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A recriação do mundo e do homem

  • Foto do escritor: Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
    Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
  • 16 de abr. de 2022
  • 5 min de leitura

A manhã da Páscoa nos traz um antigo e sempre novo anúncio: Cristo ressuscitou! As leituras bíblicas contêm o ápice da mensagem pascal e a recordação dos compromissos da vida nova em Jesus Ressuscitado: “Na vossa Ressurreição, ó Cristo, alegrem-se os céus e a terra”. As narrativas evangélicas que referem as aparições do Ressuscitado, concluem-se com o convite de superar qualquer incerteza, confrontando o acontecimento com as Escrituras, anunciando que Jesus, além da morte, é o eterno vivente, fonte de vida nova para todos aqueles que creem: “Ele [...] imolado, já não morre; e, morto, vive eternamente”.


A Páscoa de Cristo é o mistério fundamental e a realidade na qual está alicerçada nossa fé. Não se trata de uma verdade intelectual, mas de uma verdade que toca a nossa vida e a nossa história: “Páscoa de Cristo na Páscoa da gente, páscoa da gente na Páscoa de Cristo”. Esse movimento permite uma relação entre o evento histórico-salvífico e o símbolo sacramental. O dia de hoje é origem e, simultaneamente, meta para a nossa vida: “vencendo a corrupção do pecado, realizou uma nova criação. E, destruindo a morte, garantiu-nos a vida em plenitude”, fazendo com que o amor fosse mais forte do que a morte. De fato, mediante a ressurreição de Jesus o amor revela-se mais forte do que a morte, mais forte do que o mal. O amor O fez descer e, ao mesmo tempo, O fez forte para subir e viver.


Os sentimentos de preocupação, de desespero, de desconfiança e de medo prevalecem nas narrativas evangélicas do dia da Páscoa. Não há qualquer vestígio de Jesus Ressuscitado, apenas uma pedra retirada inexplicavelmente, um túmulo vazio, faixas de linho no chão e o convite a procurá-lo, além daquele espaço simbólico de morte. A vida eterna e a bem-aventurada imortalidade não é nos dada por força e poder nossos, mas apenas nos é concedida quando mantemos uma relação de comunhão existencial com Aquele que é o caminho, a verdade e o amor.


O texto começa cronologicamente, mas deve ser entendido, muito mais do que apenas um dado cronológico. Ele deve ser lido e entendido teologicamente: “no primeiro dia da semana”. Um novo ciclo é iniciado: a nova criação, a Páscoa definitiva. A partir da morte e da ressurreição de Jesus começa um novo tempo, o tempo do homem novo, estruturado não a partir do pecado, mas a partir da destruição do pecado.

Dessa maneira, o evento pascal inaugura um “tempo novo” abrindo a estrada para que todos tornem-se “homens novos”, construtores de humanidades novas com o desejo de consolidarem novos céus e nova terra: “como a sua Paixão significou a nossa vida antiga, assim a Ressurreição é sacramento de vida nova”.

O evangelista João narra a história com um duplo movimento: Maria Madalena correu até os discípulos para anunciar o fato do túmulo vazio. Pedro e o outro discípulo correram em direção ao túmulo vazio para confirmar o anúncio de uma mulher apaixonada. Ela correu pelo medo de terem roubado o corpo do seu amado e por imaginar a possibilidade de nunca mais conseguir tocar esse corpo. Pedro correu para confirmar o fato trazendo consigo o “discípulo amado”. A força da Ressurreição fez Maria Madalena, Pedro e o “outro discípulo” correrem e despertarem-se do sono da tristeza, da decepção e do remorso.

Neste sentido, a Ressurreição não significa apenas o fato complexo de um morto retornar à vida, mas revela um evento que acontece na vida dos vivos. Não é uma simples aceitação mental e racional, mas uma ação concreta e real.

Maria Madalena foi quem primeiro observou a pedra retirada e o sepulcro aberto. Não sendo tocada pela fé da certeza da prometida ressurreição, ela desesperou-se por não mais conseguir tocar o corpo de Jesus. Madalena experimentou o vazio existencial do amor: não há nada, nenhum sinal e nem mesmo o cadáver do seu amado. Não havia nada para que pudesse se agarrar e fazer o rito do luto. O seu coração experimentava somente a dor pelos acontecimentos dos últimos dias: a força da violência, a perda do seu verdadeiro amor e a amargura pela traição dos homens. Dessa forma, o seu desespero transformou-se numa expressão de sofrimento dita aos outros discípulos: “tiraram o Senhor do túmulo”.


Pedro e o discípulo amado por Jesus correram porque, apesar de suas dúvidas e fraquezas, seus corações desejavam encontrar novamente o Mestre. Eles expressam duas diferentes formas de buscar o Senhor. Pedro é a imagem de uma fé cansada que gostaria de correr, mas não pode. É uma fé marcada pela negação e que, por isso, precisa percorrer um caminho de reconciliação. Ele precisa ser curado e acolhido pelo amor do Senhor. Pedro, apesar de ver, continua não acreditando. Ao contrário, o discípulo que fez a experiência do amor e que não se afastou da cruz é capaz de correr. Ele é a imagem de uma fé jovem. Vislumbra, não entra, apenas sente e seu sentimento basta-lhe para acreditar. Tendo experienciado o amor, não há necessidade de especular para acreditar.


O caminho da fé desses três personagens é um itinerário do VER. Maria viu que a pedra tinha sido derrubada e supôs que haviam roubado o corpo do Senhor. Os dois discípulos viram “as faixas de linho deitadas no chão e o pano que tinha estado sobre a cabeça de Jesus”. Ambos viram que o visível se transformou em invisível encontrando apenas sinais de morte. No entanto, esses sinais os permitiram ir além, pensando a possibilidade de que algo diferente havia acontecido. O discípulo amado “viu e acreditou”. A inteligência do amor e a fé nas Escrituras o permitiu sentir que o Amor não estava morto.


Em contrapartida, a “ignorância” também acompanhou o caminho da compreensão do acontecimento da Ressurreição. Maria Madalena afirma “não sabemos onde O colocaram” e os discípulos “ainda não tinham entendido as Escrituras”. A Ressurreição é um evento inédito, um fato impensável, um episódio desconcertante. Ela é novidade de Deus que recria o mundo e o homem. Ela é a resposta concreta do amor do Pai ao desespero da morte de seu Filho na cruz. Estando despreparados os discípulos se esforçam para entender a revelação. Somente o discípulo amado, diante do mistério do amor, sente que é necessário deixar aquele espaço de morte para que a Boa Nova da recriação de Deus fosse manifestada a todos.



Senhor, ajuda-me a compreender o misterioso duelo do forte com o mais forte, da vida que vence a morte. Torna-me consciente de que o evento da ressurreição não é apenas uma simples aceitação mental e racional, mas uma ação concreta e real em minha vida. Ensina-me a viver um tempo novo no qual meu ser não seja estruturado a partir do pecado e da morte, mas a partir da ressurreição e da vida. Ajuda-me a construir humanidades novas com as quais eu possa revelar que a força do amor é mais forte do que as amarras do ódio.


LFCM.

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1 Comment


Marcia Severo
Marcia Severo
Apr 17, 2022

Muito lindas essas palavras. Quero viver todos os dias um tempo novo. Gratidão Frei. Feliz Páscoa para todos os dias das nossas vidas. 🙏🏻🙏🏿🙏🏽

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