A inteligência quaresmal dos próximos domingos apresenta-nos a relação de Jesus com pessoas e situações concretas, reais, após termos visto o modo como Jesus se relacionou com o demônio na tentação e com o Pai na transfiguração. A primeira relação é com uma mulher samaritana. O pedido “dá-me de beber!” (Jo 4, 7) da mulher prefigura o “tenho sede!” (Jo 19, 28) na história da cruz.
Em sua vida pública, Jesus deixa a Judeia e se dirige à Galileia. Ele escolhe parar pela Samaria (Jo 4, 4). Esta necessidade não é estritamente geográfica, uma vez que o caminho poderia ser realizado de maneira mais prática. Considerando a apatia cultural-religiosa existente entre judeus e samaritanos, esta praticidade tornava-se a mais e melhor aconselhável opção. Então, a necessidade desse caminho é teológica. Toda a história da salvação é permeada pelo desejo que Deus tem de encontrar alguém e todo o caminho percorrido manifesta esse desejo.
Toda a vida de Jesus é revelação da misericórdia. Todas as suas palavras, atos, curas, milagres; tudo aquilo que viveu e operou são sinais da graça da presença de Deus entre os homens. Ele verdadeiramente entende a necessidade humana. Deus é aquele que sabe reconhecer as frágeis intenções, as intermináveis buscas e os inacabáveis medos. Ele sabe tudo, compreende o desejo profundo dos corações e ouve, até mesmo, as palavras não ditas.
Na travessia de Jesus pela Samaria, o estado em que Ele se encontrava chama à atenção. Todos os detalhes apresentados pelo evangelista João possuem significâncias profundamente teológicas. Era a hora de comer e os discípulos tinham ido buscar comida na cidade. Jesus estava cansado e com sede, fazia calor e era meio-dia. Nessas condições, ele sentou-se na fonte de Jacó. Seu cansaço revelava a fragilidade da “encarnação”. O meio-dia revelava a importância crucial do encontro que iria ocorrer. O sol estava no ápice de seu movimento e a partir de um diálogo tudo seria renovado. O encontro que aconteceria era um momento de iluminação e de surpreendentes revelações. Por um lado, Jesus revelou-se, deixou-se conhecer. Entretanto, por outro lado, Ele iluminou a vida da mulher revelando a fragilidade da história dela.
Naquele tempo, as mulheres não gozavam de muita consideração, sobretudo, aquela mulher encontrada no meio do caminho. Por causa de seu comportamento imoral, publicamente reconhecido, ela era forçada a sair à rua numa hora quente em que não encontrasse ninguém. Ela não queria encontrar-se com quem a desprezava. A surpresa aconteceu quando encontrou um homem judeu que lhe pediu de beber: “Como é que tu, sendo judeu, pedes de beber a mim, que sou uma mulher samaritana?”. Para que a mulher pudesse se sentir um pouco mais livre no diálogo com o judeu, Jesus mostrou-se necessitado, indigente e com sede. É isso que possibilitou a dinâmica relacional. Sua humildade abriu um espaço para que o outro entrasse sem sentir-se ameaçado ou julgado.
Jesus conhecia o interior daquela mulher, sabia que ela era vítima dos amores errados e estava marcada por uma cultura preconceituosa. Ela tentou acalmar sua sede por meio de caminhos equivocados. Sem condená-la ou excluí-la, mesmo sabendo da sua condição, Jesus perguntou sobre a sua situação conjugal. Imediatamente, ela revelou não ter marido. Jesus disse-lhe que ela havia tido “cinco maridos” e que aquele com que ela estava, também não era seu marido. Foram seis homens. A quantidade imperfeita de relações. Tantas experiências, nenhuma satisfação e realização. Sua sede de afeto e de vida plena não havia sido satisfeita ou plenificada pelos cinco maridos que tivera, pois, todas as suas relações haviam sido de desilusões e enganos.
A samaritana do Evangelho de João é uma mulher que deseja ser amada. João coloca este encontro perto de um poço: local em que, no Antigo Testamento, eram celebrados os “matrimônios”. Jesus ajuda essa mulher revelar sua história, não para julgá-la, mas para ajudá-la a encontrar o que procura. Porém, quando ela percebe que Jesus está tocando sua história, começa a defender-se e tenta, com pensamentos, desviar à atenção de sua vida. Ela fala do lugar da fé, das expectativas messiânicas e das diferenças culturais. Jesus ultrapassa sua resistência trazendo-a sua Palavra de Vida.
A sede de Jesus encontra-se com a sede da mulher samaritana. Neste encontro das duas sedes é percebido, não apenas a sede de água, mas a sede de uma profunda relação. Ao ouvir aquelas palavras vindas da boca de um judeu, a mulher samaritana maravilha-se. Um “inimigo” da Samaria revela uma necessidade vital e pede-lhe hospitalidade. Ele deveria sentir-se superior ao ponto de não lhe dirigir qualquer palavra. Os samaritanos e, em particular, uma mulher samaritana só podia esperar desprezo de um judeu. Ele diz que é o Messias a uma mulher com uma vida tão dissoluta. O encontro de Jesus dá à samaritana a possibilidade de encontrar-se com a perfeição do amor, de sentir-se respeitada e de ser compreendida em seu contexto de exclusão.
