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A voz da Verdadeira Vida

  • Foto do escritor: Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
    Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
  • 6 de mai. de 2022
  • 5 min de leitura

Atualizado: 14 de mai. de 2022

A passagem do Evangelho de hoje é muito concisa, mas cheia de significados. A liturgia, nos três primeiros domingos pascais, se inspira nas aparições do Ressuscitado. Depois, busca inspirações em “alegorias” que revelam o aspecto central da experiência pascal: o ato de entregar a vida. Crer e anunciar a Ressurreição é confiar na vida que morre a fim de dar lugar à Verdadeira Vida. Dessa forma, o quarto domingo de Páscoa, através de versículos do capítulo décimo do evangelista João, enfatiza a imagem de Jesus como o Bom Pastor.


Nas Escrituras, pastores e ovelhas estão muito presentes porque faziam parte da sociedade pastoral-agrícola na qual surgiu a Bíblia. Ser pastor significava desempenhar um ofício de grande relevância e, por isso, todos tinham a figura do pastor como exemplo de vida. No entanto, em nosso ambiente sociocultural a imagem do pastor não tem tanto significado. Por vezes, acaba provocando indiferença ou rejeição porque ser “pastor das ovelhas” evoca atitudes de domínio, de controle e de paternalismo. O “rebanho” é visto e constituído por ovelhas fracas, amedrontadas, dependentes, que não podem dirigir seus atos e não sabem encontrar pastagens sem a presença manipuladora do “pastor”. Deixando este preconceito de lado, perguntemo-nos sobre o que Jesus quer nos dizer com esta imagem tão característica da sua época e região.


A revelação de Jesus como Pastor enviado por Deus destaca-se no contexto de uma história de fracasso dos pastores históricos de Israel, isto é, dos líderes que fracassaram em sua tarefa e se preocuparam mais em alimentar-se do que em alimentar o rebanho.

Os exemplos dos maus pastores eram bastante frequentes, por isso, Jesus traz a imagem de um pastor diferente: o Bom Pastor. Aquele que conhece cada uma das suas ovelhas e as chama pelo nome. Para Ele, cada ovelha não constitui um objeto substituível, mas uma personalidade singular. Ele não abandona a ovelha que está ferida, doente, perdida, ou ainda que possua um problema físico, mental ou moral.

A imagem do Pastor é uma das mais antigas representações de Jesus. No mundo antigo, o pastor era o responsável pela eventual perda das ovelhas que saíam do cercado pela manhã para retornar à noite. Jesus não apenas expressa sua responsabilidade pessoal para com as ovelhas, mas faz a diferença com a figura usual do Pastor: Ele não é mercenário, não é pago para realizar esse serviço, mas as ovelhas O pertencem individualmente. Com razão, há uma relação estreita, um vínculo afetivo entre o Pastor e as ovelhas. Uma relação estabelecida através da familiaridade e do reconhecimento de sua voz.


O Bom Pastor, revelado por Jesus, nada tem a ver com os pastores comuns, pois estes vivem do seu rebanho, enquanto o Cristo, dá a vida por suas ovelhas. Não é o rebanho que alimenta o Pastor, mas o Pastor que, com sua própria carne, alimenta o rebanho. Desse modo, Jesus está falando de um Pastor que não é outro senão Ele próprio.

O Bom Pastor é o oposto do pastor assalariado, que faz esse ofício apenas para ser pago. O pastoreio de Jesus se realiza mediante algumas ações: falar, conhecer, proteger e dar a Vida Eterna. Aos verbos e aos gestos que descrevem o modo como Jesus, o Bom Pastor, correspondem os verbos relativos às ovelhas: “Ouvem a minha voz”, “seguem-me”. São gestos que mostram de que modo as ovelhas correspondem às atitudes ternas e amáveis do Pastor.

