O lugar central do episódio evangélico de hoje é a salvação doada por Cristo. O desejo de Jesus de dar vida marcava seus encontros e suas relações. O personagem central da narrativa é um homem cego de nascença. Os discípulos fizeram uma pergunta quando perceberam que Jesus estava olhando o homem cego e centralizaram a observação no pecado, enquanto Jesus viu que aquele sofrimento serviria para a manifestação da glória de Deus.
O olhar de Jesus era oposto do olhar dos discípulos. Jesus não via um doente, mas um ser humano. Os discípulos não viam um homem, mas um caso. Na mentalidade deles estava inerente a compreensão de que toda doença era sinal da ira e da vingança de Deus. Mesmo caminhando com Jesus, eles não conseguiam reconhecer o rosto amoroso de Deus. Também, a pergunta dos discípulos pode ser a pergunta que trazemos nos nossos dias mediante as maldades e catástrofes que nos acontecem. É uma blasfêmia acreditar no castigo de Deus.
Todo o relato é simbólico. A linguagem bíblica sintetiza o contraste entre escuridão e luz. Na Bíblia, a escuridão tem sempre conotação negativa. É símbolo do poder tenebroso do mal, da morte, da perdição. Ao contrário, a luz representa a orientação para Deus, a iluminação, a escolha do bem e da vida.
O resplandecer da luz nas trevas opera uma passagem das trevas à Luz. A experiência de salvação vem expressa como irrupção da luz num contexto de trevas. A Luz está unida ao bem e à beleza. A cura do homem cego foi colocada no contexto da Festa das Tendas em que havia uma explosão de alegria e em todas as liturgias havia muita luz e água (Jo 7). Toda festa acontecia ao redor da famosa “Piscina de Siloé”. Foi nela que o cego confirmou ter recebido o dom da visão.
Durante essa festa de luz que Jesus afirmou: “Eu sou a luz do mundo. Quem me segue, não caminhará na escuridão, mas terá a luz da vida” (Jo 8,12). No último e principal dia da festa, o mais solene, ao passar, Jesus viu esse homem cego. O contexto festivo torna-se essencial para conseguirmos compreender a mensagem teológica do texto. O gesto terapêutico de Jesus recorda o gesto originário da criação humana: Deus tira o homem da lama e põe dentro dele o sopro da vida. Jesus cuspiu no chão, fez lama com a saliva e a colocou sobre os olhos do doente. Assim, Ele não apenas devolveu a visão ao cego de nascença, mas o fez nascer de novo. Quando o Senhor abre os nossos olhos, Ele nos dá vida nova e nos faz nascer novamente.
Jesus não criou uma teoria sobre a origem da cegueira (quem pecou?). O cego não tinha culpa por ter nascido desse modo: “Nem ele nem seus pais pecaram, mas isso serve para que as obras de Deus se manifestem nele”. Aqui aparece o simbolismo do evangelista João. A cegueira é a condição de todo homem. Para o homem cego tudo parecia normal. Ele não fazia ideia do que era a luz, tanto que não lhe passava pela cabeça pedir a cura. É Jesus quem toma a iniciativa de curá-lo ao perceber sua cegueira. Com a cura Jesus mostra que a salvação é dom totalmente gratuito e ofertado por Deus. Aderir ao projeto salvífico é acreditar numa visão nova, transformada e iluminada, pois na presença de Deus tudo se ilumina fazendo desaparecer as trevas.
Tendo sido iluminado por Jesus, o cego de nascença tornou-se irreconhecível. Todos tinham dúvidas da procedência daquele homem, pois o conheciam desde pequeno. Uns diziam: “Sim, é ele!” Outros afirmavam: “Não é ele, mas alguém parecido com ele”. Ele, porém, dizia: “Sou eu mesmo!” A iluminação do seu rosto e a clareza do seu olhar mostrava que algo havia mudado. Ele não era o mesmo e não mais mendigava nas ruas manifestando sua insatisfação. Ele já não era um mendigo marginalizado pela comunidade, não era um escravo da cegueira e do preconceito.
Tudo nele era diferente: seu julgar, falar, pensar e sentir. Seu encontro com Cristo fez dele um novo homem. Pouco a pouco, o cego foi ficando sozinho. Seus pais não o defendiam. Os dirigentes religiosos o expulsavam. Ele vendo a realidade com o olhar de Deus, não cabia mais dentro da sinagoga, lugar de atrofiada visão sobre Deus e sobre o homem. Do mesmo modo que Jesus teve que sair do templo, o cego que recebeu a luz foi expulso da sinagoga.
