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O poder da síntese

  • Foto do escritor: Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
    Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
  • 28 de out. de 2023
  • 5 min de leitura

Após o interrogatório dos saduceus, os fariseus voltaram a questionar Jesus, pois desejavam que Ele caísse em contradição para facilitar o plano de condenação que estava sendo arquitetado. A principal questão girava em torno do maior dos mandamentos. Como judeu, Jesus deveria conhecer e viver de acordo com o maior mandamento. As autoridades religiosas não conseguiam entender o movimento do Cristo, sua nova linguagem e, por isso, permaneciam imóveis diante de seus raciocínios doentios. Esses religiosos viviam cheios de si e não queriam abrirem-se ao novo.


A Lei, que servia para orientar o caminho do povo eleito, foi reduzida a um fardo de prescrições que se impunham, sobretudo, aos mais fracos. A religião judaica estava cheia de proibições e preceitos. Tudo era difícil, complexo e complicado. Os ritos tornavam-se estéreis e as devoções vazias. A vida moral e religiosa havia sido reduzida a uma obediência ansiosa e forçada.

Mediante a este contexto social e religioso, Jesus une toda a Lei e os profetas em dois mandamentos: “ama a Deus e ama a teu próximo”. Nessa síntese estava contida todos os documentos, discursos, decretos e declarações que tinham sido criados ao longo da história. Esse movimento significava que todos os preceitos que o Senhor havia dado ao seu povo, deviam ser praticados em relação ao amor a Deus e ao amor ao próximo.

O Mestre, com poucas palavras, esclareceu, simplificou e facilitou todo o entendimento da Lei. Ao facilitá-la e simplificá-la, não a banalizou, mas deu novo sentido e apontou o modo de vivenciá-la. As autoridades religiosas ficaram surpresas com o poder da síntese de Jesus: “Amarás o Senhor, teu Deus, com todo teu coração, com toda tua alma, com todo teu ser”. Este mandamento é o primeiro e é a essência de toda a Lei. O segundo é semelhante: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo”.


Os mandamentos não são apenas ordens, mas revelação de possibilidades de uma vida plena e realizada. Eles são luz para o caminho e verdade que dá sentido à vida humana. A relação com Deus não pode ser resumida no fator externo das observâncias, mas deve ser direcionamento de mudança de vida, pois numa relação saudável com Deus, minha vida se transforma ao ponto de desejar observar algumas regras e preceitos. Não é a observância que me garante a relação com Deus, mas a relação com Ele que transforma minha vida e me impulsiona a ser diferente.


O amor a si mesmo e ao próximo é uma resposta da experiência do amor de Deus. O amor ao próximo torna-se um sacramental do amor de Deus pelo homem e um testemunho do amor humano por Deus. Há uma reciprocidade entre os dois mandamentos. Trata-se de um mesmo e único amor.

A diferença de quem segue verdadeiramente Jesus está no fato de amar a Deus e aos irmãos. Amar é viver dando ao outro vida, reconhecendo seu rosto e sabendo seu nome. O amor cristão não é um sentimento fugaz, mas é um jeito de viver atenciosamente, generosamente e gratuitamente a graça divina.

Quando sou capaz de me olhar e de me reconhecer como pessoa, estou amando verdadeiramente e de coração sincero a Deus. Tudo aquilo que sou pertence a Ele, pois venho Dele. Foi Ele quem me deu a vida, e eu a recebo como dom gratuito e generoso. O amor a Deus deve me lembrar que não sou o fundamento e a criação da minha própria existência. Minha vida é dom recebido, por isso, sou convidado a entregá-la todos os dias expressando o amor do meu coração, da minha alma e da minha mente ao Autor da Vida.

O amor exige disposição, vontade e entrega. Dentre essas exigências, a entrega deve ser a principal delas. Não existe amor pela metade, amor parcial, amor por determinadas horas. O amor a Deus é um fazer, viver e agradecer constante e diariamente.

Jesus não nos convida para um altruísmo sem noção, sem sentido e sem limites. Ele não nos convida apenas para um serviço em nome de Deus. Ele nos convida para amar a partir do amor de Deus e a partir do nosso próprio amor. Somente através desse movimento dialético conseguimos ofertar nosso amor ao próximo. Este é o segredo de toda a Revelação Divina. Nosso compromisso incondicional com amor deve ser nosso modo quotidiano de estar diante de Deus compreendendo que todos somos irmãos.

Jesus não nos convida a interrogar-nos quem é o nosso próximo, mas a nos tornar próximos daqueles que estão ou se fazem distantes de nós. O fazer-se próximo do outro é o critério de verificação do nosso amor por Deus. O movimento do amor e de amar deve começar sempre no nosso interior direcionando-nos para o nosso próximo.

O Evangelho possui uma riqueza singular que traz propostas contemporâneas. A modernidade acredita que faz velozmente todas as coisas e que inventa todas as novidades. No entanto, os ensinamentos de Jesus estão à frente do nosso tempo. Muitas vezes, não os entendemos da maneira correta e dizemos aquilo que eles não nos ensinam, fazendo com que percam sua originalidade e sua beleza. Limitamos e apenas fazemos observância externa, marcada pelo farisaísmo medíocre das opções e dos desejos. A regra de Jesus é clara: “Amarás ao teu próximo como a ti mesmo”. Sem o reconhecimento de si mesmo e do amor a Deus não há possibilidade de amar o próximo. É amando a si mesmo que reconhecemos o dom de Deus e somos capazes de amar o próximo.


Jesus considera que o amor a Deus não é somente o grande mandamento, mas o primeiro deles. A este mandamento estão unidos todos os outros, que não é somente o amor ao próximo, mas um apelo, um convite, a amar a si mesmo. Se não nos amarmos, como poderemos amar nosso próximo? A clareza disso ajuda-nos na conjugação ambígua e paradoxal do verbo amar. Dificilmente amaremos outra pessoa se não somos capazes de nos amar, se não somos capazes de aceitar os dons de Deus em nós, nossas feridas e sombras, nossa história construída de altos e baixos. Se não nos amarmos e não nos aceitarmos, odiaremos nos outros aquilo que não apreciamos em nós e nos tornaremos um obstáculo na vida do próximo. Se não nos amarmos como somos, seremos tentados pela inveja e nos lembraremos das nossas próprias pobrezas e limitações reconhecidas na vida do próximo. Portanto, é nessa falta de amor-próprio que reside a sutileza e a maldade do farisaísmo que ainda nos habita.



Senhor, ensina-se a totalidade do amor. Ajuda-me a não fazer da religião um espaço de proibições e preceitos, de ritos estéreis e devoções vazias. Faça com que a relação contigo transforme a minha existência. Educa-me a viver para o amor, a reconhecer rostos e a identificar nomes. Dai-me a graça de amar os teus dons em mim para amar os teus dons no próximo.


LFCM.

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