O Deus das perguntas
- Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
- 18 de jun. de 2022
- 4 min de leitura
Jesus tinha o desejo de ser conhecido e de fazer com que o projeto do Pai fosse compreendido correta e coerentemente pelos discípulos e por aqueles que estavam ao seu redor. Muitos deles, Lhe estimavam considerando-O um grande profeta. Entretanto, não estavam conscientes da verdadeira identidade de que Ele era o Cristo, o Filho de Deus enviado pelo Pai para a salvação de todos.
Para que o povo pudesse eliminar as compreensões equivocadas, Jesus acrescenta que o projeto do Pai não era um triunfo humano, mas um calvário de sofrimento, rejeição, morte e ressurreição. Além do mais, para segui-lo, eram necessárias renúncias, cruz e perseguição. Com isso, Jesus apresenta aos discípulos o sofrimento e o fracasso do Filho do homem e não o sucesso. Diz a eles, que não triunfará sobre aqueles que se opõem ao seu plano, mas que será derrotado. Ele não vai a Jerusalém para colocar seus inimigos em fuga, mas para dar-lhes a vida. Ao fazer essa profecia, Jesus convida os seus discípulos darem passos profundos no caminho da redenção.
Nesse sentido, para esclarecer a imagem de Deus e fazer com que todos entendessem o seguimento, Ele faz algumas perguntas fundamentais. Essas perguntas colocam em crise as visões distorcidas, as falsas concepções e as ideias preconcebidas a respeito d’Ele que não permitiam acolher sua novidade de vida.
Jesus é um Deus que pergunta, questiona, interroga. Inúmeras são as vezes em que Ele, aproximando-se das pessoas, as interroga: “o que buscais?”; “o que desejas?”; “a quem procurais?” Responder qualquer uma dessas perguntas é comprometer-se com Ele, assumir o caminho d’Ele e arriscar-se n’Ele.
Após os discípulos retornarem da missão e do evento da multiplicação dos pães, num lugar retirado, Jesus perguntou-lhes: “Quem diz o povo que eu sou?". Depois da primeira pergunta, Ele fez uma outra, mais direta: vocês que vivem comigo, caminham comigo, escutam as minhas palavras de perto e partilham do meu estilo de vida, o que dizem quem sou? Os discípulos respondem que as pessoas estão começando a entender quem Ele seja. A resposta revela que as pessoas estão recebendo sua mensagem de forma parcial. Uns diziam umas coisas, outros diziam outras, mas nada era concreto, coeso e conciso. Todas as opiniões tinham referência ao passado e faziam parte de um juízo exterior. As pessoas não conseguiam ir além daquilo que viam e conheciam Dele.
A segunda pergunta parece ser mais importante do que a primeira, pois Jesus questiona a forma do seguimento dos discípulos. Trata-se de uma pergunta pessoal. Jesus pede aos discípulos que respondam em primeira pessoa. Pedro, convicto, responde: "O Cristo de Deus", pois reconhece que Jesus é o ungido de Deus para anunciar a mensagem de paz e de libertação.
O questionamento de Jesus é uma pergunta que todo discípulo busca responder, em todas as épocas. É um convite honesto para reconhecermos a relação que estabelecemos com Jesus: Quem é Jesus para mim?
No Evangelho de Marcos, Jesus fez essas perguntas enquanto caminhava com os seus discípulos. No Evangelho de Lucas, o deste ano, as mesmas perguntas foram feitas quando Jesus e os seus discípulos estavam, num lugar retirado, rezando... Este evangelista sempre atento aos detalhes históricos e geográficos, preferiu não mencionar o nome do lugar onde se deu o diálogo entre Jesus e seus discípulos, pois o lugar físico do encontro torna-se um lugar interior no seu Evangelho. Os discípulos devem possuir clareza interior para responder às perguntas do Mestre.
A lucidez de espírito, não quer conceitos prontos, mas é imprescindível para entender quem é Deus. Este conhecimento não é resultado de uma revelação racional, mas de uma experiência existencial. Dessa forma, à medida em que se entra na estreita e imediata familiaridade com Deus, todas as palavras racionais dessa experiência, tornam-se insuficientes e não exprimem o sentido pleno da identidade divina. Na experiência interior divina, a razão silencia a fim de dar lugar à oração e à nova concepção de quem é Deus.
O conhecimento de Deus, tal como Ele é em si mesmo, é uma fundamental experiência de amor. Como diz São João: “Todo aquele que ama nasceu de Deus e conhece a Deus. Aquele que não ama não conhece a Deus, porque Deus é Amor” (1Jo 4,7-8). Por isso, após Jesus ter perguntado sobre sua identidade, Ele revela o plano de dar a vida por amor.
O amor de Deus não é um conceito, mas uma entrega de vida a fim de que outros possam viver. Por conseguinte, conhecemos Deus, tornando-nos um com Ele, à semelhança de Jesus, o Cristo, e fazendo como Ele fez.
Renunciar a si mesmo significa colocar as próprias razões entre parênteses: a morte em cruz não foi a desgraça de Jesus. A cruz é o Evangelho, a sua lógica. Ela não é um evento histórico, mas um estilo de vida desejado, expansivo e oblativo. Não podemos assumir o modo de pensar do Evangelho se não renunciarmos o nosso modo de pensar: o discípulo é aquele que todos os dias deve assumir sua vida a partir dos critérios de Jesus. Por isso, ele deve negar o caminho autorreferencial, egoísta e ambíguo. Saber quem Jesus é, significa saber como está a nossa vida e perceber que, com Ele, não podemos ser os mesmos. Precisamos ser diferentes, pois revestidos de uma nova dignidade, temos o compromisso com o Reino promovendo Justiça, servindo ao Projeto de Amor e especialista em humanidades.
Renunciar a si mesmo não é renunciar ao “tudo” que recebemos como dom e graça, mas renunciar a tentação interior de nos fazermos ídolos de nós mesmos, para a nossa própria adoração; exigindo cultos, sacrifícios, incensos e seguidores. A renúncia a si mesmo é a oportunidade de fazer emergir o nosso “eu” original, o homem saudável criado por Deus. A resposta do que “eu” acredito ser Deus somente pode ser coerente a partir da renúncia dos conceitos e da renúncia a si mesmo. Por isso, após suas perguntas, Jesus revela o Projeto da Cruz. Renunciar a si mesmo é renunciar a divisão e a autopromoção que habita em nós e nos leva para um recinto individualista, egoísta e solitário, sem a lógica e sem a promoção do Reino, do Evangelho e da Cruz de Cristo.
Senhor, ajuda-me a ser coerente ao identificar quem tu és. Dai-me lucidez interior, e experiência existencial. Conceda-me a graça de me familiarizar com o teu projeto de amor. Ensina-me a renunciar às minhas razões e emoções para assumir a lógica do Evangelho e da Cruz. Ensina-me o estilo de vida aberto, expansivo e oblativo. Ajuda-me a ser especialista em humanidades e comprometido com teu projeto de misericórdia e justiça.
LFCM.
Bom Dia Frei, obrigada por me enviar tão importantes palavras. Tenho muito q pensar essa semana. Paz e Bem.