A divinização do homem
- Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
- 24 de dez. de 2021
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A memória do Natal do Senhor é celebrada com quatro missas (vigília, noite, aurora e dia) tendo Evangelhos diferentes. Na missa da vigília vemos a Genealogia de Jesus que revela a intervenção de Deus através de homens e mulheres. Na missa da noite aparece-nos o cenário do Nascimento de Jesus, em Belém, marcado pela alegria dos anjos e pelo anúncio aos pastores. No amanhecer, celebramos a missa do Encontro e da Visita dos pastores ao Menino-Deus deitado na manjedoura. Por fim, a missa do dia do Natal, não nos narra os eventos históricos, mas mergulha-nos no mistério teológico da Encarnação: "a Palavra se fez carne".
O dinamismo dessas quatro liturgias nos reaproxima de um Deus-Menino, na vivência do evento; e de um Deus-Homem, na profundidade do mistério. O Criador manifesta seu senhorio na história da humanidade, por meio do evento “invisível” do nascimento do Salvador.
O Natal nos coloca diante do grande mistério e anúncio para a fé cristã: Deus se fez homem, amando-nos de tal modo que, se torna aquilo que nós somos, para que nós nos tornemos aquilo que Ele é. O Filho de Deus como homem revela e possibilita o grande mistério: a divinização do homem.
Nesta noite, celebramos o nascimento de um homem que somente Deus poderia nos dar. Com o nascimento do Menino de Belém, o ser humano ganha o rosto divino e Deus assume seu rosto humano. A partir desta Encarnação, Deus não somente está presente em nosso meio, mas é humano no meio nós. Ele habita os nossos sentimentos. Ele sente como nós. Eis o mistério do Natal: o Altíssimo se faz baixíssimo, o Eterno se faz mortal, o Onipotente se faz frágil, o Santo se faz solidário com os pecadores, o Invisível se fez visível.
A missa do dia nos permite sair daquele clima romântico-sentimental que invade todos os anos nos dias do Natal, colocando-nos diante de um acontecimento sério: uma criança no centro das nossas atenções revela a Encarnação da Palavra de Deus. A criança que nasce é a resposta de Deus ao desejo humano: é o Messias, o Cristo, o Salvador, o Emanuel, Deus-Conosco!
Deus se fez homem. O invisível se fez visível. O eterno entrou no tempo. A presença de Deus é revelada na fragilidade e não no poder; no ordinário e não no extraordinário; no humano e não no sobre-humano. Neste sentido, o projeto de Deus de ser próximo ao homem, muda toda a história e a divide em duas: antes e depois de Cristo. Mortos seríamos para sempre, se ele não tivesse nascido no tempo. Estaríamos condenado a uma eterna miséria, se não fosse a misericórdia.
Se no início da criação o Verbo deu vida, agora o Verbo se torna vida assumindo um rosto humano. A Palavra que criou as coisas e o Espírito que pairou sobre o mundo, agora assumem concreta existência. A Palavra se torna "alguém" permitindo com que a relação com o "outro" fosse pessoal e real.
A proximidade de Deus não pode mais ser espiritual e sentimental, mas necessitou ser encarnada, tangível, concreta. Quando João diz que o “Verbo” se fez carne, ele não diz, simplesmente, que tornou-se um corpo mortal, de ossos e músculos, mas que se tornou um de nós, semelhante a nós em tudo: nos sentimentos, paixões, emoções, cansaços, conflitos internos e tentações.
A história do cristianismo poderia ter começado de outra forma. Por exemplo, por meio das inúmeras curas realizadas por Jesus, da sua proposta libertadora, do grandioso ministério da Palavra proclamada, da glória da cruz e do poder da ressurreição. No entanto, para dar início a um novo tempo, Deus escolheu nascer de uma mulher e ser visto como uma criança recém-nascida, fraca, indefesa, vulnerável, precisando de alguém que cuidasse Dele. Ele não teve vergonha de revelar-se pequeno e frágil. Por isso, somos convidados no Natal a contemplar, adorar e nos prostarmos diante da fragilidade de Deus.
Se Deus não tivesse assumido a natureza humana, o universo jamais poderia atingir sua plenitude. Deus assumiu forma humana não por causa do distanciamento causado pelo pecado, mas para que a criação atingisse sua plenitude: “no momento em que o Filho de Deus assume a nossa fraqueza, a natureza humana recebe uma incomparável dignidade. Ao se tornar Ele um de nós, nós nos tornamos eternos”. O homem dando a sua carne a Deus e Deus entrando na carne humana faz com que não exista mais a distância entre terra e céu.
O Deus-Menino nasce para revelar o amor incondicional do Criador. A partir desse amor, Ele se une a nós para podermos, também nós, nos unirmos a Ele. João, em sua primeira carta, proclama: “nós acreditamos no amor”. Em primeiro lugar, o segredo do cristianismo não está no amar a Deus sobre todas as coisas e no amar o próximo como a si mesmo, mas em acreditar no amor. Somente posso amar a Deus e ao próximo na medida em que acredito no amor.
A sabedoria de Deus manifestou-se plenamente na pessoa histórica de Jesus para que Ele e não mais a Lei, fosse a fonte para a plenitude da nossa vida: “por meio de Moisés foi dada a Lei, mas a graça e a verdade nos chegaram através de Jesus Cristo”. É, por isso, que Jesus nasceu e veio: para a nova relação entre os homens e Deus, não baseada na obediência à lei divina, mas na aceitação do amor do Pai. Enquanto a aliança de Moisés criava súditos, a de Jesus gerava filhos. Na primeira aliança sempre havia o distanciamento entre o Deus que mandava e o súdito que obedecia. Na nova e eterna aliança ensinada por Jesus: quanto mais o homem se aproxima de Deus assemelhando-se com o Ele, mais ele revela sua imagem no mundo expandindo a capacidade de amar (cf. Jo 17.11-2314.23).
Senhor, como é belo e grandioso recordar tuas manifestações na história. Desejo vivenciar não somente o evento histórico do teu Natal, mas colher e acolher a profundidade do teu mistério de fazer-se, em nosso meio, um de nós, para nós. Reconheço que o teu nascimento é a resposta mais concreta aos desejos da humanidade que se sentia distante de Deus. A sua Encarnação me leva a deixar de lado uma relação apenas espiritual e sentimental e me coloca ao seu lado, sentindo, tocando, olhando e amando como o Senhor. Isso me faz sentir-me realmente perto de Ti. Que nesta noite, o teu Nascimento sirva para me colocar na plenitude de minha existência: ser rosto humano de Deus.
LFCM.
Lindo Frei, FELIZ NATAL!!! Q o Menino Deus nasce em nossos corações em todos os dias do Novo Ano. 🎄