O ardor do coração
- Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
- 13 de abr. de 2024
- 4 min de leitura
A morte de Jesus provocou os sentimentos mais humanos nos discípulos. Mesmo que soubessem da liberdade do Mestre em oferecer Sua própria vida, eles não imaginavam que o processo seria tão dramático e tão violento. No entanto, os relatos da aparição do Ressuscitado revelam a pedagogia de Jesus para curar os corações de seus amigos que estavam feridos. Ele apareceu de forma discreta e simples na vida de seus discípulos a fim de recuperar o ardor do coração. Ele manifestou-Se no espaço sombrio do sepulcro, nas paredes “frias” do cenáculo e na estrada desnorteada e desiludida de Emaús.
O evangelista Lucas descreve a situação emocional dos discípulos durante o trajeto naquela estrada. Eles esperavam um resultado diferente e acabaram desiludidos. A crise existencial e interior era tão forte que eles decidiram abandonar a comunidade dos discípulos. Eles voltaram a viver a realidade anterior ao chamado apagando o entusiasmo e o ardor da missão. Eles preferiram partir sozinhos, convencidos de que jamais alguém poderia dar sentido àquela tragédia.
Emaús é um lugar indefinido, pois no tempo de Jesus não existia uma aldeia com esse nome. Voltar a Emaús significava voltar ao passado e fugir da realidade fingindo que nada havia acontecido.
O não descer de Jesus da cruz salvando a si mesmo e o triste fim de um projeto marcavam a desilusão dos discípulos. Desde o início, embora soubessem do ministério de Jesus, eles esperavam a libertação de Israel e agarravam-se na ideia de um Messias poderoso e cheio de glória. A decepção e a frustração eram tão grandes que não acreditavam no ardor do coração das mulheres e, muito menos, no testemunho concreto de que o Senhor estava vivo. Eles não queriam uma resposta comum para aquele acontecimento. Assim, agarraram-se à Tradição de que o Messias deveria ser triunfante e não morrer numa cruz. Era difícil colocar no coração deles a nova ideia e a possibilidade de que Jesus estava vivo. Enquanto raciocinavam por si mesmos, Jesus aproximou-se e começou a caminhar com eles.
O conflito existencial no coração dos discípulos existia porque eles não aceitavam que Jesus morrera como os outros profetas. Tudo poderia ter acontecido com Ele, inclusive, a injustiça da cruz. Entretanto, pensar a morte de cruz era inadmissível. Era impensável acreditar numa história messiânica que tivesse como fim a morte de cruz. Todos poderiam morrer e sofrer injustiças do Estado, menos Ele. A consequência do conhecimento incompleto e ingênuo dos discípulos se traduzia em profunda tristeza e decepção. Eles estavam tristes, pois o projeto havia falhado junto com o sonho de um novo tempo.
A morte do Cristo havia provocado a morte da vida no coração dos discípulos. Eles que haviam deixado tudo por Jesus, queriam deixar de viver porque não encontravam o sentido.
Em meio à tristeza e à ausência de sentido, Jesus aproximou-se e estabeleceu novo diálogo. Os dois discípulos, diante do profundo desânimo, não conseguiam ver o Senhor que caminhava ao lado deles. O coração lento e a rasa inteligência não lhes permitiam reconhecer e sentir a presença do Ressuscitado. Diante disso, o coração sensível e a sábia inteligência do Mestre foi curando os discípulos. A forma com que Ele narrava toda a história da salvação começou a tocar os sentimentos dos caminhantes fazendo arder seus corações. Percebendo que havia tocado o coração deles, Jesus faz o movimento de ir adiante.
O ardor do coração foi tão grande que aqueles viajantes não queriam distanciarem-se daquele Homem inteligente e sensível. A sensação era tão maravilhosa que pediram para que Jesus ficasse e continuasse a partilhar com eles a vida e os mistérios de Deus.
À mesa acontece o desfecho da narrativa. No gesto do partir o pão, os discípulos tornam-se iluminados e percebem que estão diante da presença viva de Jesus Ressuscitado.
Na partilha da dor e do pão, eles sentem-se entendidos e compreendem que é Jesus quem está com Eles. A cura acontece e, novamente, o coração volta a arder. A decepção transforma-se em novo ardor fazendo-os retornar para Jerusalém, junto da comunidade, a fim de anunciarem verdadeiramente a ressurreição de Jesus. A narrativa de Emaús é uma das páginas mais envolventes do Evangelho.
Precisamos compreender que a decepção e a desilusão são realidades da vida dos discípulos de todos os tempos. A atualidade do Evangelho e a sua vivacidade revelam que essa história do passado é história do presente. Os dramas existenciais, as incompreensões e a lentidão tiram de nossos corações o entusiasmo, o otimismo e o ardor. Tantos são os momentos em que pensamos abandonar tudo e passamos desacreditar que é possível sonhar. A realidade do tempo e a mudança de época são desafiantes. A força para caminhar e para viver é frágil. Parece que permanecemos nas estradas de Emaús clamando a presença de Cristo e de Sua Páscoa para fazer arder nossos corações com a recordação da história da salvação e do amor incondicional de Deus por nós.
Senhor, embora, às vezes, eu necessite voltar a Emaús, esteja comigo neste caminho curando meu coração ferido. Recorda-me do Teu amor para que eu possa voltar a sonhar. Dai-me sensibilidade para perceber tua presença amiga em meus conflitos existenciais e em meus desejos de seguir sozinho, distante da comunidade. Faça arder meu coração para que eu volte a acreditar nas tuas promessas de amor, de vida e de salvação.
LFCM.
Ilustração: Romolo Picoli
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