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O milagre da fé

  • Foto do escritor: Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
    Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
  • 1 de out. de 2022
  • 5 min de leitura

Atualizado: 5 de nov. de 2022

Em um contexto de crise da primeira comunidade cristã, em um período em que continuar a acreditar parecia não ser suficiente, o evangelista Lucas recorda o pedido que os discípulos fizeram a Jesus: “Aumenta a nossa fé!” Todos os dias fazemos experiência de uma fé incerta e vacilante: cremos em Jesus, mas não confiamos totalmente nele, falta-nos coragem de dar certos passos, de deixar alguns hábitos e de vivenciar um verdadeiro sacrifício. É nesse contexto que a fé deve ser fortalecida. É nesse contexto que a fé deve ser fortalecida e qualificada.


“Aumentar” não consiste num simples fazer crescer, mas em qualificar. A fé necessita ser purificada, liberta dos desperdícios e afinada com o entendimento do Evangelho. Se o tema central de hoje é a fé, o objetivo é questionarmos de forma honesta sobre a autenticidade e a sinceridade do seguimento de Jesus. No campo da fé, ao menos em alguns momentos, todos nos sentimos um pouco carentes, sobretudo, quando trata-se da questão de sermos mais vigilantes para não motivarmos o escândalo e sermos motivos de perdição.

O pedido dos discípulos revela uma certa convicção. Eles perceberam que o amadurecimento espiritual não é fruto de esforços e empenhos pessoais, mas dom de Deus. Assim, pedem a Jesus que sejam mais determinados, autênticos, convictos e generosos na opção pelo seguimento.

A Palavra do Evangelho é essencial e exigente: “Se vós tivésseis fé, mesmo pequena como um grão de mostarda, poderíeis dizer a esta amoreira: ‘Arranca-te daqui e planta-te no mar, e ela vos obedeceria’”. A amoreira é uma árvore forte, bem enraizada na terra e resistente aos ventos. Jesus quer fazer compreender que a fé, ainda que pequena, pode ter a força de erradicar até mesmo uma amoreira. E depois transplantá-la no mar, o que é algo ainda mais improvável. Mateus e Marcos não falam de uma árvore, mas da “montanha” que pode ser movida pela fé (Mt 17,29; Mc 11,23). No entanto, a mensagem é a mesma e pode ser resumida com as palavras ditas por Jesus em outro contexto: “Tudo é possível para quem crê” (Mc 9,23). A imagem que Jesus trás não é uma hipérbole, mas mostra o milagre que a fé autêntica pode realizar. Nas suas palavras, é marcante o contraste entre a extrema pequenez da semente, quase invisível, mas capaz de dinamismo vital e a grandeza da árvore evocada, que é capaz de atingir mais de 10 metros de altura e, por sua robustez, resisti à presença de animais e de homens sobre si mesma.


A fé é um dom grande e precioso. Somos chamados a reavivar diariamente, a dar testemunho e a guardar num bom depósito. Precisamos pedir como os apóstolos: “Aumenta a nossa fé!” Não se trata de ideias e pensamentos abstratos, mas da concretude de nossa vida. Na resposta de Jesus há um jogo dos contrastes. Quão grande pode ser um grão? Uma fé tão grande quanto uma coisa pequena, entre as menores, é suficiente. Então é verdade: não está em jogo a quantidade, mas a qualidade e a potência que estão contidas em um grão, em uma semente. Na comparação, Jesus não escolhe qualquer coisa pequena, mas uma semente. Na semente está a planta, a planta inteira. Ela só precisa de tempo para crescer e se desenvolver. A semente é como um núcleo incandescente que explode gradualmente.


Nesse jogo de contrastes não há nada de novo. Jesus utilizou esse método em muitos dos seus discursos. Um pouco de fermento fermenta uma grande quantidade de farinha. Uma criança é a medida da grandeza do reino dos céus. Se o grão de trigo morre, torna-se uma espiga rica e promissora. A beleza de uma flor do campo é mais resplandecente do que as riquezas de Salomão. Duas pequenas moedas valem mais que um tesouro. Um copo de água fresca pode se tornar um depósito de eternidade. E agora, a medida da grande fé está nas coisas quase invisíveis. É consoladora e estupenda esta lógica de Deus que plantou em nós a sua pequena semente de vida pedindo à nossa vontade que a conserve, alimente e faça viver.


