O extraordinário amor de Deus
- Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
- 19 de mar. de 2022
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Na subida para Jerusalém, Jesus mostrou as exigências do seguimento para os seus discípulos, falou do principal mandamento, respondeu importantes questões, ensinou a rezar, curou e libertou pessoas pelo caminho e exortou sobre a insensatez dos fariseus. Desse caminhar, o evangelista Lucas fez um verdadeiro itinerário teológico de libertação, ao longo do qual foi evidenciado quem assumiria e quem seria obstáculo do projeto de Deus. Mais que um caminho geográfico, foi um caminho espiritual, no qual Jesus percorreu rodeado pelos discípulos a fim de que entendessem e assumissem os valores do Reino. Jerusalém é o fim de um processo decisivo, em que Jesus seria rejeitado por seus escolhidos e aceito pelos excluídos.
Neste longo caminho, algumas pessoas trouxeram notícias a respeito dos galileus que Pilatos teria matado e misturado o sangue deles com os sacrifícios oferecidos numa cerimônia religiosa. Uma repressão cruel feita pelos soldados romanos dentro do templo. O texto não revela a real intenção das pessoas falarem com Jesus acerca desse fato. Entretanto, entendemos que o interesse era saber do Mestre se todos os acontecimentos e sofrimentos tinha relação com Deus ou com os pecados cometidos. Neste contexto, Jesus acrescentou outra notícia lamentável: o desabamento da torre de Siloé que matara dezoito pessoas. Dois acontecimentos trágicos: a morte dos galileus provocada por um único homem e a queda da torre acontecida acidentalmente. Esses dois fatos trazem à tona a questão: o mal é consequência do pecado?
Era fácil considerar o mal como efeito da punição divina. Porém, Jesus restitui a verdadeira imagem de Deus que é bom, não deseja mal, adverte contra o pensar daquele povo e exclama: “Vós pensais que esses galileus eram mais pecadores do que todos os outros galileus, por terem sofrido tal coisa? Eu vos digo que não. Mas se vós não vos converterdes, ireis morrer todos do mesmo modo”.
Na mentalidade do tempo, baseada na falsa ideia de Deus, supunha-se que as catástrofes fossem castigos que Ele enviava aos culpados. Jesus conhecendo a mente supersticiosa dos seus e sabendo que eles interpretavam os acontecimentos de modo errado, repetiu mais uma vez: “se vós não vos converterdes, ireis morrer todos do mesmo modo”. Ele declarava-se contrário à ideia de punição divina distanciando-se da ideia tradicional que relacionava sofrimento e pecado, culpa e mal e rejeitava decididamente a visão de um Deus que permite tragédias para punir as culpas, afirmando que aquelas pobres vítimas não eram piores do que os outros. Por isso, convidou através destes fatos dolorosos uma admoestação que dizia respeito a todos porque todos eram pecadores.
Desse modo, ele tentava romper o vínculo existente entre pecado e sofrimento: não estava à procura de culpados, mas de homens, mesmo que pecadores, interessados em seguir seus ensinamentos com uma vida diferenciada. Ele tinha um olhar compassivo, não judicial. Ele desejou acabar com a ideia de que Deus servia apenas para ficar vigiando e castigando. O Deus de Jesus não podia ser um juiz com um catálogo de leis que teria necessidade de mandar, controlar, verificar e punir.
Neste sentido, Ele apresentava um contínuo convite à conversão, transformando o modo de refletir sobre si mesmo, sobre o outro e sobre Deus. Não se tratava apenas de penitência externa, mas de convite à mudança radical, à reformulação total da vida, da mentalidade, das atitudes de forma que o Evangelho e os seus valores estivessem em primeiro lugar.