A narrativa de João apresenta-nos uma mulher profundamente apaixonada. A samaritana corre deixando seu “cântaro” aos pés de Jesus. Ela deixa seus desequilíbrios afetivos e as dores de sua história que era obrigada carregar. É uma mulher reconciliada com a sua própria vida. Finalmente, seu desejo encontra a resposta. Então, sai para anunciar um encontro diferente que muda sua existência. Na verdade, ela sai para anunciar sua experiência de ter sido amada, ouvida, compreendida e perdoada.
O humaníssimo encontro com Jesus transforma a mulher da Samaria em nova criatura. Seus desequilíbrios amorosos encontraram o Perfeito Amor. Jesus se apresentou muito livre e sutil na sua forma de sedução. A promessa da água viva que Jesus fez à samaritana tornou-se realidade em sua Páscoa: do seu lado trespassado saiu “sangue e água” (Jo 19, 34). Se nossos desejos e nossas sedes encontrarem plena satisfação em Cristo, manifestaremos que a salvação não está edificada nas relações mundanas efêmeras e passageiras que ao fim produzem apenas “vidas secas”, mas se encontrarmos com o Perfeito Amor, compreenderemos que a profunda relação está n’Aquele que nos amou e eleva o amor à sua máxima perfeição.
Senhor, dá-me o dom da humildade para que o “outro” sinta-se acolhido e amado por mim. Ensina-me a estabelecer uma dinâmica relacional capaz de compreender os corações e ouvir aquilo que não se ouve apenas com os ouvidos. Que meu maior desejo seja o do encontro, sobretudo, com aqueles que são frágeis e não conseguem lidar com seus próprios medos. Instrua-me a deixar aos teus pés todos os meus desequilíbrios afetivos a fim de reconciliar-me comigo mesmo. Que eu seja capaz de sentir-me amado, ouvido e compreendido e me torne nova criatura como a samaritana em seu humaníssimo encontro.
LFCM.
Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo segundo João 4,5-15.19b-26.39a.40-42 Naquele tempo, 5 Jesus chegou a uma cidade da Samaria, chamada Sicar, perto do terreno que Jacó tinha dado ao seu filho José. 6 Era aí que ficava o poço de Jacó. Cansado da viagem, Jesus sentou-se junto ao poço. Era por volta do meio-dia. 7 Chegou uma mulher da Samaria para tirar água. Jesus lhe disse: "Dá-me de beber". 8 Os discípulos tinham ido à cidade para comprar alimentos. 9 A mulher samaritana disse então a Jesus: "Como é que tu, sendo judeu, pedes de beber a mim, que sou uma mulher samaritana?" De fato, os judeus não se dão com os samaritanos. 10 Respondeu-lhe Jesus: "Se tu conhecesses o dom de Deus e quem é que te pede: 'Dá-me de beber', tu mesma lhe pedirias a ele, e ele te daria água viva". 11 A mulher disse a Jesus: "Senhor, nem sequer tens balde e o poço é fundo. De onde vais tirar a água viva? 12 Por acaso, és maior que nosso pai Jacó, que nos deu o poço e que dele bebeu, como também seus filhos e seus animais?" 13 Respondeu Jesus: "Todo aquele que bebe desta água terá sede de novo.
14 Mas quem beber da água que eu lhe darei, esse nunca mais terá sede. E a água que eu lhe der se tornará nele uma fonte de água que jorra para a vida eterna".
15 A mulher disse a Jesus: "Senhor, dá-me dessa água, para que eu não tenha mais sede e nem tenha de vir aqui para tirá-la".
19b "Senhor, vejo que és um profeta!" 20 Os nossos pais adoraram neste monte mas vós dizeis que em Jerusalém é que se deve adorar". 21 Disse-lhe Jesus: "Acredita-me, mulher: está chegando a hora em que nem neste monte, nem em Jerusalém adorareis o Pai. 22 Vós adorais o que não conheceis. Nós adoramos o que conhecemos, pois a salvação vem dos judeus. 23 Mas está chegando a hora, e é agora, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e verdade. De fato, estes são os adoradores que o Pai procura. 24 Deus é espírito e aqueles que o adoram devem adorá-lo em espírito e verdade".
25 A mulher disse a Jesus: "Sei que o Messias (que se chama Cristo) vai chegar. Quando ele vier, vai nos fazer conhecer todas as coisas".
26 Disse-lhe Jesus: "Sou eu, que estou falando contigo".
39a Muitos samaritanos daquela cidade abraçaram a fé em Jesus.
40 Por isso, os samaritanos vieram ao encontro de Jesus e pediram que permanecesse com eles. Jesus permaneceu aí dois dias. 41E muitos outros creram por causa da sua palavra. 42 E disseram à mulher: "Já não cremos por causa das tuas palavras, pois nós mesmos ouvimos e sabemos, que este é verdadeiramente o salvador do mundo". Palavra da Salvação.
Boa Noite Frei , gratidão sempre por me enviar essas palavras q me ajudam a crescer espiritualmente. Um do evangelhos q me tocam muito. Jesus sem preconceito, sem julgamento só amando aquela mulher. 🙏🏽