Os prodígios que Jesus realiza não são gestos espetaculares, mas destinam-se à condução da fé através do caminho de transformação interior. O evangelista escreve que essa mudança foi longa. O cego não tinha noção de que fora Jesus quem o havia curado. Ele dizia: “Aquele homem chamado Jesus fez lama, colocou-a nos meus olhos e disse-me: 'Vai a Siloé e lava-te'. Então fui, lavei-me e comecei a ver”. Ao ser perguntado onde Jesus estaria, o cego dizia não saber. Sua única certeza era de que seus olhos estavam abertos: “Se ele é pecador, não sei. Só sei que eu era cego e agora vejo”. Mesmo sendo tocado por Jesus, ele continuava a professar sua ignorância diante do mistério de ter sido iluminado: “Se este homem não viesse de Deus, não poderia fazer nada”. Em suas respostas, observamos a liberdade e a coragem com que falava, diferente de seus pais que tinham medo das autoridades e da perda dos privilégios que o estado lhes garantia por serem religiosos.
O cego percorre um caminho de fé que corresponde ao de todo discípulo. No início, Jesus é para ele um simples “homem” (v. 11). Depois se torna um “profeta” (v. 17). Agora é um “homem de Deus” (v. 32-33). Por fim, é o “Senhor” (v. 38). Este deve ser nosso caminho relacional com o Senhor. A fé é um itinerário de experiência e de conhecimento. Não pode estacionar-se nas poucas compreensões. O Senhor é maior e mais surpreendente do que nossas próprias fantasias religiosas.
Na caminhada salvífica de nossa história devemos encontrar ocasiões para iluminar nossos raciocínios infantis eliminando compreensões ingênuas do que seja a vida e de quem seja Jesus.
Com a luz da fé, aquele cego descobre sua nova identidade. Em certa medida, todos somos cegos e, por isso, o caminho espiritual que Jesus nos ajuda a percorrer é um itinerário que nos possibilita ver melhor, conhecer-nos a nós mesmos e, sobretudo, conhecer profundamente quem é Ele. O Senhor deseja nos curar da cegueira que nos impede de ver a verdade que nos liberta. Somos cegos quando ficamos fechados em mentalidades, critérios e ideologias distante do Evangelho de Jesus. Somos cegos quando optamos pelo fanatismo religioso, pela intolerância hostil e pela indiferença agressiva. Portanto, não basta receber a Luz, é preciso tornar-se luz. Para isso, é necessário mudança radical de mentalidade e capacidade de julgar situações, segundo os valores divinos. A salvação é o novo nascimento. É a descoberta de novas iluminações. É o desejo de iluminar tudo e todos.
Senhor, dá-me o teu olhar. Ensina-me a não condenar o outro por sua condição. Ajuda-me ver além das aparências. Necessito ser iluminado com tua luz para nascer de novo. Que a adesão ao teu projeto de amor me ajude ter uma visão nova, transformada e iluminada. Que o meu julgar, falar, pensar e sentir seja iluminado por tua Luz. Conceda-me fé amadurecida e conhecimento progressivo. Que ao receber tua Luz eu me torne luz na vida de todos que vivem próximos a mim.
Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo segundo João9,1-41
Naquele tempo,
1 ao passar, Jesus viu um homem cego de nascença.
2 Os discípulos perguntaram a Jesus: "Mestre, quem pecou para que nascesse cego: ele ou os seus pais?"
3 Jesus respondeu: "Nem ele nem seus pais pecaram, mas isso serve para que as obras de Deus se manifestem nele.
4 É necessário que nós realizemos as obras daquele que me enviou, enquanto é dia. Vem a noite, em que ninguém pode trabalhar.
5 Enquanto estou no mudo, eu sou a luz do mundo".
6 Dito isto, Jesus cuspiu no chão, fez lama com a saliva e colocou-a sobre os olhos do cego.
7 E disse-lhe: "Vai lavar-te na piscina de Siloé" (que quer dizer: Enviado). O cego foi, lavou-se e voltou enxergando.
8 Os vizinhos e os que costumavam ver o cego - pois ele era mendigo - diziam: "Não é aquele que ficava pedindo esmola?"
9 Uns diziam: "Sim, é ele!" Outros afirmavam: "Não é ele, mas alguém parecido com ele". Ele, porém, dizia: "Sou eu mesmo!"
