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Eu não sou o Messias

  • Foto do escritor: Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
    Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
  • 12 de dez. de 2020
  • 4 min de leitura

Atualizado: 21 de fev. de 2021

O Evangelho de hoje coloca-nos diante de um passo importante da História da Salvação: o testemunho de João Batista. Um homem enviado por Deus, e todos querem saber quem ele é. Por bem três vezes, repetem quase a mesma pergunta. Quem és tu? És tu o Elias? És o profeta?

João, então, confessou e não negou, afirma o Evangelho. Todavia, o método usado por João tem como princípio a negação. João não nega quem ele é, mas confessa quem ele não é. Ao contrário de dizer “eu sou”, prefere dizer por três vezes “eu não sou”.

Essa consciência parte do entendimento que João tem de si mesmo. De fato, para poder testemunhar o Cristo que vem, é necessário saber responder por si e não a partir do que os outros te ensinaram a dizer. O ponto de partida não são os argumentos teológicos e apologéticos, mas o entendimento de si mesmo. Não dos outros, do mundo, da Igreja, mas de si mesmo. Depois, tendo consciência de si mesmo, saber responder à pergunta dos outros sem agressão, violência e defesa, porém com mais verdade, clareza e leveza.


Gostaria aqui de acrescentar um detalhe fora desse contexto. É um dos últimos fatos do Evangelho. Lembram-se de Pedro? Ele também negou por três vezes, na verdade, ele mentiu por três vezes e por pura defesa de si mesmo. Temos uma diferença bem grande aqui. João diz a verdade, Pedro mente. Pedro nega, João confessa.

Voltando ao Evangelho, confesso que encontro nesse trecho uma chave de leitura que pode muito nos ajudar na busca por uma identidade saudável. Vejo que o passo fundamental de uma identidade descoberta de modo saudável é a possibilidade de dizer com muita liberdade o que não se é.

No caminho do discipulado e do seguimento a Jesus, é preciso saber dizer com clareza: Eu não sou o Cristo; nem a pessoa dele; nem a imagem dele; nem imitador dele; nem agente dele; nem outro ele. Apenas desejo seguir um estilo de vida semelhante ao dele.

Por conseguinte, saber que eu não sou o Cristo e não o serei jamais, aliás nem posso ser, faz-me entender bem melhor o Evangelho e o seguimento. Esse torna-se para mim um caminho de beleza e de leveza, não uma máquina que me força a ficar dentro dele e mortificar-me para caber ali.


Hoje em dia, vemos muitos homens e mulheres cansados de viver o Evangelho, em particular, muitos padres e religiosos(as). Sabe por quê? Porque, muitas vezes, foi colocado na cabeça deles que eles têm que ser o Cristo. Com isso, se enganam e enganam os outros. Apropriam-se de formas, identidades e vestes que não são as suas.


Olhando para o testemunho de João, vemos que ele não assume o lugar de ninguém e nem procurou assumir um nome que não era seu. Aliás, do ponto de vista científico, isso se trataria de uma esquisita patologia. Nesse sentido, quando arrogo a possibilidade de ser um outro, elaboro respostas abstratas que são poucos profundas e não dizem nada mais. Sou voz e continuo a ser, mas a minha voz é muda, não atinge e não ressoa.

EU NÃO SOU O MESSIAS. João se define: “eu sou a voz”. Não diz eu sou a Palavra, mas a voz da Palavra. A voz é o instrumento que dá à Palavra existência. A voz sem a Palavra é sem sentido. A Palavra sem a voz é muda. Eis João! A voz que grita a Palavra, ou seja, que grita o Evangelho, assumindo um estilo de vida e uma lógica humana e humanizante.

Ele não é um “místico”, um provocador, um guru ou um porta-voz. Ser voz não quer dizer ser porta-voz. O porta-voz tem a tarefa primordial de explicar a palavra de um outro ou justificar uma palavra que talvez não tenha sido bem compreendida. O porta-voz não é obrigado a viver a palavra. É um encarregado que precisa somente esclarecer os fatos. Ser voz, por exemplo, é querer não justificar a Palavra, mas relançar a Palavra, ou melhor, atualizar a Palavra. Por isso, João grita a Palavra.

Ele não era a luz. Ele é apenas a testemunha da luz. Ele é a revelação do mistério. Eu sou desejo, vontade, inquietação e pura imaginação. Eu não sou aquele que vem, pois ELE está vindo e EU já estou. Então, é lógico que eu não sou aquele que vem. Na verdade, não só João, mas ninguém é a verdadeira luz que ilumina todo homem, senão Cristo, e ninguém pode dizer verdadeiramente “Eu sou”, nem mesmo a Igreja, mas apenas o Cristo.

Com tudo isso, João nos ensina que uma verdadeira e saudável descoberta da nossa identidade passa pela aceitação de um limite e de uma parcialidade, pelo louvor da fragilidade, pela rejeição da onipotência e por uma renúncia da autorreferência.

EU NÃO SOU DIGNO DE DESAMARRAR A SUA SANDÁLIA. Eu batizo na água, ele no Espírito Santo. Dessa forma, João cumpre o seu testemunho, faz a sua confissão de fé envolvida e participa do mesmo destino do Senhor, mas com plena consciência da distância que o separa do Messias.


Para concluir, podemos dizer que é o conhecimento claro de si a condição necessária para conhecer e confessar o Senhor, em espírito e em verdade, e não mentir sobre si mesmo, não se esconder de si mesmo e, obviamente, dos outros. Nesses termos, para ser testemunha do Senhor é preciso saber entrar nesse processo de verdade pessoal, pois a identidade desvelada faz com que o grande mistério seja cada vez mais revelado. É bem a isso que o tempo do Advento está nos convidando progressivamente.

Assim, que a alegria presente neste domingo litúrgico seja a alegria de poder dizer em alta voz, com clareza e com leveza: eu não sou o Cristo e nem sou obrigado a ser. Isso dá um sentido evangélico tão bonito e tão leve para a nossa vida, pois me coloca onde estou e gera em mim um testemunho de perfeita autenticidade. Nesse exame de autenticidade, alegrai-vos. O Senhor está próximo!


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