A necessidade de conversão não é uma proposta moralista, mas realista. Ela é a resposta única e adequada para os acontecimentos que põem em crise as certezas humanas. A verdadeira sabedoria é antes deixar-se interpelar pela precariedade da existência e assumir uma atitude de responsabilidade: fazer penitência a fim de melhorar a vida. Cristo convida a responder ao mal antes de tudo com um sério exame de consciência e com o compromisso de purificar a própria vida. De fato, o apelo sincero de Jesus à conversão no fim dos tempos retoma o desejo constante do Deus misericordioso e compassivo que nunca deseja a morte do injusto e do pecador, mas que se converta e viva plenamente.
Na intenção de reelaborar a nova imagem de Deus, Jesus conta a parábola que se encontra apenas no Evangelho de Lucas: a figueira estéril. Um homem plantou uma figueira na sua vinha, e no verão foi muito confiante procurar os seus frutos, mas não os encontrou, pois, aquela árvore era estéril. Levado pela desilusão, pensou em cortar a figueira e plantar outra árvore. Chamou então o vinhateiro e manifestou-lhe sua insatisfação, intimando-o que cortasse a árvore, para que não ocupasse inutilmente o terreno. Entretanto, o vinhateiro pediu ao dono paciência para esperar mais um ano, durante o qual ele mesmo se dedicaria com atenção e delicadeza à figueira a fim de estimular sua produtividade: “Tenha paciência, tenha misericórdia, espere para arrancar a figueira. Eu vou trabalhar e farei todo o possível para que ela dê frutos”. Apesar de “levar” três anos sem dar frutos, o vinhateiro continuava confiando nela, ao mesmo tempo que lhe oferecia todos os cuidados com esmero.
É extraordinário o amor do vinhateiro pela figueira: ele tem paciência, sabe esperar, dedica-lhe seu tempo e seu trabalho. Promete ao dono que vai ter um cuidado particular com a árvore infeliz; em todo o caso, ele não a cortará, mas deixará que o dono a corte: “Tu a cortarás, não eu!”.
Eis a paciência do Senhor que não quer a morte, mas a conversão. Ao contrário dos outros evangelistas que falam de um figo estéril que seca quase instantaneamente (cf. Mc 11,12-24; Mt 21,18-22), Lucas, o evangelista da misericórdia, solicita mais um ano de espera, antes da intervenção definitiva. Ele apresenta um Deus paciente, tolerante com a fraqueza humana e capaz de compreender a mente e a dureza do coração. Dessa forma, a lógica da parábola propõe tempo, espera, cuidado, trabalho e paciência. A parábola da figueira serve para reavivar nossa esperança, trazendo sentido à nossa existência e iluminando as profundezas do nosso ser cristão. Precisamos de tempo e de paciência para crescer na lucidez e na verdade.
O trabalho a ser feito pelo agricultor é um processo temporal e terapêutico. Um trabalho que deseja curar a árvore há muito tempo infrutífera, a partir das suas raízes, cavando em volta dela e colocando o adubo necessário. Cavar a terra é o primeiro requisito a ser cumprido para que a árvore dê frutos. O segundo é o adubo que pode ser símbolo da atenção, do cuidado e do amor que produz vitalidade, florescimento e frutificação. Cavar a terra é tirar todo sentimento estéril para colocar a vitalidade necessária para a produção. Não obstante a “esterilidade” que, às vezes, marca a nossa existência, Deus tem paciência e oferece-nos a possibilidade de mudar e fazer progressos no caminho do bem. A esterilidade externa da figueira manifesta a necessidade de cultivo interior saudável, de profunda cura interior, de espera e de conversão.
Senhor, quanta paciência para comigo! Ajude-me a iniciar este processo de conversão. Desejo mudar a forma de pensar sobre mim mesmo, sobre o outro e sobre Deus. Necessito dessa mudança radical para reformular a minha vida, a forma de pensar e o jeito de agir a partir do teu Evangelho. Ensina-me a paciência misericordiosa, o cuidado amoroso e a sabedoria da espera a fim de que eu possa produzir frutos curando minhas raízes e fortalecendo o terreno da minha história.
LFCM.
Oi Frei quantos pensamentos esclarecedores que vão me ajudar a crescer. Gratidão. Paz e Bem. Texto belíssimo.