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O Desejo de Deus

  • Foto do escritor: Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
    Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
  • 7 de jan. de 2023
  • 5 min de leitura

A luminosidade da gruta de Belém e do Natal do Senhor é ampliada com a Epifania, pois a teologia desta festa nos diz que todos os povos e em todos os tempos podem experimentar a riqueza do projeto divino-humano do Criador. A narração do Natal do Senhor não é a crônica de uma história, mas a admiração de várias testemunhas diante da grandeza do Mistério. Essas testemunhas não sendo simples espectadoras de um conto, desejam, envolvem-se e se comprometem em fazer da vida delas uma revelação do mesmo Mistério.

O trecho evangélico não sublinha a atividade interior de Maria, as ações de José, o louvor dos anjos e as reações dos pastores, mas enfatiza a procura e a chegada na gruta de Belém dos Magos do Oriente. A Encarnação de Deus não tem como protagonistas somente aqueles que estão dentro do povo escolhido e da cidade sagrada de Israel. Não são apenas os escribas, os fariseus, os sumo-sacerdotes e os reis que sentem o impacto e a luz da criança recém-nascida. Até mesmo os povos do outro lado do mundo, conhecedores das estrelas e dos astros, decifram que algo diferente há nos céus e, por isso, desejam descobrir qual é esse Mistério. Os filhos de outra terra saem do seu lugar, seguem uma luz diferente, procuram o menino de Belém e oferecerem-Lhe suas riquezas.

O evangelista Mateus é quem constrói a narrativa da chegada dos Magos do Oriente. No mundo antigo, os astros e as estrelas serviam como ponto de referência para a orientação durante à noite, principalmente, no meio do deserto e no meio do mar. Das inumeráveis luzes que há nos céus, os Magos decifram a diferente Luz. Aquela estrela brilhava e marcava a referência do lugar. Na Luz mais brilhante, os Magos intuem que podem encontrar o sentido para a vida e o caminho para uma saudável existência. Seguindo o caminho desses inquietos viajantes rumo à gruta, podemos dar voz ao nosso anseio de felicidade, às perguntas que nos habitam, ao desejo de plenitude que nos move e à nossa própria busca de Deus.


Estrela, sidus em latim, significa desejo, de-siderium. Na estrela que guia está o desejo dos Magos. Não há nada sem desejo: o homem não procura, o coração não pergunta e a razão não encontra. O desejo nos permite correr riscos e nos coloca a caminho, embora, não nos permita saber se chegaremos à resposta que procuramos. O movimento nasce do desejo de querer: “quando quero, vou à procura”. Os Magos desejosos de encontrar a Luz, sentiram-se animados a caminhar e a seguiram confiantes. Todavia, antes do desejo ardente dos Magos pelo encontro, havia o ardente desejo que Jesus tinha de ser encontrado. A união dos dois desejos estabeleceu o ponto de atração que iluminou a noite da procura. O projeto original do Senhor é o desejo infinito de restabelecer a comunhão com todos.


Esses sábios homens nos ajudam a compreender que, se queremos realmente buscar, devemos ter a coragem de ir ao encontro das coisas que Deus nos revela e nos mostra no caminho. Ele sempre se apresenta como algo luminoso trazendo-nos sentido, transformação e mudança. Nossas convicções são descobertas nos passos dados e na ousadia de irmos ao encontro de Deus, sobretudo, quando renunciamos convicções próprias, saindo de nós mesmos e encontrando a plenitude e o sublime. A tentação constante em nosso caminho é nos tornar o único ponto de referência. Por vezes, escolhemos nossas verdades e as colocamos no centro fazendo delas nossas únicas e verdadeiras opções de vida.


