Motivos, princípios e razões
- Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
- 5 de dez. de 2020
- 4 min de leitura
Atualizado: 21 de fev. de 2021
No domingo passado era a ocasião de uma “noite” o tempo que nos convidava a ficar atentos, hoje o “deserto” é a ocasião da nossa atenção e da nossa preparação. A vigilância e a atenção eram as atitudes primordiais, hoje é a preparação a atitude central. Preparai o caminho do Senhor, grita Isaías no tempo, e grita João no deserto. No deserto, normalmente lugar de morte, nasce o futuro.
O profeta Isaías é um dos protagonistas do tempo do Advento. A sua voz hoje faz bater e rebater os nossos corações. Olhando a primeira leitura chama-me a atenção os verbos: “endireitar“, “aplainar“ e ”abaixar”. Tais ações são muito semelhantes. Por isso, é bem a isso que nos convida o tempo do advento.
Endireitai a estrada para que o Senhor passe na nossa história. Aplainai os sentimentos para que consigamos entender qual o sentido das coisas. Abaixai as montanhas do orgulho e da vaidade para que o passado da nossa vida não consuma o nosso tempo. A partir disso, os novos inícios poderão ser vivenciados com significativa confiança e esperança.
Como fazer? Por certo, não é somente vivendo na ânsia de montar presépios e nem de construir árvores. Os brilhos e as luzes de tudo isso podem até confundir a nossa visão. Então, preparar o caminho do Senhor quer dizer preparar o caminho para que o novo entre. A preparação deve ser encarnação e não encenação.
Aliás, é o toque na carne do menino Jesus que Francisco queria fazer ao montar o presépio e não uma encenação teatral ou uma apetitosa alimentação aos olhos. É uma nova Gênesis, uma nova Criação, um novo início. Podemos preparar mil presépios sem o Cristo nunca ter nascido em nós de verdade e mudado as nossas atitudes arrogantes, sombrias e vaidosas. Assim, preparação é transformação interior que inaugura o tempo do Senhor.
De fato, imediatamente, é de início que o evangelho nos fala. Bela e alegre notícia. É uma palavra que nos encoraja a crer que, em qualquer momento da vida, um novo início seja sempre possível. Mesmo que as situações sejam dramáticas, em todas as partes do mundo e por tantos motivos, acreditar que não temos futuro precisa ser uma atitude distante de quem colocou na sua vida o sabor do evangelho.
No interior grego da palavra “início“ encontramos também os verbos “motivo”, “princípio“ e “razão“. Essas são as bases do movimento interior que o Espírito grita em nós nesse tempo. Temos motivos, temos princípios e temos razões para querer viver melhor!
Sendo assim, no Evangelho, início é boa-notícia. É Ele, a vinda D’Ele, a presença Dele que nos motiva a sonhar os recomeços. Ao mesmo tempo, todo novo início requer uma coragem de não olhar para trás. Lembra-se da mulher do Jó? Olhou para trás e virou sal.
O início é um convite a olhar para frente, a desbloquear em nós os sentimentos de outrora, a libertar-se do peso da desilusão e a esvaziar-se da gordura do ódio e da vingança.
Não há dúvida, iniciar novamente é fazer morrer em nós aquele homem amargurado e que carrega vestes de luto para ser livre e renunciar ao luto, ao choro, ao barulho interior e à dor. Porém, para fazer tudo isso somos chamados à abertura da mente e do coração.
Somos também chamados a ousar, a voar, a romper esquemas, a abaixar a pressão, a ver diferente, a redefinir prioridades e a purificar a fé. Sim, se eu quiser alguma coisa de novo devo preparar-me para alguma coisa de forte.
Essa é a dinamicidade do caminho do Espírito. Existe um passado a ser deixado e um futuro a começar. Na prática, todas as vezes que vamos começar algo temos também que deixar algo. Ao meu modo de ver, isso é ruim. Seria tão bom começarmos algo novo, mas podendo trazer em nós coisas velhas. Mas, lamentavelmente, não é assim.
Quando carregamos o velho, o novo torna-se muito pesado e em algum momento do caminho deixamos o velho e o novo e seguimos sem nada. Com isso, temos mais opções. Ou aprendemos a deixar coisas, pessoas, espaços e situações pelo caminho ou terminaremos sem nada.
Se não abrirmos as mãos, de fato não poderemos receber mais coisas, não poderão entrar na nossa vida novas pessoas e não viveremos nos novos espaços. Essa é a aventura a que o Evangelho nos convida a fazer bem. Exige discernimento e leitura interior.
Nesse sentido, a vida cristã é uma constante iniciação. Uma iniciação não a partir de uma estrutura caduca, folclórica, esotérica e autorreferencial, mas a partir de uma nova experiência cheia de mistério que no caminho o Senhor mesmo vai nos revelando.
Também o próprio Cristo aprende qual é o seu caminho através da estrada que João tinha preparado para ele. Por isso, o Batista é também protagonista do tempo do Advento. Aquele que veio antes inicia o caminho daquele que vem depois. Isso é tradição! Uma comunhão visível de vida, de novas realidades e não de passados tortuosos e estranhos ao Evangelho.
Por tudo isso, Isaías, aceito o seu grito! João, também aceito o seu! Espírito Santo, aplainai a minha estrada interior, abaixai a minha pressão e endireitai os meus sentimentos. Tira-me da noite e do deserto. Maria, faça nascer em mim o teu Cristo, já que tu és também protagonista dessa história.
Bom domingo! Vem Senhor Jesus!
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