top of page

O casamento de Deus

Foto do escritor: Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv. Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.

O Evangelho de João marca o início do ministério de Jesus numa festa de casamento em Caná da Galileia. Para o evangelista, o primeiro sinal messiânico realizado na vida pública de Jesus manifestando sua glória e possibilitando a fé de seus discípulos é colocado no início do Evangelho como a síntese de tudo aquilo que o Mestre faria. Esse gesto de compaixão revela uma profunda mensagem de amor e um grandioso conteúdo salvífico.

Na narrativa da festa de casamento, nem o noivo e nem a noiva são mencionados. A intenção do evangelista é revelar através desta ausência, o casamento de Deus com a humanidade. A Bíblia é a revelação da história de amor entre Deus e seu povo.

A narrativa evangélica nos possibilita dois tipos de leitura: histórica e teológica. A leitura histórica nos ajuda a contextualizar o interesse que o evangelista tem ao construir sua catequese. Em contrapartida, a leitura teológica interpreta todos os fatos à luz do evento pascal. Dessa maneira, o casamento em Caná da Galileia é a memória da aliança no Sinai e a antecipação do futuro escatológico. A transformação da água em vinho revela o cumprimento da história e o tempo da Nova Aliança. A presença de Maria no casamento representa a história do povo da Antiga Aliança. Ela se faz presente demonstrando a figura de Israel que aguardava ansiosamente a hora da chegada do Messias.


As seis talhas recordam a Lei escrita nas tábuas de pedra, o seu peso e a sua incompletude. A quantidade e o esvaziamento das talhas mostram a falta de algo. O vinho que acaba durante a festa revela a ausência da generosidade, da alegria, da festa e da dança. A água revela a vida, mas o vinho exprime a abundância do banquete e a alegria da festa. O vinho é sinal do amor que contagia. As Escrituras, especialmente os Profetas, indicam o vinho como elemento típico do banquete messiânico.

Teologicamente, a ausência do vinho revela que o projeto do Pai não havia atingido sua plenitude com a Antiga Aliança. O sinal pleno da Nova Aliança somente será consolidado no lado aberto de Jesus na cruz. A água transformada em vinho antecipa o derramamento do sangue e da água na cruz revelando a plenitude da Nova e Eterna Aliança.

Dos jarros de pedra cheios de água, símbolo da Lei, os servos experimentam o melhor vinho, símbolo do amor, da alegria e da misericórdia. O melhor vinho quer simbolizar a necessidade de uma nova qualidade na relação com Deus a partir de Jesus. Ele é o melhor vinho que o Pai guardou até a plenitude dos tempos. O vinho de qualidade também representa o Vinho Novo do Reino.

Em Jesus, Deus realiza definitivamente suas Núpcias com a humanidade, superando todas as expectativas e os desejos de vida plena e abundante. Todo o mistério do sinal de Caná se fundamenta na presença e na revelação do Cristo. Sem o Vinho, símbolo bíblico do amor, toda a existência tornar-se-ia incompleta e falha. Sem Jesus, revelação do amor do Pai, a vida seria sem sentido e sem alegria.

As bodas de Caná sem vinho representa a triste condição do povo de Israel. Os israelitas viviam tristes e insatisfeitos porque substituíam o amor do Senhor pelo cumprimento de leis e preceitos. Eles sabiam que o modo com que se relacionavam com Deus nunca lhes trouxera a verdadeira alegria. O mestre-sala experimenta a água transformada em vinho e não sabe a procedência. Em seguida, chama o noivo para lembrar-lhe a tradição: “devia ser servido primeiro, o vinho menos ruim e, somente depois, o vinho melhor”. Ao repreender o noivo, com decepção e lamento, o mestre-sala teme que aquele sinal possa mudar a tradição. Para aquele homem, melhor era ocupar-se com projetos do passado e lamentar-se do que, alegrar-se com a grandiosidade dessa novidade.


A festa de casamento sempre é um dos momentos mais felizes e mais importantes na vida dos noivos. Por isso, a festa matrimonial é a imagem dos tempos messiânicos. Muitas vezes, a chegada do Messias era anunciada pelos profetas, através da imagem do banquete de casamento, uma mesa farta, com comidas suculentas e vinho abundante. Na festa encontramos amor, alegria, esperança, relação e verdadeira amizade.


Com isso, o primeiro sinal que Jesus realiza é o do vinho, nas bodas de Caná. O Evangelho diz-nos que o Messias chega e, com Ele, começa a celebração: a relação com Deus, livre de rituais e de exterioridades do passado. Sua chegada torna a celebração cheia de amor e de alegria. A própria vida, livre de medos e de preocupações, pode ser vivida com o vinho novo do Espírito tornando-se uma festa alegre. A vida com Jesus não pode ser uma festa vazia, com falta de alguma coisa ou carregada de ritos que despertem culpas. O início dos sinais de Jesus de Nazaré começa em Caná da Galileia, pois com o vinho do amor, Ele traz à festa da nossa existência um novo sentido.



Senhor, ajuda-me a recomeçar diante das faltas e incompletudes da minha existência. Ensina-me a entender que, também, as faltas me servem como sinais para Tua manifestação. Livra-me de relações vazias, sem alegria e carregadas de ritos que culpam. Dai-me o vinho novo do Espírito para experimentar a autêntica relação com o Teu amor.

Posts recentes

Ver tudo

O segredo do Pai

O final do ano litúrgico nos aproxima dos textos apocalípticos. A narrativa de hoje encerra a leitura dominical do Evangelho de Marcos. A...

O nobre coração

Jesus entrou em Jerusalém e começou a exercer seu ministério após ter percorrido um longo caminho com seus discípulos e com as multidões....

Comments


bottom of page