A transformação pela Palavra
- Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
- 3 de dez. de 2021
- 4 min de leitura
Atualizado: 10 de dez. de 2021
Guiando-nos para o caminho do Advento, o Evangelho nos apresenta a figura de João Batista. A Palavra de Deus mostra-o no deserto. Este lugar torna-se o centro do mundo. O deserto é o lugar do caminho para a terra prometida, onde se enfrenta os medos e experiencia-se importantes relações consigo mesmo e com Deus. Deserto é espaço mais teológico do que geográfico. É muito mais do que um lugar físico. É uma dimensão da vida.
No deserto, os Israelitas aprenderam muitas lições, sobretudo, a livrarem-se dos excessos, dos supérfluos e do peso desnecessário. Neste sentido, para alcançar qualquer “terra prometida” é preciso ter coragem e força para enfrentar o deserto, em particular, aquele interior e pessoal. No deserto, lugar da solidão e da morte, nasce o futuro. De fato, o deserto serviu como passagem obrigatória para o povo de Israel, lugar necessário para Moisés e Elias, momento marcante para o início da missão de Jesus.
A Palavra de Deus irrompe na história. Ela é a força que leva João para o deserto e para as proximidades do Jordão, fazendo dele um pregador incansável, uma voz que ecoa o apelo à conversão e a promessa do perdão em todos os lugares. Essa Palavra não entra apenas na história, mas supera a história. Também coloca-nos em movimento, empurrando-nos aos desertos da vida, convidando-nos a preparar o caminho com coragem e entusiasmo e tornando-nos portadores de promessas que iluminam o nosso quotidiano.
Com um tom solene, o evangelista Lucas situa a vocação de João num contexto histórico. Depois de recordar os líderes políticos, os poderosos deste mundo, o evangelista menciona as autoridades religiosas. Esta introdução não apenas situa o início do ministério de Jesus, mas descreve a condição fragmentária na qual vivia o poder da época. Dentro de um contexto de divisão e de conflito, ele denuncia a corrupção dos políticos e a perdição dos sacerdotes, revela a presença de um novo protagonista e mostra que a Palavra de Deus escolhe um profeta simples, distante de todos os poderosos do mundo.
João, de estirpe sacerdotal, filho de Zacarias, conhecia bem a corrupção do sistema político-religioso da sua época. No entanto, não perdendo-se nas disputas ou na rebelião contra o sistema, agiu de modo diverso. Ele deixa Jerusalém, o templo, o sacerdócio e vai para o deserto. Se o sacerdócio tinha a tarefa de operar mediações e mostrar a glória de Deus, João escolhe ir para o deserto, a fim de permitir que a Palavra de Deus habite nele e, sobretudo, faça do seu corpo e da sua pessoa, o cumprimento das profecias de Isaías. Com isso, quem deseja escutá-lo devia livrar-se de todas as palavras humanas e romper com os costumes.
Na vivência de João, o último dos profetas e primeiro “apóstolo” de Jesus, encontramos a boa-notícia para a vida espiritual: a certeza da chegada do Messias e a libertação dos excessos. Ele prega a conversão, a necessidade de mudar a mentalidade, de aderir um novo comportamento e de escolher um outro estilo de vida. A proposta de João é um convite para deixar-se recriar por Deus. Além do mais, o Batista prega um batismo de conversão para o perdão dos pecados.
Começando por si mesmo, João indica a chegada de um novo tempo e revela a salvação de Deus a partir de sua pessoa. Ele se revela o homem transformado pela Palavra: deixa de ser sacerdote e torna-se profeta; abandona o cuidado do templo e vai morar no deserto; renuncia o privilégio de ser "guia espiritual" para ser discípulo. As escolhas do Batista nos ajudam a buscar nova vivência e comprometimento de testemunho.
Com leveza e liberdade de vida, João grita no deserto: “endireitai as veredas, abaixai as montanhas e as colinas, aplainai o caminho para tornar o horizonte da vinda de Cristo visível e possível”. Endireitar as veredas é dar um novo rumo à nossa vida. Aplainar as estradas é tirar os buracos que facilitam a nossa queda. Este exercício não serve apenas para permitir com que o Senhor venha, mas facilita que nosso encontro com Ele seja leve, rápido e livre. Se a estrada está aplainada, a vinda do Senhor revela-se como um encontro e não como uma subida cansativa, burocrática e estressante.
É preciso endireitar as estradas para que o Senhor ande em nossa história. Aplainar os sentimentos para que entendamos o sentido das coisas em nossas vidas. Abaixar as montanhas do orgulho e da vaidade para que o passado não consuma nosso presente impossibilitando-nos o futuro. O homem de fé é aquele que, como João Batista, abre caminhos no deserto para facilitar o encontro com Cristo indicando perspectivas de esperança em contextos de corrupção e de violência.
Para realizar tais ações é necessário abrir a mente e o coração, romper os esquemas, redefinir prioridades trazendo propostas e visões diferenciadas para que todas as pessoas vejam a salvação de Deus. Vamos tentar, recomeçar, acreditar na conversão, na transformação interior e na requalificação da nossa vida. Neste sentido, o Advento não acrescenta novos compromissos à nossa fé, mas nos pede sobriedade, disposição, boa-vontade de abrir o coração e derrubar as barreiras produzidas pela frieza e indiferença, abandonando os pensamentos tortuosos que impedem o encontro com Deus e a relação com os irmãos.
Senhor, aplainai a minha estrada interior e endireitai os meus sentimentos. Libertai-me dos orgulhos feridos e das vaidades autorreferenciais. Preciso mudar de mentalidade, aderir um novo comportamento e escolher um outro estilo de vida. Permita que a tua Palavra construa em mim uma forma mais humana, nobre e sóbria de ser no mundo. Dai-me a leveza e a liberdade para que eu indique perspectivas de esperança, de consolação e de salvação.
LFCM.
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