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O humano desejo de Deus

  • Foto do escritor: Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
    Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
  • 29 de dez. de 2021
  • 4 min de leitura

Atualizado: 1 de jan. de 2022

A festa da Sagrada Família, celebrada durante a oitava do Natal do Senhor, não tem o intuito de fazer discursos sobre a família, mas nos traz uma revelação maior do que todas as palavras que poderiam ser ditas sobre a família: "Deus quis nascer e crescer numa família humana". De fato, o Natal nos coloca diante do grande mistério da fé cristã: Deus se faz homem, amando-nos de tal modo que, se torna aquilo que nós somos, para que nós nos tornemos aquilo que Ele é.


Jesus marca um novo começo na história universal da salvação, pois nasce numa família humana. Essa história poderia ter acontecido de outra maneira. O Cristo podia ter vindo como um guerreiro, de espada na mão, tendo um poderoso império com milhares de súditos ao seu redor. Entretanto, Ele nos vem como uma criancinha frágil, nascida de uma mulher e protegida por um homem da carpintaria. Este fato revela o quanto o projeto da Encarnação é humano, pois Jesus nasce de uma família humana, preparada desde sempre pelo Eterno.


Doze anos após seu nascimento, Maria e José, juntamente com Jesus, sobem à Jerusalém para cumprir os preceitos pascais no Templo. A primeira vez que Ele entrara no Templo havia sido quarenta dias após seu nascimento, quando seus pais ofereceram “um par de rolas ou duas pombinhas”, isto é, o sacrifício dos pobres, como era previsto pela lei judaica. Desta vez, a ida ao Tempo é por comemoração pascais dos judeus.


No retorno para Nazaré, os pais não perceberam que o Filho havia ficado em Jerusalém e caminharam um dia inteiro sem que o adolescente estivesse com eles. O Evangelho de hoje nos narra um fato desconcertante. Após três dias de busca e de temor, acharam-no, no Templo, sentado em meio aos doutores da lei, debatendo com eles. Jesus tinha apenas doze anos e não havia atingido a maioridade, que de acordo com o judaísmo, comemoraria no ano seguinte. Entretanto, a cena do Evangelho revela um rapazinho desejoso de sua própria autonomia, buscando seu próprio caminho.


Maria e José angustiados por perceberem a ausência de seu Filho, voltaram todo o caminho procurando-o por três dias. No terceiro dia, encontra-o no Templo, tranquilo e sem receios, em meio aos doutores das escrituras. A admiração toma conta de Maria e José ao ver tal cenário. A mãe não hesita em repreendê-lo: “Olha que teu pai e eu estávamos, angustiados, à tua procura”.


As palavras de Maria nos permitem sentir a preocupação de tantas "Marias e Josés" que, com o mesmo sentimento da família de Nazaré, angustiam-se, amedrontam-se ou, até mesmo, são incompreendidos quando desejam educar seus filhos. A angústia dos pais de Nazaré ao se depararem com questões inesperadas e com o comportamento indecifrável do Filho adolescente acena o nosso mesmo cenário familiar.


O Evangelho não enfatiza a inteligência e a coragem que Jesus teve ao permanecer no Templo sem sua família, mas nos prepara para a resposta dada à sua mãe, preocupada e surpresa. As primeiras palavras pronunciadas por Jesus-adolescente são de extrema importância, pois sinalizam seu programa de vida e efetivam o sentido da sua existência: “Por que me procuráveis? Não sabíeis que devo estar na casa de meu Pai?”. Lucas nos diz que a primeira palavra pública de Jesus é esta: “Pai”. Isso nos impressiona e nos conforta, pois, também, é a sua última palavra: "Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito". Eis a prova de que Jesus, durante toda sua vida, manteve um relacionamento de reciprocidade com Deus.


O episódio de Jesus no Templo entre os doutores é encontrado somente em Lucas. A narrativa revela que Jesus é cheio de zelo pelo Templo e por Deus. As palavras do adolescente contradizem às de sua mãe: “teu pai e eu...” mas Jesus diz “na casa de meu Pai”, não referenciando ao casal, mas somente a Deus. A narrativa continua: “seus pais não compreenderam o que ele lhes tinha dito”. A resposta de Jesus feita como duas interrogações é intrigante e cheia de revelação: Ele tem a missão de cumprir algo para além da sua família humana. Embora cônscio de seu projeto de vida, Ele volta com seus pais à Nazaré. Permanece obediente e continua crescendo “em sabedoria, tamanho e graça diante de Deus e das pessoas”.


Na oitava do Natal é preanunciado o mistério da Páscoa. O episódio é uma profecia da última viagem que Jesus fará a Jerusalém: a viagem da sua Paixão, Morte e Ressurreição. Nas duas viagens, Jesus vai ao Templo durante as festas pascais. Nas duas há angústia daqueles que estão perto Dele. Na primeira, Maria e José são os angustiados; na segunda, os discípulos são os que ficam tristes, com medo e sem rumo, ao ouvirem o anúncio da paixão.

Em Jerusalém, o menino Jesus fica desaparecido por três dias. Também em Jerusalém, o Deus homem fica três dias no seio da terra. Maria procura o menino Jesus no meio da caravana, enquanto as mulheres O procuram no túmulo: tanto Maria, no início da vida de Jesus, como as mulheres no final do Evangelho, são símbolos daqueles que buscam o Senhor no desejo de reencontrá-lo.


Senhor, contemplá-lo como homem nascido do uma mulher, com o amparo de um homem comum constituindo uma família humana é a prova do teu amor. O caminho mais natural e simples foi sua escolha para fazer-se presença. O mistério da tua Encarnação é para mim tão familiar que sinto-me admirado e agradecido. Uma família foi sua morada para revelar-me a importância de que os vínculos primários são necessárias para me tornar virtuoso, terno, compreensivo, capaz de exercer o perdão diariamente e crescer em sabedoria, estatura e graça. Dai-me o dom de jamais desistir de te buscar, em todos os lugares, embora os três dias, às vezes, pareçam não ter fim. Desejo sempre te encontrar e te abraçar onde quer que estiveres.


LFCM.

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