O Templo ocupa a centralidade da narrativa de hoje. Em torno desse espaço simbólico se formam uma sensibilidade e uma cultura religiosa bastante ideológica. Os vários sacrifícios exigidos pela religião transformam a imagem de Deus fazendo com que o Templo adquira uma função mercadológica. Ao invés de louvor, oração e adoração, Jesus se depara com uma sacralidade mercantil que transforma a adoração em troca. O Templo era a “casa do mercado” e o “deus” era o dinheiro.
O Templo, construído com o esforço do povo por mais de quarenta anos, tornou-se um negócio onde reinava a mesquinhez, a exploração da fé simples e humilde do povo que pagava as despesas exigidas por aqueles que se consideravam intermediários de Deus com seu povo. Ao chegar no Templo e vendo a imagem deturpada de Deus, Jesus reage enfurecidamente.
Conhecendo o coração do Pai e o coração humano, Ele não poderia permitir que a imagem de Deus fosse deturpada e que a fé simples do povo fosse abusada. Este momento é tão importante que todos os evangelistas narraram em seus escritos. A ação de Jesus era a típica dos profetas que denunciavam abusos e excessos.
As palavras do Cristo nos levam a interpretar o Templo como o lugar da relação. Esse lugar onde a beleza dos sentimentos entre Deus e o homem deveria ser expressão de um amor, tornou-se lugar de compra e venda. Lá, a relação com Deus não tinha nada de gratuidade. A raiva de Jesus nasce do seu desejo de querer relevar uma relação saudável com o Divino. A sua atitude deixa claro que não se agrada Deus com esse tipo de mercado. Ele reage a uma religião pervertida. De modo definitivo, era preciso eliminar esse tipo de relação com Deus. O Templo era a imagem de uma relação amorosa e saudável, por isso, Jesus o compara com o seu corpo.
Rever a imagem que construímos de Deus faz parte do nosso caminho de conversão. Com a narrativa, o evangelista João deseja ajudar sua comunidade a construir um novo imaginário da relação com Deus. Todavia, reconstruir é trabalho exigente que jamais é imediato. Quando Jesus pretende "purificar o Templo", sua intenção é purificar a fé. Ele deseja mostrar que a relação com Deus deve acontecer além do culto litúrgico-sacrificial, distante da relação mercantilizada, mitológica e mágica.
O relacionamento com Deus não pode ser uma troca em que cumpro sacríficos, visito frequentemente o Templo, realizo minhas promessas a fim de que Ele me abençoe, proteja os meus e feche os olhos para minhas injustiças e infidelidades. Deus não deve ser objeto de uso. A fé não deve ser comércio e consumo.
Jesus foi o profeta da liberdade, pois cumpre a profecia de Isaías ao proclamar a liberdade aos cativos e oprimidos pela lei religiosa e pelo sistema judaico. Jesus, o conhecedor dos corações, percebe que a religião e a política eram opressoras. A relação com Deus não pode ser apenas “religiosa”, mas deve ser uma relação de proximidade e familiar. Na “casa do Pai” não pode haver comércio nem exploração. A casa do Pai é casa-família que acolhe quem necessite de amor, de confiança e de paz. O autêntico Templo de Deus é cada pessoa e, por isso, não há quem o destrua. Jesus revela que o ser humano é o grande valor querido e desejado por Deus. O sábado, a lei e o Templo são meios para facilitar o processo de humanização do ser humano.
A humanidade de Jesus é o verdadeiro Templo no qual Deus se revela, fala e se deixa encontrar. Uma gratuita e saudável relação com Deus deve acontecer através do Corpo de Cristo: o novo Templo. Toda relação necessita de um corpo para ser concreta e real, assim, também, acontece com nossa relação com Deus. Jesus é o Templo onde Deus se faz presente. É necessário entrar Nele para respirar seu próprio Espírito e ser habitado por ele.
Conhecendo o coração do Pai e o coração humano, Jesus oferece seu corpo para se tornar o verdadeiro Templo da relação com Deus. O lugar da Presença de Deus não é um edifício, mas é o próprio Jesus Cristo. É na humanidade de Jesus que habita e se revela a plenitude de Sua divindade.
Aproximando-se a Páscoa, somos convidados a pensar sobre o modo como nos relacionamos com Deus e como temos praticado o caminho quaresmal. Como Jesus não tolerou que a "Casa do Pai" se tornasse um mercado, assim, Ele deseja que nosso coração não se torne um lugar de turbulência, desordem e de confusão. Precisamos ser purificados das nossas seguranças falaciosas que trocam a fé em Deus pelas coisas que passam e pelas conveniências do momento. Devemos deixar de lado o jeito religioso e consumista de manipular Deus. Devemos purificar nossa fé de mecanismos religiosos estranhos e incoerentes. Devemos expulsar de nossos corações a imagem manipulada de um Deus mercantil, de uma teologia de dominação e de consumo próprio que afirma minhas ideologias. A Páscoa de Jesus inicia um novo culto do Templo do seu corpo: o culto do amor.
Senhor, liberta-me da fé mercadológica e consumista. Arranca do meu coração a imagem deturpada de Deus. Dai-me a graça de uma relação saudável, livre e amorosa. Ensina-me a viver uma relação concreta e real com a tua humanidade. Cura meu coração de toda turbulência, desordem e confusão purificando minha fé.
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