Deus no controle de tudo

A narrativa do Evangelho de hoje é uma das mais conhecidas. Temos um milagre com grande densidade simbólica. A cena é interessante e dramática. O barco, a travessia do mar, as ondas, a escuridão da noite, o sono de Jesus, o vento, a tempestade e o medo são imagens bem conhecidas, sobretudo, porque aparecem com frequência na Bíblia.

A passagem narra um episódio presente nos três evangelistas com algumas diferenças de detalhes e de substância. Lucas e Mateus dizem que Jesus entrou no barco (Mt 8,23; Lc 8,22). Marcos afirma que é Jesus quem convida os discípulos a subir: “Vamos para a outra margem”.

Estamos diante de uma narrativa teológica cujo objetivo não é mostrar a capacidade de Jesus em realizar coisas extraordinárias, mas revelar gradualmente sua identidade. A capacidade narrativa de Marcos e seu realismo superam as versões de Mateus e Lucas que transformam o episódio em parábola.

Enquanto estão atravessando o mar, os discípulos são surpreendidos por uma ventania e por uma tempestade. Jesus estava na parte de trás, dormindo sobre um travesseiro. Em Mateus, quase com medo, os discípulos se aproximam e dizem: “Senhor, salva-nos, estamos perdidos”. Em Lucas, com grande reverência, invocam: “Senhor, Senhor”. Ao contrário, em Marcos, os discípulos vivendo uma tensão, se aproximam de Jesus de maneira grosseira e o cobram: “Mestre, estamos perecendo e tu não te importas?”.

Diante do medo e do desespero, Jesus torna-se um Mestre comum, não sendo reconhecido como Senhor. Ao máximo, Ele pode os consolar com a sua sabedoria e ajuda-los a enfrentar a tempestade e a prepotência do mar. O medo os faz esquecer a fé na autoridade de Jesus. Por conseguinte, diante da falta de fé, Jesus repreende o vento e exorciza o mar.

Com efeito, Jesus repreende os discípulos com duras palavras. Ele não somente lhes pergunta: “Por que sois tão medrosos?”, mas acrescenta: “Ainda não tendes fé?”. Diante dessas palavras críticas e do milagre visto com os olhos, pergunta os discípulos: “Quem é este, a quem até o vento e o mar obedecem?” A tempestade, paradoxalmente, proporciona uma pergunta crucial: quem é Jesus?

Os discípulos têm boas razões para fazer essa pergunta. Aprenderam que só Deus tem o poder sobre as ondas do mar. Se Jesus possui essa autoridade, Ele é o Senhor. Por isso, como Moisés e como todos os que se encontraram com Deus, os discípulos são tomados pelo medo. Não se trata de um medo, de um susto que se apodera de quem se depara com o perigo, mas da admiração de quem reconhece a presença diferente, capaz de dominar todas as potências que ameaçam a vida.

Diante desta narrativa, observamos que o trecho não é simplesmente a história de um milagre, mas uma teofania. É a manifestação da força, da autoridade e do poder salvífico de Jesus. Com essa narrativa, Marcos convoca as comunidades primitivas à profissão de fé.

À semelhança dos discípulos, somos continuamente surpreendidos por tempestades inesperadas. São momentos que nos possibilitam descobrir nossas vulnerabilidades e supérfluas seguranças. As vezes, é como sentíssemos a ausência de Deus. Temos a impressão de que Ele dorme e não ouve o grito dos nossos lamentos. No entanto, sua presença silenciosa exige uma adesão diferente. Quando nos vemos entregues as contradições da vida e da história, é importante lembrarmo-nos daquele a quem o vento e o mar obedecem.

Senhor, faz-me acreditar na tua palavra mais do que nos meus medos. Que a autoridade da tua palavra me permita atravessar o mar e viver os teus projetos. Que a minha adesão de fé me permita aceitar o teu sono e o teu silêncio, na certeza de estás no controle de tudo, de que és presente e de que a qualquer momento pode dizer à fúria do tempo: “Silêncio! Cala-te!”.

LFCM.