O jogo do amor
- Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
- 29 de out. de 2021
- 4 min de leitura
Atualizado: 6 de nov. de 2021
Um mestre da Lei, sábio e respeitoso, aproximou-se de Jesus, sem preconceito e duplas intenções. É um escriba que sabendo interpretar bem as Escrituras, reconhecia a sabedoria de Jesus e perguntou-lhe: “Qual é o primeiro de todos os mandamentos?” Com esta questão, ele reconhece uma presença, um carisma, uma verdade que transcende os esquemas e as convenções religiosas.
A pergunta implicava a ideia de que nos mandamentos do Antigo Testamento existia uma ordem principal. Jesus resumiu as leis antigas, num único desejo: amar a Deus e ao próximo. Ele sintetiza sua ideia trazendo os textos de Dt 6,5 e Lv 19,18. O mais interessante é perceber que a compreensão dos mandamentos se dá pela escuta: "Ouve, ó Israel!". Ouvir significa dizer “faça a experiência de ser amado”.
O evangelista Marcos aponta um primeiro (amar a Deus) e um segundo mandamento (amar o próximo). Ele não se preocupa em especificar quem é o próximo, porque o próximo pode ser toda e qualquer pessoa encontrada no caminho da vida. Assim, os mandamentos nos servem, não como normas, mas como revelação de possibilidades. O amor a Deus e ao próximo nos servem como âncoras de salvação. Com sua dinamicidade, nos libertam do egoísmo, das ilusões e da escravidão das nossas razões.
Jesus repete o mandamento do Deuteronômio: "amar a Deus de todo o coração”. Amá-lo com toda força, inteligência, vontade e empenho. A antropologia bíblica nos ensina que o coração designa a própria pessoa, seu ser corporal, psíquico, racional e emocional.
Neste sentido, “amar a Deus de todo o coração” é antes de tudo um percurso, um itinerário, uma jornada que ocupa todo o espaço da existência. Para amar a Deus de todo o coração é necessário ter a coragem de reconhecer os próprios limites morais e intelectuais, físicos e psicológicos, emocionais e afetivos.
Posterior ao mandamento do amar a Deus emerge o amor ao próximo que fica livre da espontaneidade do sentimentalismo e da polaridade do moralismo funcional. A prioridade do amor a Deus interpõe o amor ao próximo em um horizonte sem fronteiras e de plena totalidade. Ao mesmo tempo, o amar ao próximo manifesta a concretude do amor a Deus.
O amor não pode permanecer fechado dentro dos limites de uma relação. O amor é sempre transbordamento, um excesso de doação. Por isso, a relação de amor entre Deus e o homem se abre necessariamente para os outros. Amar a Deus que é invisível exige sua realização no amar ao próximo que é visível.
No entanto, é preciso temer amar o próximo e as coisas com um amor que não seja o de Deus. Somente o amor de Deus nos protege dos desvios afetivos de objetificar o outro. Amar a Deus significa sair de nossas ilusões de onipotência e reconhecer que não somos os primeiros. Amar a Deus significa reconhecer e aceitar que existe, diante de nós, uma possibilidade superior.
Somente por meio deste ato de reconhecimento, somos capazes de permanecer dispostos a nos perdoar porque antes Ele sempre nos concede o seu perdão. Não somos nós quem amamos a Deus, mas Deus quem nos amou por primeiro. A iniciativa do amor é de Deus. Com isso, somos capazes de amar porque podemos experimentar o amor de Deus.
A proposta de Jesus é um jogo: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo!”, ou seja, trate o outro como gostaria de que fosse tratado. Eis aqui o grande desafio! “Como a ti mesmo” nos lembra que para amar é preciso reconciliar-se consigo. Muitos relações distorcidas têm suas raízes nesta falta de reconciliação. Se não me sinto amado, não me reconheço digno de amar.
É possível que eu não me ame o suficiente, sendo o primeiro a me maltratar. Dessa maneira, eu seria capaz de amar o outro? Do mesmo modo com que me trato, escuto e me cuido; trato, escuto e cuido do outro. Se há a ausência do amor por mim ou em mim, tão certo existirá a mesma ausência para amar e entender o outro. É necessário reconhecer meus valores e minhas motivações pessoais para que o amor aconteça em mim e me possibilite amar o outro.
Os dois mandamentos escolhidos por Jesus nos ensinam de uma vez para sempre que o amor a Deus e o amor ao próximo são inseparáveis. Essas âncoras se sustentam uma na outra: impossível amar a Deus e não ao próximo e vice-versa. O amor requer totalidade, pois além dos dois polos existe o “como a ti mesmo”. É ilusório ter a pretensão de amar a Deus, sem amar o próximo; amar o próximo sem amar a Deus; e, da mesma forma, amar a Deus e ao próximo sem amar a si mesmo.
Senhor, ajuda-me a experimentar o teu amor. O sentir-me amado me ajuda a enfrentar o desafio de reconhecer meus limites morais, intelectuais, físicos, psicológicos e afetivos. Derruba os egos que me habitam, me autopromovendo e me fazendo tornar o outro um objeto, para assim aprender o amor ao próximo. Ensina-me a fazer com o outro, aquilo que eu gostaria de que fizessem comigo, ancorando meu ser “no amor a Deus e ao próximo” como aprendi a me amar.
LFCM.
Boa Noite Frei, gratidão por me enviar essas palavras q me fazem querer mais amar a Deus e ao próximo. Exercício diário que só é conseguido(assim espero) com orações e perseverança. 🌻