que o Pai Lhe concede e, então, Ele repassa aos seus discípulos. Mais do que uma subida aos céus, na Ascenção há a permanência da Presença, a promessa de estar presente todos os dias. Uma presença potente e significativa. O Espírito prometido não substitui a ausência de Jesus, mas alarga Sua presença e continua Sua missão.
Dessa maneira, a Ascensão não diminui o mistério da presença de Cristo, mas a expande e a multiplica. A Ascensão não revela a conclusão da missão de Jesus, mas o começo da nova forma de missão. Ela é a dilatação da presença e da força de Cristo. Ele livra-se do tempo e do espaço para continuar permanentemente presente em todos os espaços e tempos.
Nas narrativas da Ascensão, encontramos detalhes da imperfeição dos discípulos. Todo o tempo dedicado por Jesus para curá-los não havia sido suficiente. A primeira imperfeição está na quantidade dos discípulos. Eles não são mais doze, um número completo, mas onze. Na perfeição pensada por Jesus, no início de seu ministério, não havia existido na “despedida” final. A glória das Tribos de Israel, simbolizada nos doze apóstolos, não tinha sido possível. A segunda imperfeição está na revelação da dúvida dos discípulos. Embora vendo tantos eventos e tanta força, partilhando suas vidas com o Mestre, os discípulos ainda duvidam. Além disso, o texto mostra dois gestos contraditórios. Eles se prostram vendo Jesus, mas alguns ainda duvidam. Prostração e dúvida não combinam. No ato de prostração imagina-se uma profissão de fé, mas o evangelista revela a dúvida de alguns dos seguidores de Jesus, manifestando a contradição do coração. A indicação é profunda: os primeiros discípulos têm fé, mas permanecem na dúvida.
Mesmo sabendo dessas contradições, Jesus confia aos seus discípulos à continuidade da missão. Uma missão que não consiste no anúncio específico de alguma coisa ou doutrina, mas no “fazer discípulos”. A principal missão dos discípulos é fazer discípulos, ou seja, formar uma comunidade que viva o projeto amoroso do Pai e do Filho no Espírito Santo. Não agarrando-se no que falta, Jesus promete a ação do Espírito. Os discípulos sendo conscientes da imperfeição, recebem os dons necessários para sair em missão. O Espírito completa toda a falta e recorda a vida de Jesus diante de todo esquecimento. Os discípulos não são perfeitos, prontos, curados e suficientes. Portanto, há a necessidade do Espírito.
Somente na imperfeição e na incompletude, há espaço para a ação do Espírito e para o cumprimento da promessa da Presença permanente. Ele é a fortaleza dos frágeis, a certeza dos que duvidam, a completude dos limitados, a perfeição dos defeituosos. Recebendo a autoridade de Cristo, os discípulos entendem que não são eles, com seus méritos ou suas capacidades, os protagonistas da missão. Na obra apostólica nossas forças, nossos recursos, nossas estruturas não são suficientes, embora sejam necessárias. É a Presença permanente do Senhor com a força do Seu Espírito que dá eficácia ao nosso trabalho.
O mistério da Ascensão estabelece uma continuidade entre o caminho histórico e a vinda gloriosa do Senhor. A Ascensão de Cristo nos convida à memória do destino: nossa participação definitiva na natureza de Deus. Ele “subiu” aos céus não para afastar-se da nossa humildade, mas para dar-nos a certeza de que nos conduzirá à glória da imortalidade. A humanidade de Jesus atestada pelos Evangelhos é o magistério que aponta aos cristãos o caminho a seguir para dar testemunho Daquele que, tendo subido ao céu, não está fisicamente presente entre nós, mas continua realizando a promessa da vida e da salvação. A Ascensão possibilita todo ser humano dizer: encontrei o Ressuscitado!
Quando Jesus volta ao Pai, leva consigo toda nossa humanidade. Desde então, sob o olhar do Pai está a realidade humana: alegrias e tristezas. Tudo aquilo que é humano é conhecido por Deus. Ele experimentou o trabalho, o sofrimento e a morte para dar sentido à nossa vida. Isso projeta em nós uma nova luz que permite-nos ter novo entendimento.
As contradições dos primeiros discípulos são semelhantes às nossas contradições. Reconhecemos a presença e até nos prostramos diante dela, mas em nosso coração habita a dúvida. Ter fé não é acreditar cegamente, mas vencer continuamente a dúvida e as contradições da existência. As dúvidas do caminho são muitas e as contradições são enormes, porém não devem se tornar problema ou limitação em nossa caminhada. Na lógica de Jesus, a contradição não é dificuldade, pois Ele sabendo dos sentimentos de seus discípulos e percebendo as imperfeiçoes de seus seguidores, confia a missão grandiosa aos imperfeitos, incrédulos e inseguros. A fé deve nos abrir os olhos para o entendimento de que é na permanência com Jesus que nos tornamos homens plenos, seguros e capazes de anunciar Sua Presença real e atual no mundo.
Senhor, ajuda-me a retornar ao primeiro chamado e aos lugares que marcaram o início da minha amizade contigo. Recorda-me que tua missão não teve início nos lugares perfeitos, mas em meio ao povo excluído. Ensina-me a vencer as contradições humanas e as dúvidas inerentes à fé. Quero perceber tua presença alargada em todos os lugares. Fortalece minha fragilidade, completa minhas limitações e aperfeiçoa meus defeitos. Quero acreditar e experimentar sempre sua permanente Presença em minha vida.
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