Herodes, por exemplo, é descrito como uma pessoa que não se movimenta, não sai do seu palácio, do seu mundo. Ele não se coloca a caminho, não sabe dialogar e, portanto, nunca é capaz de abandonar suas certezas e convicções. Ele é a única verdade de sua vida e a única referência de sua existência. Ele é o modelo daqueles que não se movimentam preferindo manipular os outros para continuar em seus mundos sombrios e cheios de incertezas. A vulgaridade de Herodes está na preocupação e no desejo de conservar-se no poder, mesmo que ele tenha que matar tantas “crianças”. De qualquer modo, todos temos um pouco de Herodes, pois continuamente somos plenos de nós mesmos, cegos diante da manifestação de Deus, arrogantes e orgulhosos. Também, os escribas e os sacerdotes se limitavam a ler as Escrituras, não sendo capazes de fazer uma experiência pessoal: conheciam a Palavra com profundidade, mas não se deixavam guiar na busca autêntica de Deus.


A Epifania é a celebração da luminosidade, da procura, do encontro e da pergunta: “Onde está o rei dos judeus, que acaba de nascer? Nós vimos a sua estrela no Oriente e viemos adorá-lo”. Os Magos não apenas procuraram, mas foram procurados; não somente levaram seus presentes, mas receberam o Presente. Ao mesmo tempo que se aproximavam do presépio para contemplar o rosto do Menino-Deus, conseguiam acessar a certeza mais profunda do coração humano. O Deus, feito homem, não é uma ideia, um conceito ou um pensamento. Ele não está escondido ou intocável. A Encarnação não é abstrata ou conceitual, mas é carnal, profundamente, humana e real.

A Epifania marca a universalidade de Deus, nascido de uma mulher. É necessário procurarmos autenticamente Aquele que dá sentido à nossa vida e nos concede a pacificação de coração. A beleza da festa de hoje está em saber que Deus se deixa encontrar por aqueles que O procuram com o coração livre e generoso. Ele se revela, a quem, onde e como quer, nos convidando a surpreendermo-nos com sua revelação. Ao descobri-Lo e a experimentá-Lo é preciso seguir sem voltar pelo mesmo caminho, como fizeram os Magos, a fim de que “nossos Herodes” não descubram a Novidade encontrada. A aventura fascinante destes sábios do Oriente ensina-nos que a fé não nasce dos nossos méritos nem de raciocínios teóricos, mas é dom de Deus. A sua graça ajuda-nos a despertar da apatia e a dar espaço às perguntas importantes da vida, perguntas que nos fazem sair da presunção de ter tudo em ordem. O caminho da fé tem início quando damos espaço, com a graça de Deus, à inquietude que nos mantém acordados.


A festa da Epifania quer nos ensinar a descobrir o desejo que Deus coloca dentro do nosso coração. Afinal, sem desejo não há partida e nem chegada, não há sonhos e nem esperanças. Sem desejo, ficamos quietos, fechados e, talvez, até mortos. Guiados pelas Escrituras de Israel, animados pelo sentido da salvação, acalorados por grande alegria, devemos ir ao encontro da Criança que ilumina nossas vidas. Deus quer nos levar a descobrir o Deus-conosco, carne de nossa carne, frágil do nascimento até à cruz, mas forte no amor incondicional que nos dá a salvação, a paz e o bem.


Senhor, como é luminoso contemplar o mistério do teu Natal e experimentar a riqueza do teu projeto divino-humano. O mistério da tua Encarnação é tão dinâmico que atinge todos povos, tempos e espaços. Ensina-me ser guiado por teus sinais, vestígios e manifestações. Que eles possam me colocar num constante caminho de busca por novas coisas a fim de que eu consiga ver, sentir e aceitar o teu desejo para a minha vida.

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1 Comment


Marcia Severo
Marcia Severo
Jan 08, 2023

Olá Frei que texto maravilhoso, esclarecedor e cheio de esperança. Gratidão por me enviar. Sempre rogo em minhas orações ,para q o Senhor permita q através do seu Espírito, me mostre o caminho q Ele quer que eu siga. Reze por mim, por favor. Paz e Bem.

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