A fé autêntica, ainda que pequena, pode fazer grandes coisas, à primeira vista impossíveis: pode construir o Reino de Deus na terra e erradicar o mal ao desejar pela justiça e pela paz. É semente de grande e eterno bem, porque nos induz a viver e a trabalhar, onde estamos, segundo o coração de Deus e na gratuidade com que Ele mesmo age. Para quem crê – diz Jesus – não existem situações irrecuperáveis. Aqueles que confiam em sua Palavra são testemunhas de milagres extraordinários e inesperados. Aquele que está movido pela verdadeira fé faz o bem não porque ele espera uma recompensa, mas por causa do próprio bem; sabe que tudo recebeu daquele que tudo dá e se reconhece como “devedor”.

Se o grão é genuíno, ainda que pequeno, tem a força necessária para crescer. Portanto, a fé não consiste numa força “sobre-humana”, mas em acreditar numa Palavra de vida que Jesus diz. Trata-se de acolher a palavra de Cristo como ela é, sem colocar obstáculos. É a própria palavra de Deus, que sai da boca de Jesus, que libera uma força necessária para realizar coisas “sobre-humanas”. É a Palavra de Deus que tem em si a força para crescer e fazer dar frutos.

Na segunda parte do Evangelho, temos uma expressão bem forte: “servos inúteis”. O termo não tanto se refere a inutilidade do serviço, mas a liberdade da recompensa. Servos inúteis, ou seja, sem pretensão de ser agradecidos, sem reivindicações. É o que revela a parábola: o patrão não dará a recompensa ao servo que faz o seu próprio serviço. Na verdade, o servo não tem o direito de receber uma recompensa especial por fazer seu trabalho. Ele não fez nada além do que lhe era devido. O convite de Cristo é para renunciar a recompensa aqui e agora, como os fariseus que fazem suas boas obras para serem admirados pelos homens. Para um cristão é suficiente nesta terra ser um servo fiel de Cristo. Não se pode usar o cristianismo para sentir-se confortável neste tempo e aproveitar-se dele para viver uma realidade de poderes desumanos. A vida nesta terra deve ser vivida na vontade de Deus e no cuidado do outro, sabendo que isso é um dom de Deus, e que não há melhor maneira de viver do que servir a Cristo.


Dois aspectos importantes para a vida são relatados no Evangelho deste domingo. Em primeiro lugar, a fé é poderosa e pode me ajudar a erradicar até o impossível. O acreditar não é uma dimensão mental: envolve uma escolha concreta, implica uma confiança plena e incondicional em Cristo e uma adesão convicta à sua proposta de vida. Sendo assim, pode-se aumentar ou diminuir. O seguimento à Jesus às vezes é rápido, leve e animador, outras vezes, devagar, pesado, cansativo e frustrante. O segundo é consequência do primeiro: viver a fé no dom e na misericórdia de Deus me introduz ao serviço amoroso (sem lucro), gratuito, que elimina todas as formas de mercantilização do bem em favor do próximo. Esse é o aprendizado da fé. A fé e a verdade não existem sem liberdade interior e liberdade de escolha. Para Jesus, a fé não está vinculada a um catálogo de crenças, consistindo num compromisso moral e racional de uma religião, mas é um modo de viver e de agir em profunda sintonia com o Evangelho e com modo de ser e agir do Pai.


Senhor, aumenta a minha fé. Dai-me a coragem para dar passos necessários, ensina-me a abandonar hábitos e a vivenciar os sacrifícios de forma autêntica e coerente. Necessito de mais convicção, autenticidade e verdade. Que em consonância com a minha fé esteja o meu servir. Que seja um serviço livre, gratuito e sem a necessidade de compensações humanas. Quero viver em sintonia com o Evangelho e com o modo de agir do Pai.


LFCM.

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1 commentaire


Marcia Severo
Marcia Severo
02 oct. 2022

Bom Dia Frei… q maravilhoso esse texto!! Peço sempre q o Senhor me proporcione fortalecer a minha fé e aumente a minha confiança Nele. Gratidão. Paz e Bem🙏🏽

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