10 Então lhe perguntaram: "Como é que se abriram os teus olhos?"
11Ele respondeu: "Aquele homem chamado Jesus fez lama, colocou-a nos meus olhos e disse-me: 'Vai a Siloé e lava-te'. Então fui, lavei-me e comecei a ver".
12 Perguntaram-lhe: "Onde está ele?" Respondeu: "Não sei".
13 Levaram então aos fariseus o homem que tinha sido cego.
14 Ora, era sábado, o dia em que Jesus tinha feito lama e aberto os olhos do cego.
15 Novamente, então, lhe perguntaram os fariseus como tinha recuperado a vista. Respondeu-lhes: "Colocou lama sobre meus olhos, fui lavar-me e agora vejo!"
16 Disseram, então, alguns dos fariseus: "Esse homem não vem de Deus, pois não guarda o sábado". Mas outros diziam: "Como pode um pecador fazer tais sinais?"
17 E havia divergência entre eles. Perguntaram outra vez ao cego: "E tu, que dizes daquele que te abriu os olhos?" Respondeu: "É um profeta."
18 Então, os judeus não acreditaram que ele tinha sido cego e que tinha recuperado a vista. Chamaram os pais dele
19 e perguntaram-lhes: "Este é o vosso filho, que dizeis ter nascido cego? Como é que ele agora está enxergando?"
20 Os seus pais disseram: "Sabemos que este é nosso filho e que nasceu cego.
21Como agora está enxergando, isso não sabemos. E quem lhe abriu os olhos também não sabemos. Interrogai-o, ele é maior de idade, ele pode falar por si mesmo".
22 Os seus pais disseram isso, porque tinham medo das autoridades judaicas. De fato, os judeus já tinham combinado expulsar da comunidade quem declarasse que Jesus era o Messias.
23 Foi por isso que seus pais disseram: "É maior de idade. Interrogai-o a ele".
24 Então, os judeus chamaram de novo o homem que tinha sido cego. Disseram-lhe: "Dá glória a Deus! Nós sabemos que esse homem é um pecador".
25 Então ele respondeu: "Se ele é pecador, não sei. Só sei que eu era cego e agora vejo".
26 Perguntaram-lhe então: "Que é que ele te fez? Como te abriu os olhos?"
27 Respondeu ele: "Eu já vos disse, e não escutastes. Por que quereis ouvir de novo? Por acaso quereis tornar-vos discípulos dele?"
28 Então insultaram-no, dizendo: "Tu, sim, és discípulo dele! Nós somos discípulos de Moisés.
29 Nós sabemos que Deus falou a Moisés, mas esse, não sabemos de onde é".
30 Respondeu-lhes o homem: "Espantoso! Vós não sabeis de onde ele é? No entanto, ele abriu-me os olhos!
31Sabemos que Deus não escuta os pecadores, mas escuta aquele que é piedoso e que faz a sua vontade.
32 Jamais se ouviu dizer que alguém tenha aberto os olhos a um cego de nascença.
33 Se este homem não viesse de Deus, não poderia fazer nada".
34 Os fariseus disseram-lhe: "Tu nasceste todo em pecado e estás nos ensinando?" E expulsaram-no da comunidade.
35 Jesus soube que o tinham expulsado. Encontrando-o, perguntou-lhe: "Acreditas no Filho do Homem?"
36 Respondeu ele: "Quem é, Senhor, para que eu creia nele?"
37 Jesus disse: "Tu o estás vendo; é aquele que está falando contigo". Exclamou ele:
38 "Eu creio, Senhor!" E prostrou-se diante de Jesus.
39 Então, Jesus disse: "Eu vim a este mundo para exercer um julgamento, a fim de que os que não veem, vejam, e os que veem se tornem cegos".
40 Alguns fariseus, que estavam com ele, ouviram isto e lhe disseram: "Porventura, também nós somos cegos?"
4 Respondeu-lhes Jesus: "Se fôsseis cegos, não teríeis culpa; mas como dizeis: 'Nós vemos', o vosso pecado permanece". Palavra da Salvação.
Bom Dia Frei. Gratidão por me enviar. Quero ter um olhar de fé “amadurecida “sobre todas as coisas. Paz e Bem