O convite à libertação do coração

O evangelista Marcos ressalta a radicalidade do seguimento a Jesus iniciando sua narrativa com a cena de "alguém" que corre até Jesus e lhe questiona: "Bom Mestre, que devo fazer para ganhar a vida eterna?” O questionamento deste personagem é bem singular. Ele aproximando-se, de forma reverente e entusiasmada, reconhece Jesus como um bom mestre. Além disso, parece estar consciente de que a vida do Eterno não é um mérito, mas dom recebido e gratuito.

Jesus recorda-lhe os mandamentos que Deus revelara ao seu povo e que eram as mínimas condições para se ganhar a vida plena. Entretanto, Ele cita-os, omitindo os três primeiros, deixando parecer a incompletude da revelação divina. Os mandamentos não citados por Jesus, eram relativos a Deus e, tal atitude de "omissão", nos permitem inferir que o amor a Deus se cumpre quando somos capazes de nos relacionarmos bem: “não matarás; não cometerás adultério; não roubarás; não levantarás falso testemunho; não prejudicarás ninguém; honra teu pai e tua mãe”.

A vida eterna tão desejada pelo "alguém", acontece quando se aprende a relacionar-se bem com o próximo.

Este personagem da narrativa que pode ser reconhecido, mais a frente, sendo um homem, pelos atributos que o evangelista escreve, é entusiasta e sincero. Parece não lhe faltar nada: é rico (v. 22b); é jovem, segundo Mateus; é nobre, afirma Lucas; é um observador piedoso. No entanto, é um homem angustiado. De início, afirma seguir todos os mandamentos. E Jesus, surpreso, com a afirmação, lança-lhe um olhar cheio de benevolência e amor.

O relato realça a qualidade do olhar de Jesus: olhos que comunicam proximidade, ternura e misericórdia.

O Cristo ama antes de pedir algo àquele homem. Antes de indicar um caminho desafiador, mostra a sua benevolência, acolhida e amor. O amor gratuito, mas que sabe apontar o caminho correto. Amando, indica sua proposta com precisão na observância dos mandamentos. Jesus o ama antes de dizer à sua proposta de uma vida nova. Ele o ama porque, olhando para dentro do homem e reconhecendo que este não tinha identidade, vê sua fragilidade e o seu genuíno desejo de ser amado e ter a vida eterna.

Jesus ajuda o homem a fazer um caminho de discernimento. Ele o convida a vender tudo o que tinha e a dar aos necessitados. Este ensinamento é o desapego e a correta utilização dos bens. Aquele homem era preso nas falsas certezas e na má utilização de suas posses. Talvez não soubesse partilhar os bens que Deus lhe havia concedido.

O homem não tem coragem de arriscar, fecha-se em suas próprias necessidades e seguranças, não deixando-se amar, indo embora e continuando um ser anônimo, o alguém.

Este é o ensinamento de Jesus: o convite à libertação do coração. O encontro foi bonito, mas a proposta exagerada: não se preocupe com o “fazer”, mas com o “dar”. A história termina de forma amarga. O alguém rico opta por ficar com seus bens e continuar fazendo "coisas" para alcançar a vida eterna. Ele não tem coragem de confiar na proposta de Jesus. Não quer arriscar, tem medo de perder tudo e, por isso, vai embora. No seu coração habitam angústia, o medo e a desconfiança. Falta-lhe desprendimento, confiança, coragem, fé, gratuidade, partilha e doação.

Há um contraste entre o início e o fim da narrativa. O homem aproximou-se cheio de entusiasmo e reverência, contudo foi embora abatido e triste. Abateu-se não porque se sentiu rejeitado ou condenado, mas porque não soube assumir e escolher a proposta "exagerada" de Jesus.

Seu apego aos bens anulou seu discipulado e seu desejo pela salvação. O medo tomou o primeiro lugar em sua vida, pois seus bens pareciam-lhe dar mais segurança do que a Vida Eterna.

Esse homem falava em termos de observância, Jesus propõe-lhe liberdade e gratuidade. Jesus pede-lhe para passar da observância das leis ao dom de si mesmo. Estamos perante duas lógicas: a do mundo, que nos faz entrar no vórtice da conquista, no desejo de posse e na busca pelo prazer e sucesso; e a lógica de Jesus que nos mostra o caminho da perda, da doação, da dependência e da confiança. Depois de desviar seu olhar para o homem rico, Jesus volta-se para os discípulos. Eles, também, ficaram perplexos com a proposta de Jesus e se dão conta de que para continuarem seguindo o Bom Mestre seria necessário um desafio duradouro e diário, um caminho de progressiva libertação e salvação.

A proposta de Jesus não é um novo mandamento, mas um convite à adesão de uma lógica completamente nova. Ele pede a renúncia egoísta do uso das coisas. Não somente do dinheiro, mas de todos os bens, da inteligência, da saúde, da beleza, do tempo, dos dons recebidos de Deus. A radicalidade de Jesus nos mostra que para entrar em seu discipulado é necessário ter um coração livre e aberto à doação. A salvação é prêmio para aqueles que libertam o coração. Não somente a salvação, mas também uma vida realizada, cercada de muitas relações e de generosas promessas.

Senhor, tenho desejo por vida em plenitude. Às vezes, parece-me mais fácil ser um observante fiel das Leis do que ser humano com os outros. Hoje, tenho consciência de que para te amar melhor, devo ter boas relações com os outros. Ajuda-me a não ter medo e falta de coragem para assumir em minha vida a lógica do desapego e da caridade. Ensina-me a não se preocupar tanto com o observar, mas com o dar, pois quando observo, pouco faço, mas quando consigo me doar, sei que estou me relacionando contigo e com o meu próximo. Dá-me um coração para amar, para perdoar e sentir, livre de toda prisão, pois este é o meu caminho de salvação.

LFCM.