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O irmão pecador

  • Foto do escritor: Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
    Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
  • 9 de set. de 2023
  • 4 min de leitura

Atualizado: 16 de set. de 2023

Dentre os discursos de Jesus presentes no evangelho de Mateus, encontramos os sermões comunitários. A comunidade nascente estava enfrentando os primeiros problemas com os membros que cometiam pecados e se perdiam no caminho. Imersos no mundo farisaico e político, os discípulos apresentavam dificuldades na correção fraterna e no método para fazer retornar o irmão pecador.


Para resgatar o irmão que cometeu um erro, Jesus sugeriu uma pedagogia de recuperação. A pedagogia de Jesus tinha sempre o objetivo de recuperar e salvar. Desse modo, a proposta oferecida era fraterna e salvífica, destinada a recuperar o irmão e a devolvê-lo à vida comunitária.

Também é a primeira vez que a palavra “irmão” é empregada para se referir a um membro da mesma comunidade. Isso indica que é a própria relação fraterna que autoriza a “correção”, o rompimento do isolamento e da tática farisaica de expulsar da comunidade. É um irmão que peca, não um desconhecido, um adversário ou inimigo.

Dentre os ensinamentos, Jesus apresentou várias etapas para a recuperação do irmão pecador. A primeira era mais pessoal e discreta. Caso falhasse, era preciso recorrer ao apoio de algum outro irmão ou alguma irmã que eram convidados para ajudar, mas não para acusar, julgar ou defender uma das partes. Porém, essa segunda abordagem também poderia falhar e, nesse caso, Jesus acrescentou: “comunica-o à Igreja”, ou seja, à comunidade. Era necessário, então, que a acolhida e o amor da comunidade recuperassem o frágil irmão. Logo, em todas as etapas, o objetivo da “correção” fraterna era resgatar o irmão.


Contudo, se esgotadas as três possibilidades para recuperar o membro pecador, Jesus indicava que ele fosse considerado um pagão ou publicano. Tais palavras, aparentemente excludentes, tinham o objetivo de reconduzir o irmão para as mãos de Deus, pois somente o Pai poderia demonstrar um amor maior do que o de todos os irmãos juntos, já que o amor de Jesus, que acolheu publicanos e pagãos, escandalizando as pessoas da época, poderia salvar o irmão que cometeu pecado. Portanto, não se tratava de uma condenação, mas do reconhecimento de que, por vezes, as tentativas humanas podem falhar e somente o amor de Deus pode recuperar alguém de uma situação de pecado.


A lógica invertida do evangelho também aparece no trecho: “Se o teu irmão pecar contra ti, vai corrigi-lo”. Isso mostra que a iniciativa deve ser de quem se sentiu ofendido e não de quem ofendeu. O ofendido era quem deveria encontrar caminhos para reconciliação e não quem cometeu o erro, como costumeiramente pensamos ser o mais justo.

Nota-se, então, que o objetivo não é relatar o erro, mas fazer com que o irmão perceba o erro cometido para assim ganhá-lo. Isso exige inteligência, sensibilidade, delicadeza e liberdade interior. Não é fácil, por várias razões, pôr em prática esse ensinamento de Jesus, em especial, pelo receio da reação do outro e pelo orgulho que sentimos em nos aproximar do outro.

Tudo isso nos mostra que o desejo de Jesus era ensinar aos seus discípulos como reconstruir a comunhão. Ele queria que eles aprendessem a não se escandalizarem com as falhas alheias como faziam os fariseus. Assim, ensinou a não expor ninguém ao ridículo público. O caminho ensinado começava pela relação pessoal na esperança de que o diálogo fraterno fosse decisivo e efetivo. Apenas diante da obstinação do pecador, era preciso envolver mais pessoas ou as próprias autoridades locais.

O objetivo era sempre ajudar a construir caminhos para reconciliação, sobretudo, contribuindo para que o irmão pecador percebesse o erro cometido. Dessa maneira, Jesus ensinava caminhos de superação de conflitos e reconstrução das relações. Logo, o discurso comunitário em Mateus nos adverte que não podemos partir de uma comunidade de “perfeitos”, mas de irmãos que reconhecem suas limitações, fragilidades e necessitam de apoio mútuo para superar dificuldades e reforçar laços internos.

Entretanto, reconhecemos que correção fraterna é um caminho difícil e desafiador, porque exige lucidez, sensatez, liberdade, maturidade e discernimento. Ela é sinal de grandeza, nobreza e delicadeza, tanto para quem toma a iniciativa de corrigir quanto para quem recebe a “correção”. Isso porque reconciliar-se com os outros ou ajudar o outro a voltar à comunhão exige reconciliação pessoal com os próprios limites, já que a coragem de dirigir ao irmão uma palavra clara e lúcida, livra-nos do rancor, da murmuração, da fofoca sádica e satisfeita.


Francisco de Assis, homem reconciliado consigo mesmo, soube bem sintetizar a pedagogia de Jesus aos seus primeiros frades. Na verdade, ele eleva à máxima potência a própria prática evangélica. Exortando aos ministros da sua nascente ordem, escreveu: “não haja nenhum frade no mundo, que tenha pecado tanto quanto puder pecar, que, depois que tiver visto teus olhos, nunca se retire sem a tua misericórdia, se buscar misericórdia. E se não buscar misericórdia, que tu lhe perguntes se quer misericórdia. E se depois pecasse mil vezes diante de teus olhos, ama-o mais do que a mim, para isto, para que o atraias ao Senhor; e que sempre tenhas misericórdia de tais pessoas”.

É o olhar misericordioso, muitas vezes sem palavras, que acolhe o irmão na sua fragilidade. A misericórdia é olhar o outro com olhos limpos, bondosos, desinteressados, profundos. É o olhar que desarma, acolhe e surpreende.

Quando a “correção” é feita a partir da lei, assumimos a posição de juízes, rompemos a comunhão, criamos categorias de pessoas (perfeitas e imperfeitas) e caímos nos legalismos e moralismos. Todos podem “corrigir-se” mutuamente, mas tendo os olhos fixos em Jesus. Educados pela misericórdia de Deus, todos somos chamados a exercer o ofício da “correção fraterna” e da edificação comunitária. A palavra misericórdia significa ter um coração pelos miseráveis, estar atento aos outros, ao próximo. Ver onde eles sofrem, onde estão as suas feridas, as suas necessidades. Ter olhos abertos e não ficar indiferente à fragilidade do irmão. A misericórdia não pode ser apenas compaixão, mas atitude de encontro e pedagogia de vida.


Senhor, ensina-me a tua pedagogia misericordiosa. Ajuda-me a correção fraterna para ganhar o irmão e edificar a comunidade. Que eu não me escandalize com as falhas alheias. Livra-me do juízo, do rompimento da comunhão e da exclusão. Afasta-me da indiferença diante da fragilidade do irmão pecador. Dai-me atitudes de compaixão e de encontro. Educa-me a grandeza, a nobreza e a delicadeza evangélica.

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1 Comment


Marcia Severo
Marcia Severo
Sep 10, 2023

Gratidão Frei por me enviar essas palavras de conversão. 🙏🏽Tenho muito q aprender a não julgar , a perdoar ( primeiro a mim mesma) meus irmãos. Reze por minha mim. Paz e Bem.

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