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A precedência das necessidades humanas

  • Foto do escritor: Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
    Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
  • 1 de jun. de 2024
  • 4 min de leitura

Atualizado: 22 de jun. de 2024

Após a grandiosidade da beleza dos mistérios de um Deus tão próximo e dos eventos pascais, retomamos o “tempo comum” da liturgia dominical e continuamos com o Evangelho de Marcos. Retomar a leitura desse evangelista significa observar a humanidade de Jesus. Das quatro narrativas evangélicas, Marcos é aquele que melhor revela o lado humano de Jesus. Ele revela um Jesus que é, ao mesmo tempo, o poderoso Filho de Deus e uma pessoa muito humana. Somente Marcos revela como Jesus podia ser agressivo (1,25), ficar profundamente triste e irritado (3,5) e indignado (10,14) com os que o rodeavam. Ele ainda ressalta o pedido de Jesus para dar de comer a menina que tinha acabado de ressuscitar (5,43) e antes de desafiar o rico, olha-o com amor (10,21). O Jesus de Marcos fica muitas vezes desanimado por não conseguir fazer com que os discípulos compreendam a sua missão (p. ex., 4,13; 8,14-21). Com tudo isso, percebemos um Jesus bastante acessível, com todos os desapontamentos e amores, com toda a alegria e tristeza.


Um fato que perpassa todo o ministério de Jesus é a tensão com as autoridades religiosas do seu tempo. Suas palavras mostram-se desafiadoras. Sua intenção é radical e consiste na libertação das ideias farisaicas de seguimento. Jesus confrontou-se com os escribas a respeito do perdão dos pecados ao paralítico (cf. 2,1-13). Em seguida, foi questionado sobre o seu modo de estar à mesa com os publicamos e pecadores (cf. 2,14-17). Também, foi arguido sobre as práticas do jejum não observadas pelos seus discípulos (cf. 2,18-22). Por fim, em duas ocasiões, puseram-Lhe à prova acerca do dia de sábado.

A prática de Jesus e o seu modo de ver as situações, suscitavam em seus opositores o desejo de condená-lo à morte. A Sua fama de transgressor, opositor e liberal era um fato estabelecido e bastante conhecido. O Seu modo de viver e trabalhar era uma ameaça e um perigo àquela religião.

A novidade trazida pelo movimento de Jesus é diferente do ambiente judaico e rabínico, pois mostra a misericórdia e a compaixão de Deus pelos marginalizados e rejeitados por leituras rigoristas da Lei. A observância rigorosa do sábado tornou-se o fato mais importante da religiosidade dos fariseus. Eles poderiam ser devotos e observantes, mas se tornaram perversos e duros de coração. Havia neles uma grande vigilância em relação aos preceitos e à moral, principalmente, nas cidades e aldeias distantes de Jerusalém e do Templo. O rigorismo era tão forte a ponto de espalharem vigilantes para observar se alguém transgredia a Lei. Toda relação com Deus estava reduzida à vigilância e à punição. Qualquer pessoa que não observasse o mínimo detalhe da Lei, deveria ser punido ou, até mesmo, condenado à morte.


Dois acontecimentos estão no centro do Evangelho de hoje. Num dia de sábado, passando por uns campos de trigo, alguns discípulos de Jesus começaram a arrancar espigas para comerem, enquanto caminhavam. Tal fato escandaliza os fariseus que questionam a Jesus sobre aquela atitude. A lei proibia todo trabalho manual e qualquer passo além do previsto. Em seguida, entrando na Sinagoga, encontrou um homem com a mão paralisada. Os fariseus já escandalizados com os discípulos que trabalhavam, observavam se Jesus haveria de curar em dia de sábado para poderem acusá-Lo.

A reação de Jesus nos dois episódios revela Sua liberdade diante da instituição: “O sábado foi feito para o homem e não o homem para o sábado. Por isso, o Filho do homem é também Senhor do sábado”. “Será permitido ao sábado fazer bem ou fazer mal, salvar a vida ou tirá-la?”

Na argumentação de Jesus, as necessidades humanas têm precedência. Mais do que a observância da Lei, a paralisia do homem e a necessidade dos discípulos de avançarem o caminho estão no centro da preocupação do Cristo. O homem da mão seca, por exemplo, estava privado de sua dignidade, do respeito e da capacidade de colaborar com a criação e com a sociedade. Ele estava impossibilitado de trabalhar para o seu sustento e para fazer o bem à sociedade. Para os fariseus, que não relacionam a fé com a vida real, essa situação não era preocupante, mas parecia normal. No entanto, aos olhos de Jesus, a situação desse homem jamais poderia passar despercebida.


Ao contrário das autoridades religiosas que possuíam a dureza de coração, Jesus sentia compaixão pelas necessidades e pelas fragilidades humanas. A Lei não é absoluta e deve ser lida segundo a ótica da vida. A verdadeira Lei é a da compaixão e da misericórdia ao outro. Ao fazer do sábado um dia de relação com Deus, consequentemente, deve-se cuidar e observar as necessidades de todos.

O sábado e toda a Lei foram feitos para o bem da humanidade, para a sua plena realização e libertação. Jesus coloca o homem no centro do culto e, com isso, nos ensina que o bem da pessoa humana deve estar acima de toda e qualquer lei ou preceito religioso ou desumano. Ele ordena que o homem ocupe o lugar da Torá. A mão curada daquele homem significa a salvação de uma vida, o retorno de suas atividades e a restauração de sua dignidade.

Ainda hoje, existem em nosso meio a intolerância e o fanatismo. Eles revelam a dureza de coração e o distanciamento da Lei do Amor. Ao intransigente, não importa qual seja a necessidade ou a força da dor. Para ele, é mais importante salvar a Lei e deixar morrer o outro do que salvar a maior obra da criação divina. O pior é quando utilizam o nome de Deus para julgar e condenar. Com a falta de compaixão e de empatia, o homem intolerante é cruel, malvado e desumano. Com a Lei na mão e a opressão no coração, ele constrói um tribunal interior que julga todos e condena alguns, acreditando cumprir a “lei” e agradar o coração de Deus.

 

Senhor, permita-me entender que a verdadeira Lei é a da compaixão pelo outro. Ensina-me a observar as necessidades de todos, salvar vidas e restaurar dignidades. Conceda-me o dom de entender e salvar não a Lei, mas a maior obra da criação divina: o ser humano, meu irmão. Que o teu coração misericordioso e cheio de compaixão seja o centro de meu discipulado nesta vida.


LFCM.

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