O que o Espírito diz à Igreja no Brasil?
- Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
- 17 de jun. de 2020
- 4 min de leitura
Atualizado: 11 de abr. de 2021
Alguns dias antes da Solenidade de Pentecostes, memória da vida nova gerada pelo Espírito do ressuscitado na vida da Igreja, acompanhamos nas redes sociais um vídeo, dias após a sua transcrição, de dom Walmor, atual presidente da CNBB, relatando sobre quais seriam as ameaças e as oportunidades da Igreja no Brasil pelos próximos cinco anos.
Em tais considerações, o bispo baiano usa tons e timbres proféticos, de fato, moção do próprio Espirito Santo enquanto a Igreja se preparava para a predita solenidade. Palavras lúcidas, por isso, iluminadoras. Palavras proféticas que precisam serem escutadas, meditadas e discernidas. Palavras cheias de clarividência! Análise pertinente e clara, sem meias palavras, que geraram imediatas reações no meio dos alimentadores obscurantistas de um ódio fanático.
Então, sendo palavras que expressam plenitude e, pelo dom da fé, acreditamos ser uma moção do Espírito Santo, exigem de nós respostas novas. Temos que refletir melhor para não continuarmos dando respostas medíocres para situações pragmáticas e sombrias. Como o mesmo diz, é preciso “recompor o esgarçado tecido da nossa sociedade brasileira”, em particular, dentro da Igreja que deveria prezar sempre pela unidade, pela reconciliação e pelo diálogo.
Tentando contribuir um pouco mais, reflito que a Igreja no Brasil, se não correr contra o tempo, corre o risco de também ser gnóstica e pelagiana. Elementos esses, inclusive, já profetizados pelo papa Francisco não somente para o Brasil, mas para toda a Igreja. Tomara Deus que não! Não foi esse o sonho dos nossos fundadores, dos primeiros missionários, dos tantos santos e santas dessa terra de Santa Cruz, dos profetas que ocuparam esse chão após o frescor dos anos conciliares, dentre os quais, o grande Dom Helder.
Mas, onde podemos encontrar tais riscos? Justamente, naquilo que poderia ser a mais saudável solução, a formação. Estamos vendo crescer cada vez mais uma gama de formadores, sobretudo, virtuais, que estão prestando um des-serviço à fé e a Igreja. Em geral, muitos são mais formadores de opinião do que da fé construída pela tradição da Igreja. Por muitas vezes, esses formadores são capazes de construir e confirmar inverdades e justificá-las a partir de tantos contextos já passados e que não significam mais nada para nós. Alguns inclusive usurpam-se de uma autoridade que não têm ou de uma autoridade anacrônica, com uma paralisante nostalgia desse passado distante. Infelizmente, neste contexto, os jovens, e também o clero jovem, são os mais afetados. Certamente, como ainda precisamos de muito afirmações na vida, preferimos nos agarrar a tudo aquilo que parece ser claro.
Então, repito, uma Igreja gnóstica e pelagiana. Tais características serão vistas (já podem ser vistas) a partir de uma compreensão distorcida do sacerdócio comum, do ministério ordenado e da vida religiosa. E olhe, aqui nem queremos falar da questão litúrgica. Com isso, poderemos perder o sentido da história e correremos o risco de não saber para que servimos, onde queremos chegar e não teremos novas palavras a serem ditas.
Desse modo, inclusive os religiosos, vão começar a preferir os caminhos da hipocrisia, da autorreferencialidade e da distração mundana, que faz perder a relação com o ser humano e com o próprio Deus. Mas, por que hipócrita? Porque o hipócrita é aquele que faz da sua contradição um heroísmo trágico e uma devoção particular, onde busca perpetuar o engano e a falsidade para se auto justificar, para atrair e para criar uma impressão que não existe.
Como pregava o Papa Francisco, na sua recente visita a Macedônia (07/05/2019): “julgamos que o conformismo saciaria a nossa sede e acabamos por acolher indiferença e insensibilidade. Estamos prisioneiros do descrédito, dos rótulos e da infâmia. Alimentamo-nos com sonhos de esplendor e grandeza e acabamos por comer distração, fechamento e solidão. Empanturramo-nos de conexões e perdemos o gosto da fraternidade. Buscamos o resultado rápido e seguro e encontramo-nos oprimidos pela impaciência e a ansiedade. Prisioneiros da virtualidade, perdemos o gosto e o sabor da realidade”.
Assim, vemos um catolicismo alimentado por uma tradição que não é tradição, correndo o risco de ser mágica-pagã ou neo-pagã. Uma tradição distorcida. Aliás, não só distorcida, mas paralela, e talvez, por odiarem a palavra, e sem querer, “protestante”, bem entre aspas, porque a única coisa que lhes interessa é o próprio ato de “protestar” a favor de um narcisismo espiritual e de uma destruição do outro, até mesmo, velada. Um catolicismo que terá de tudo, menos de catolicidade.
Enquanto não nos dermos conta disso, vamos continuar preocupados com muitas coisas, com as mãos limpas, as vestes cândidas, as falsas espiritualidades, as piedades supérfluas, com um ritualismo vazio, com uma formação improvisada, com uma ideia perversa de fraternidade, onde escolhemos estratégias sem a luz do evangelho, e não escutaremos a moção do Espírito porque, de fato, onde está o Espírito de Deus tudo é novo, e como parece que não queremos nada novo, preferimos por nos agarrar à repetições extraordinárias e à contemplação das peças de um museu fechado e empoeirado há muitos anos.
Enfim, o mais interessante é recordar que essa gente já era denunciada por Jesus no evangelho, pois “se apegam as tradições humanas, matam os profetas e depois os homenageiam [...]; filtram o mosquito, mas deixam passar o camelo”.
Portanto, o melhor de ouvirmos essas palavras, o convite de abrirmos uma reflexão, de envolvermo-nos nessa tarefa, renova a nossa fé e o gosto de fazer parte dessa profecia na nossa certeza de que o Espírito sopra aonde quer, você ouve ruído, mas não sabe de onde vem para onde vai. Trata-se de grande responsabilidade, pois são grandes os desafios. Contudo, isso é muito urgente, sobretudo porque urge do Espírito para que a Igreja no Brasil continue com a sua voz profética e inspiradora.
* Uma primeira versão desse artigo foi publicado no site da Conferência dos Religiosos do Brasil, cf. https://crbnacional.org.br/o-que-o-espirito-diz-a-igreja-no-brasil/
* O vídeo transcrito de dom Walmor pode ser encontrado em: https://bit.ly/36SO5fp
Frei Luis Felipe, você diz o que precisa ser dito com precisão. Parabéns! Obrigada. Conte comigo sempre.