A vibração da gratidão
- Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
- 19 de ago. de 2023
- 4 min de leitura
Atualizado: 26 de ago. de 2023
A Mãe de Deus, preservada de todo o pecado, não poderia ter conhecido a corrupção da morte, pois na Encarnação seu corpo abriu-se perfeitamente para habitar a imensidão do céu e, agora, na Assunção, o céu se abre para assumir e receber o seu corpo. O corpo de Maria não poderia sofrer a corrupção da mortalidade, pois foi quem deu forma humana a Deus.
A festa de hoje exalta o corpo humano. A carne não é a prisão da alma e o corpo não é o impedimento para as maravilhas de Deus. Dessa maneira, somos convidados a renunciar aos constantes dualismos entre alma e corpo e somos convidados a renunciar aos espiritualismos desencarnados. Não é alma de Maria que, provisoriamente, ligada ao seu corpo sobe aos céus, mas a totalidade da sua pessoa, todo o seu corpo que foi animado e estremecido pela penetração do Espírito na Encarnação. Todas as suas dimensões são totalmente assumidas em Deus. Maria é a primeira dos ressuscitados que vivencia o céu de corpo e de alma.
A festa da Assunção é a história de uma discípula que realmente acreditou na Palavra, assumindo os sonhos e os projetos de Deus. Maria, na sua simplicidade, é a primeira a conquistar os céus a fim de nos mostrar que também podemos conquistá-lo. É no ato de reconhecer-se pequena e necessitada que se encontra o segredo do porquê Deus A reconhece grande e cheia de graça. Maria é a “cheia de graça” precisamente porque soube dar espaço para Deus. Ele que é pura graça, encarnando-se no corpo de Maria não pode deixá-la vazia de graça. Ela é cheia porque deixou ser habitada pela Fonte da Graça.
A Assunção não é um fato que acontece apenas no fim dos tempos, mas é uma realidade atual daqueles que se decidem por Deus na vida quotidiana. A Assunção existe em nós quando deixamos fluir o Divino que habita em nós e quando somos plenificamos por viver na presença Dele. Viver a Assunção é ter a certeza de que o nosso coração está em Deus. Habitar a morada eterna do Altíssimo era um fato na vida terrena de Maria. Ela sempre permaneceu confiante na misericórdia onipotente e na providência da bondade divina.
Quando chega na casa da sua prima Isabel, Maria não fala do cansaço da viagem, mas canta um louvor que brota do seu coração. O Evangelho mostra-nos “a vibração da gratidão”. A criança salta de alegria no seio de Isabel que profere palavras de bênção: “Bem-aventurada aquela que acreditou”. Tudo culmina em Maria, que proclama o Magnificat (cf. Lc 1,46-55). Assim, Maria exalta cantando: “grandes coisas fez em mim o Salvador”. A gratidão é o sentimento mais nobre que brota das profundezas do coração do ser humano ao sentir-se cumulado de tantos e incontáveis dons.
Ao cantar, Maria não quer fazer a crônica do tempo, mas quer dizer-nos que, através dela, Deus inaugurou uma mudança na história dando nova ordem às coisas. O cântico orante de Maria profetiza que os poderosos deste mundo não tem a última palavra. Por detrás deste cântico está toda a história da salvação. No Magnificat há a revolução de Deus, a inversão das circunstâncias e a esperança da boa nova do Evangelho.
Olhando para Nossa Senhora na glória, compreendemos que o verdadeiro poder é o serviço e o louvor: este é o caminho para o Céu! Maria foi “assumida” por Deus porque “desceu” ao profundo da história humana, fazendo-se solidária e servidora com prontidão, audácia e ousadia. Sua elevação aos céus não foi uma simples consequência do seu SIM, mas a continuidade do que vivenciou na terra. O serviço, a humildade e o amor são as chaves para entender a ação de Deus na história humana. Maria é a mulher do serviço aos outros e a mulher do louvor e da gratidão a Deus.
Proclamar a Páscoa de Maria implica acreditar que Aquela mulher que deu à luz em um estábulo de animais, que participou do exílio à causa do Filho, que se angustiou procurando-O no Templo, que teve o coração transpassado pela dor de ver seu Filho maltratado e morto, que chorou no silêncio e na solidão do sepulcro, soube ultrapassar os obstáculos da história e soube entender e aceitar os mistérios de Deus durante sua vida. Celebrar a Assunção é vibrar as maravilhas de Deus e é transformar-se pela gratidão interior. A vibração do coração de Maria faz vibrar o nosso coração e aumenta a esperança de que um dia, tal como ela, veremos o Senhor face a face.
A Assunção de Maria é um grande mistério que diz respeito a cada um de nós. Essa festa revela o nosso futuro. Hoje, Maria nos convida a elevar o olhar para as “maravilhas” que o Senhor realizou nela. Com ela, todos os dias, cantemos: grandes coisas o Senhor faz em nós! Este deve ser nosso canto cotidiano. Somente aquele que possui gratidão, louvor e serviço atrai para si e para os outros o que há de melhor: o sentido e a verdade da vida.
Maria, ensina-me a vibrar gratidão, mesmo diante dos cansaços históricos e dos dramas existenciais. Ajuda-me a maravilhar-me pelos planos de Deus em minha vida. Dai-me a graça de reconhecer a elevação do meu coração. Forma-me para o serviço e para o louvor. Quero vivenciar a graça de ser cheio de Deus manifestando a nobreza da humildade e a ternura do olhar.
LFCM
Homilia magnífica e na mesma vibração do Magnificat de Nossa Senhora. Já reli 5 vezes e não me canso.