O abandono de Deus
- Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
- há 3 dias
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Esta semana nos permite entrar na "morte de Deus" e nos oferece duas narrativas evangélicas. A primeira nos diz sobre a livre entrada de Jesus em Jerusalém para sofrer a paixão. A segunda nos releva Sua paixão ao entregar-se por amor para cumprir o projeto do Pai. A primeira narrativa suscita alegria ao ver Jesus entrar em Jerusalém. A segunda, acende a compaixão ao ver o Senhor morrer por amor. A liturgia nos apresenta as últimas ações simbólicas de Jesus.
Despojado do seu poder divino e de qualquer triunfo, Ele entra em Jerusalém para sofrer a paixão. Ele nos salva, não por meio dos milagres extraordinários, mas aniquilando-se a si mesmo. A escolha de Jesus salienta o cumprimento da era messiânica destacando Sua mansidão. O distintivo do cumprimento da missão divina é revelado quando Jesus não entra montado num cavalo, símbolo da guerra e do poder real. Ele entra num jumento, símbolo da vida quotidiana do povo.
Com seus gestos e ações, Jesus desperta esperanças nos corações, especialmente, dos marginalizados, dos humildes, dos pobres, dos abandonadas e dos pecadores. Mostrando o rosto misericordioso de Deus, Ele reconfigura a imagem construída pelas mãos humanas e domesticada pela estrutura religiosa daquele tempo. Sua missão é marcada não pelo domínio violento que aniquila os inimigos, mas pelo amor manso e misericordioso oferecido a todos os que desejam vida nova em Deus. Seu propósito libertador e sua promessa misericordiosa, fazem Dele um condenado. Ele precisa desaparecer dos meios sociais e dos sacros ambientes para não ser crucificado. Se não desaparecesse, Ele seria calado aceitando a mentalidade hipócrita da sociedade que detinha o controle social pela religião.
Os evangelistas narram a Paixão e a Morte de Jesus na cruz sob diferentes óticas e perspectivas. Alguns, bem mais detalhados, enquanto outros, mais sucintos. Os detalhes de cada narrativa estão relacionados ao contexto vivido por cada comunidade e alicerçados naquilo que acreditam ser necessário para a emissão da mensagem.
Neste ano, proclamamos a narrativa da Paixão, segundo o evangelista Lucas. Ele nos apresenta Jesus paciente, cheio de compaixão e de misericórdia. Somente, esse Evangelho, lembra que, momentos antes de morrer na cruz, o Cristo tem forças para dizer: “Pai, perdoa-lhes porque não sabem o que fazem” (Lc 23,34).
Quando Jesus clama o perdão do Pai, Ele não se refere apenas aos soldados que têm a intenção de dividir suas vestes. Ele se volta aos verdadeiros responsáveis por sua morte: as autoridades religiosas da sua época. Na hora definitiva da cruz, Ele oferece o perdão incondicional. O evangelista Lucas é o único que diz que, a caminho do Calvário, Jesus encontra um grupo de mulheres chorosas que batem no peito e lamentam a morte de um inocente (cf. Lc 23,27-31). Os outros evangelistas buscam enfatizar o comportamento dos discípulos – Judas trai, Pedro nega e todos fogem (cf. Mc 14,50). A delicadeza de Lucas diminui a responsabilidade dos apóstolos não mencionando a fuga. Pelo contrário, ele afirma que no Calvário “todos os seus conhecidos vigiavam de longe” (Lc 23,49). Lucas não relata a repreensão de Jesus a Pedro (cf. Mc 14,37), mas encontra uma justificativa para o sono dos discípulos: “adormecidos de tristeza” (Lc 22,45).
No alto da cruz, Mateus e Marcos relatam que dois ladrões insultam Jesus. Lucas, porém, narra que apenas um O insulta. O outro, pelo contrário, repreende seu companheiro e chama Jesus pelo nome. Pedi-lhe: “lembra-te de mim quando entrares no teu reino”. Jesus responde-lhe: “Hoje mesmo você estará comigo no paraíso” (Lc 23, 39-43). Enfim, o olhar de Jesus para Pedro arrependido revela-se comovente. Jesus não tem um olhar de reprovação, mas um olhar que compreende a fraqueza do seu discípulo (cf. Lc 22,61-62).
A solidão, a difamação e o sofrimento não foram os pontos culminantes do despojamento na cruz. Para ser solidário conosco, Lucas experimenta o misterioso abandono de Deus. No abandono, Jesus reza e implora: “Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito” (Lc 23,46).
Suspenso no madeiro, além da zombaria, Ele enfrenta Sua última tentação: a provocação para descer da cruz, vencer o mal com força e poder, revelando seu rosto poderoso, forte e invencível. Entretanto, no ápice da aniquilação, Jesus mantém sua missão de revelar o verdadeiro rosto de Deus. Ele perdoa seus algozes, abre as portas do paraíso ao ladrão arrependido e toca o coração do centurião. Assumindo todo o sofrimento humano, Ele traz luz às trevas, vida à morte e amor ao ódio. No paradoxo da Redenção vemos um Deus-homem, um Messias fraco, um Salvador perdido e um Justo crucificado. A ideia doentia do messiânico esperada pelos judeus é destruída pela Paixão do Cristo, pois Sua entrada como Rei-Messias é realizada sobre um jumento, sem triunfo e sem violentos soldados.
Senhor, que meus momentos de solidão e de sofrimentos não sejam capazes de me fazer sentir abandonado por Ti. Conceda-me a graça de vencer todo o mal com o perdão. Ensina-me o caminho da glória e da ressurreição com gestos cotidianos que me façam revelar Tua face paciente, cheia de compaixão e de misericórdia. Amém!
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