A imagem é bela e a mensagem é singela: “as minhas ovelhas escutam a minha voz, Eu as conheço e elas Me seguem”. A afirmação de Jesus “Eu sou o Bom Pastor” refere-se à realização de uma promessa. Jesus é o Pastor enviado por Deus para cuidar do povo que vivia como ovelhas sem pastor (Mc 6,34). Ele é o Bom Pastor porque foi enviado para livrar as ovelhas da morte mostrando que sua presença é capaz de separar daquilo que representa morte, como o mercenário e o lobo.


Na linguagem bíblico-hebraica esse conhecimento não é tanto intelectual, mas existencial. Trata-se de um conhecimento mútuo, íntimo e integral. Um conhecer que implica amar, pertencer-se e estar vinculado um ao outro. Além disso, o conhecimento entre Jesus e as Suas ovelhas é posto em paralelismo com o conhecimento entre Jesus e Deus Pai. Ele declara: “Conheço as Minhas ovelhas e as Minhas ovelhas conhecem-Me, tal como o Pai Me conhece e Eu conheço o Pai”.

Este forte laço entre Jesus, o Bom Pastor, e as Suas ovelhas será a razão pela qual “ninguém as arrebatará” das Suas mãos e das mãos do Pai. A unidade é tão forte que não há possibilidade de separação. Da mesma forma que há a relação de unidade, de vontade e de cumplicidade entre Jesus e o Pai, deve-se haver entre o Pastor e as ovelhas.

O Pastor não é bom porque simplesmente cuida das suas ovelhas, mas porque oferece sua própria vida por elas. O pastoreio de Jesus não tem nada a ver com poder que controla, com o autoritarismo que incomoda, com o paternalismo que infantiliza e com um produto que se vende. Suas palavras e suas atitudes têm o intuito de oferecer vida e existência de modo livre e incondicional. Elas querem despertar tudo o que está atrofiado e adormecido no ser humano. Aqueles que escutam sua voz sentem que há a Verdadeira Vida, que alimenta e dá sentido à própria existência. Assim, o Bom Pastor é aquele que consegue evocar a mais profunda verdade do ser humano e provocá-lo a potencializar os seus melhores recursos internos.


O conhecimento entre as ovelhas e o Pastor passa pelo escutar a voz. Esse é um processo de aprendizado e de relação. Qualquer tipo de relação é iniciada pelo reconhecimento da voz do outro. Por exemplo, a criança no útero reconhece a voz da mãe e daqueles mais próximos dela. Assim, seja dentro do útero como após o nascimento, há sempre reações quando se escuta novamente as vozes.

Da mesma forma, quanto mais as ovelhas se familiarizam com a voz do Pastor, mais facilmente podem reconhecê-La em diversos momentos. O Evangelho nos ensina que o reconhecimento da voz de Jesus é a certeza de um vínculo profundo, de longo tempo e que nos garante a Vida Eterna.

Quase nunca fazemos distinção entre ouvir e escutar. Ouvir é o ato fisiológico de perceber um som externo. Escutar, por outro lado, é perceber o som interno ou a vibração do som no interior. É a percepção do quanto um determinado som, barulho ou voz ressoa internamente em mim. O escutar não é um ato apenas fisiológico e externo, mas um ato consciente e interno. Podemos dizer que “crescemos” no seguimento e “nascemos” para a Vida Eterna quando conseguimos passar do ouvir para o escutar. Do ouvir superficialmente para o escutar de maneira profunda. Um escutar interno que traz verdade a si mesmo, aos outros e a Deus. Portanto, escutar e seguir são os elementos que dão vínculo eterno e decisivo entre o homem e Deus.


Senhor, quanto é bela a imagem que trazes de um pastor diferente. Dá-me um ouvido que escutar. Permita-me que ao escutar a tua voz a minha existência seja transformada. Ensina-me a conhecer-Te de modo real e profundo. Ajuda-me a seguir-Te sempre e por toda a parte. Escutar-Te, conhecer-Te e seguir-Te são as atitudes fundamentais para que eu tenha uma existência transfigurada, consciente e pascal.


LFCM.

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