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O desejo do ver

  • Foto do escritor: Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
    Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
  • 20 de mar. de 2021
  • 3 min de leitura

Atualizado: 26 de mar. de 2021

O “converter quaresmal” e o “fazer penitência” ajudaram a transfigurar o nosso modo de ver a relação com o culto, purificação da fé, e a nossa relação com a cruz, espetáculo do amor. Essa foi a dinâmica apresentada nos últimos domingos. Neste domingo, próximos à Páscoa, o nosso olhar não pode perder o objetivo do caminho, pois não é a religião e nem a cruz que devem ocupar o nosso ver, mas o próprio sentimento de Jesus.

Entre os peregrinos, que subiam à Jerusalém para a Páscoa, estavam os gregos que escutando falar de Jesus, manifestaram a Filipe o desejo de encontrá-lo. Filipe falou com André e apresentaram o pedido a Jesus. O fato parece banal, mas se o evangelista escreve é porque contém nele uma mensagem fundamental.

Os gregos, considerados pagãos, cultivavam a simpatia pela religião judaica e viviam um processo de conversão. O relato de que eles subiam a Jerusalém demonstra que faziam um itinerário espiritual, buscavam experimentar algo novo no caminho e queriam saber sobre os próximos passos. Neste contexto, escutaram falar de Jesus e desejaram vê-lo.


No evangelho de João, o verbo “ver” significa entrar na intimidade. Por este motivo, os gregos não estavam interessados em saber o que Jesus fazia, como se vestia ou o que comia, mas desejavam identificar quem era Jesus, ir além das aparências para colher o seu mistério.


O texto não nos permite dizer se eles estiveram com Jesus. O principal interesse do evangelista é evidenciar o desejar, primeiro movimento que deve impulsionar nosso existir. O desejar ver é o início de uma relação com Jesus. No entanto, o evangelista, ao invés de concluir o percurso da narrativa, prefere inserir outro discurso: “chegou a hora em que o Filho do Homem vai ser glorificado”.

A reação de Jesus é surpreendente. Ele apresenta sua proposta desconcertante, absurda e profética: chegou a hora da Cruz e a verdadeira glória está no dar a vida por amor.

A aplicação é dramática. Nestas palavras está a verdadeira resposta para os gregos, porque quem quiser conhecer Jesus deve ver o mistério da cruz. De modo evidente, Jesus na cruz é a revelação exata desse amor pleno e fiel. Então, ao invés de encontrar-se com os gregos, Jesus revela que sua paixão, morte, ressurreição, seu abaixamento e sua glorificação é a revelação do amor sublime, vivido até o fim.


O coração do anúncio não é a morte, mas a vida. Não é o falimento, mas a fecundidade do futuro. Não é o sofrimento, mas a visão da glória. É a lógica do dom. O dom da entrega e a morte de cruz exprimem a lógica do Pai: dar a vida até morrer.

Contudo, doar a vida exige luta contínua e difícil equilíbrio. A lógica do dom não é uma escolha simples. Doar a vida pelos outros, de modo livre, é um preço alto. Cada um de nós, no pequeno mundo de nossa história pessoal, sabe que doar é um desafio exigente.

Diante da revelação do projeto do Pai, Jesus se angustia. Ir até o fim ou abandonar o projeto? Reconhece que os principais objetivos e a angústia humana não são bloqueios para a lógica do Pai. O fim é total atração: “eu, quando for elevado da terra, atrairei todos a mim”. O espetáculo do amor assume forma e garante vida. É a resposta para todos quantos desejam vê-lo. Esta é a boa-notícia deste Evangelho.


Ouvindo essa boa-notícia, gostaria de acenar para um detalhe que temos em comum. Desejo sublinhar a angústia de Jesus. Ela permite expressar a nossa própria realidade. Vivemos num tempo e espaço em que a angústia se tornou nossa companheira diária. Às vezes, ela toma conta de nós e nos impossibilita de ver a lógica do doar. Nesse sentido, o Evangelho não permanece como uma “bonitinha” história do passado, mas consegue atingir e tocar a nossa realidade.

A angústia que temos sentido é a expressão de nossa sensibilidade e humanidade. Embora, não vendo ou assistindo as notícias para poupar nossa saúde mental, é impossível ficarmos tranquilos em meio tantas incertezas e novidades que desafiam nossa inteligência.

O sofrimento é desalentador e assusta pais, filhos, médicos, pacientes, empregados e empregadores. Todos sofremos e estamos profundamente angustiados. Eis o grande detalhe do Evangelho que nos possibilita enxergar a boa-notícia: Jesus se angustiou e está angustiado conosco. Assim, com Ele, rezemos: "Pai, livra-nos desta hora!"


LFCM.



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